O agricultor Dalmo Araújo dos Santos teve a casa onde morava invadida na última sexta-feira (21), por volta das 21 horas, por quatro homens armados que se passaram por policiais civis, num povoado na zona rural da cidade de Valença, a cerca de 250 quilômetros de Salvador.

O agricultor de 58 anos, foi levado de casa e morto, com 11 tiros, segundo informações de familiares. A Polícia Civil da cidade, que apura o caso, não tem pistas sobre os autores do homicídio e o crime permanece misteriosos. Uma parente de Dalmo, que preferiu não se identificar, disse que ele estava em casa com a mulher quando o imóvel foi invadido pelos suspeitos, que chegaram em um carro. “Os quatro rapazes chegaram e disseram que eram policiais. Depois, meu irmão abriu a porta e eles entraram na casa dizendo que tinha uma arma lá dentro. Meu irmão negou que estivesse com arma, mas, mesmo assim, eles disseram que teriam que levá-lo”, destacou.
Segundo uma parente da vítima, além das armas, os suspeitos portavam coletes à prova de balas e um par de algemas, usadas para imobilizar o agricultor e levá-lo no carro. Acreditando que os suspeitos eram mesmo policiais, o agricultor não esboçou reação, disse a irmã. “Eles disseram que ele seria levado para a delegacia de Valença. A mulher disse que iria com ele, mas os homens afirmaram que ela não poderia ir”, destacou.
Depois que o grupo saiu, a mulher do agricultor correu para a casa da irmã para contar o que havia acontecido. A família foi, então, para a delegacia de Valença, para onde os suspeitos disseram que Dalmo seria levado, mas não o encontraram. “Entramos em contato com as minhas irmãs que moram em Valença e elas foram com a gente até a delegacia. Quando chegamos, o delegado disse que os policiais civis não tinham saído à noite e que não tinham ninguém lá com o nome do meu irmão”, relembrou.
O corpo de Dalmo só foi encontrado após um funcionário de um posto de gasolina de Presidente Tancredo Neves informar à polícia ter ouvido tiros perto do local onde trabalhava, disse a parente. “O rapaz do posto mandou fotos para a polícia de Valença e, quando a gente viu as fotos no celular, percebemos que era ele [Dalmo] e saímos para procurar, mas ele já estava morto”, lamentou. Segundo da família, o agricultor ainda foi torturado antes de ser assassinado.
A família contou que Dalmo era um homem calmo e que não tinha envolvimento com a criminalidade. Ele deixou quatro filhas, moradoras da cidade de Valença. A família suspeita, no entanto, que um desentendimento que o agricultor teve há seis anos com um vizinho possa estar relacionado com o crime. “Ele era super tranquilo, um homem da roça. Não tinha inimigos e nós não estamos entendendo o que aconteceu. Essa situação com o vizinho faz muito tempo, mas já tinha sido resolvido”, destacou, sem dar detalhes ocorrido. “Isso tudo ainda é um grande mistério, mas a gente espera que a Justiça condene os responsáveis”.
O corpo de Dalmo foi enterrado no último domingo (23). Familiares usaram redes sociais para lamentar a morte. “A família Magalhães/Araujo entra em luto pela perda de nosso tio Dalmo. Hoje pela manhã foi encontrado, depois do sequestro. Peço que orem por nós”, postou um sobrinho da vítima, logo após saber que o corpo do agricultor tinha sido encontrado.
O delegado da cidade de Valença, Raimundo Nonato Figueiredo, disse ao G1, na noite desta quinta (27), que a polícia está investigando o caso e que “ainda é cedo para afirmar o que realmente aconteceu” com o agricultor. “Ainda é muito cedo. Estamos apurando a situação. A família alega que foram homens se passando por policiais que o levaram de casa, mas ainda estamos investigando para chegar aos suspeitos”, resumiu.

