Rogaciano Medeiros *

A ditadura civil militar (1964-1985) afundou o Brasil, e consequentemente também Camaçari, em mais de duas décadas de obscurantismo. Hoje, quando o golpe militar completa 50 anos, para ser exato transcorrido nesta terça-feira (01/04), a preocupação predominante é a necessidade do resgate da história recente do Brasil, de forma que as novas gerações tomem conhecimento do período de horror imposto à sociedade brasileira na segunda metade do século passado e não permitam que se repita no futuro.

A população de Camaçari, na época considerada pela ditadura como área de segurança nacional por causa do Pólo Petroquímico, ficou impedida, durante anos, de eleger o prefeito por voto direto e secreto, assim como acontecia com as capitais e as estâncias hidrominerais. Nessas cidades, os generais de plantão decidiam quem ia ser o prefeito. E escolhiam sempre figuras linha dura, bem identificadas com a filosofia dos chamados “anos de chumbo”.

Do ponto de vista político e social, Camaçari amargou retrocessos consideráveis durante a ditadura. Até mesmo a chegada do Pólo Petroquímico, do qual se esperava a promoção do desenvolvimento com a superação da pobreza, pela forma autoritária como foi implantado acabou por aumentar em mais de 500% a população, em pouco menos de 10 anos, sem qualquer planejamento, provocar o agravamento das injustiças sociais, ampliar a concentração da riqueza, fomentar a criminalidade e espalhar a violência.

Deixar Camaçari fora do roteiro, para dificultar a mobilização dos trabalhadores, cujo movimento começava a ganhar força em todo o Brasil, inclusive com o surgimento, no ABC paulista, do metalúrgico Lula como a grande liderança sindical do Brasil. Essa foi a concepção que norteou a implantação do Pólo Petroquímico, em uma época quando a ditadura apostava tudo na chamada política de “segurança nacional”, exercida à base da violência e do terrorismo de Estado.

O desafio que fica para instituições, entidades e cidadãos comprometidos com a democracia e a justiça é exatamente contar a história para os mais jovens, pelos mais diversos instrumentos de comunicação. Explicar o que foi o golpe militar, na realidade tramado e articulado pelos civis, principalmente parlamentares, governadores e, como não poderiam faltar, os empresários. Mostrar que houve uma tomada do poder pela força, com a prisão e o exílio daqueles que foram legitimamente eleitos pelo povo para governar. Dizer que houve uma quebra da constitucionalidade e esclarecer o que isso significa.

É fundamental despertar na sociedade o espírito de indignação com o golpe, por ser o primeiro passo para uma tomada de posição, para a formação da consciência coletiva de respeito e defesa da democracia, do Estado de direito.

A nação tem o dever cívico de apoiar o trabalho executado pela Comissão da Verdade. Para se fazer justiça, é indispensável a revisão da Lei da Anistia, cuja adoção data de 1979, quando os militares ainda detinham total poder, e que perdoou agentes públicos que sequestraram, torturaram, assassinaram e ocultaram cadáveres dos que, em defesa das liberdades, ousaram resistir e enfrentar a ditadura civil militar.

Em Camaçari, um grupo formado por representantes do governo municipal, da Câmara de Vereadores, de partidos políticos, de entidades dos movimentos sociais, profissionais liberais, estudantes e intelectuais estão articulando uma série de atos para marcar os 50 anos do golpe militar. Inclusive, já está confirmado um evento na Câmara para o dia 16 próximo, com a participação de pessoas que sentiram na carne os horrores da ditadura. Foram convidados o vereador e ex-governador Waldir Pires, a presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais, Diva Santana, e o deputado federal Emiliano José.

Foram 21 anos de regime militar. Tempos de terror, de medo. Temos o dever histórico de restabelecer a verdade e punir os culpados pelas violações aos direitos humanos. Taí uma ferida que o Brasil precisa cicatrizar, definitivamente. Chega de impunidade.

* Rogaciano Medeiros é jornalista