Outro caso similar

Este caso é muito similar ao que ocorreu em Dias D’ávila, em 14 de junho deste ano, quando um senhor de 62 anos de idade, teve a casa arrombada por quatro policiais, a 57 quilômetros do centro de Salvador. Ao susto inicial lhe seguiu uma sessão de mais de hora e meia de tortura na qual os agentes chegaram a introduzir um cabo de vassoura no ânus do idoso, como demonstraram os laudos médicos do caso. Os policiais, que haviam obtido esse endereço após, supostamente, torturar um usuário de drogas, acreditaram que o idoso era o narcotraficante que buscavam. Mas os agentes não queriam prendê-lo, queriam grana. Eles o extorquiram e roubaram o pouco dinheiro que tinha, 200 reais em cédulas e outros 200 em moedinhas.
O idoso torturado não tinha ficha policial, não se cansava de repetir que era trabalhador e que não tinha envolvimento com o crime, mas foi vendado e conduzido em uma viatura para outros locais onde foi submetido a novas agressões e ameaças, como a de atear fogo em seu corpo com gasolina. Tudo indicava que os policiais iam se desfazer dele, no que é chamado no jargão policial de “ponto de desova”, mas o idoso foi finalmente deixado em casa. Os policiais, um tenente e três soldados, perceberam que ele não era a pessoa que procuravam.

O idoso torturado denunciou seus agressores na Corregedoria da Polícia Militar da Bahia. O órgão fiscalizador da corporação abriu uma investigação e acabou pedindo a prisão dos acusados. O idoso foi examinado por médicos que certificaram feridas nos punhos, nos ombros, na mandíbula, nos joelhos, uma perfuração sangrante na região do ânus e fissuras no esfíncter. O relato detalhado nesta reportagem é parte do processo que levou o juiz militar Paulo Roberto Santos a decretar a prisão preventiva dos policiais sob a acusação de crimes de ameaças, roubo com violência e extorsão. “Os indícios suficientes de autoria emergem com clareza solar”, escreve o magistrado.

A análise do GPS da viatura constatou que o veículo encontrava-se na casa da vítima naquele dia e horário, e os investigadores não obtiveram uma justificativa oficial da visita a esse endereço. O relato das atrocidades sofridas pelo idoso foi tão contundente e detalhado que motivou a ordem de prisão na semana passada do tenente Isaias de Jesus Neves e os soldados Marcos Silva Barbosa, Alexandro Andrade das Neves e Carlos Eduardo de Sousa Torres, lotados na 36ª Companhia Independente da PM de Dias D’Ávila.
O magistrado afirmou que a prisão preventiva, considerada uma medida “extrema e excepcional”, é “de extrema necessidade” para a instrução criminal, para proteger a liberdade dos testemunhas e para garantir a ordem pública, pois a maneira como os policiais praticaram os delitos “demonstra sua periculosidade”. “Sem sombra de dúvidas a ordem pública encontra-se seriamente comprometida no caso em discussão, pois condutas tão infames, em tese, foram praticadas por policiais militares, justamente os agentes encarregados pela lei de preservar a ordem pública e garantir a paz social”, escreve o juiz na sua decisão onde acusa os policiais de assumir o papel de “algozes”. O magistrado negou o pedido de habeas corpus, que pretende evitar prisões arbitrárias, solicitado pela defesa dos acusados.

A Secretaria de Segurança Pública, que questionada pela reportagem qualificou o episódio como um “caso de agressões”, condenou o fato e informou que, paralelamente ao processo criminal, será aberto um processo administrativo para decidir sobre a permanência na corporação dos agentes envolvidos.

O caso deste idoso não é o primeiro que envergonha a polícia baiana este ano. Às vésperas do carnaval, nove policiais militares executaram 12 pessoas no bairro do Cabula, em Salvador. O caso que mobilizou parentes, ativistas nacionais e internacionais – e que foi um problema para o governador Rui Costa (PT), hostilizado por militantes de seu próprio partido em junho por respaldar a cúpula da segurança e da Polícia Militar no episódio. Numa decisão com rapidez inusual para os padrões do poder Judiciário brasileiro, no entanto, a Justiça absolveu os agentes.