Como todo brasileiro sabe tudo sobre futebol e novela, Aguinaldo Silva está no olho do furacão desde que escalou Marjorie Estiano para substituir Drica Moraes no papel da vilã Cora, em “Império”. Há os que aprovam a ousadia do autor e os que criticam a escolha de mergulhar no realismo fantástico numa trama nada fantasiosa. A coluna conversou com o autor na manhã de domingo, e ele explicou os bastidores da saída de Drica. A atriz, que teve leucemia em 2010, está com a saúde fragilizada, e Aguinaldo foi orientado a poupá-la já nas primeiras semanas de “Império”.

Confira a entrevista.

É verdade que você falou sobre a mudança física da Renée Zellweger (atriz americana que passou por recentes plásticas) para convencer a direção da Globo sobre a volta de Marjorie?

Sim, usei este argumento, mas de brincadeira. De qualquer modo, não havia como contra-argumentar, pois a situação era a seguinte: ou se fazia a substituição, ou retirávamos todas as cenas de Cora, e aí a novela ficaria capenga. Tudo aconteceu na quinta-feira. Desde o instante em que apresentei minha idéia "louca" a Sílvio de Abreu até que me ligaram para avisar que Marjorie Estiano já estava na novela decorreram apenas duas horas. Assim mesmo, sem maiores traumas. A frase de Marjorie que eu citei é rigorosamente verdadeira. Depois de que lhe explicaram o que estava acontecendo e lhe fizeram o convite, ela respondeu simplesmente: "Me manda os capítulos". Esta seria a resposta de Cora em situação semelhante.

Por que trazer Marjorie de volta?

Substituir Drica por outra atriz da mesma faixa de idade seria a opção menos imaginosa e eu nunca pensei nela. Se é para tomar uma atitude tão radical, tem que ser radical mesmo, pois ser radical em termos de ficção é a principal qualidade da novela. Pensei, sim: "O que Janete Clair faria numa situação dessas?". E concluí que ela chamaria Cora jovem, ou seja, Marjorie Estiano, e não daria maiores explicações – estas se tornariam supérfluas com o decorrer da novela.

Teve medo de Marjorie não aceitar ou de a maioria dos telespectadores rejeitar a ideia?

Eu sempre digo, e repito agora, que escrever novela não é coisa pra mariquitas. O autor que está no ar toma a cada dia decisões perigosas como essa quando lida com suas tramas. Mais radical que a troca da Drica por Marjorie será a morte do comendador José Alfredo em "Império"… E ele morrerá daqui a duas semanas. Para garantir que minha idéia fosse levada em conta falei primeiro com Sílvio de Abreu, que é o Diretor de Dramaturgia da Globo, é um mestre do ramo e ia perceber na hora a extensão do drama.Tive medo de Marjorie estar viajando, por exemplo. Da reação do público não tive medo, a experiência me ensinou que ele adora uma surpresa.

Foi o momento mais difícil da sua carreira?

Não. Já tive momentos mais difíceis. Quando Paulo Ubiratan, diretor de cinco das minhas novelas, morreu tão precocemente, por exemplo. Mas Drica estava simplesmente divina como a Cora, era a primeira vez que eu trabalhava com ela… Só que eu não podia pensar apenas nela, tinha que ver o lado das outras 299 pessoas envolvidas com a novela, e a frustração que seria para os telespectadores eu continuar a escrever uma trama que de repente se tornava capenga.

Você preservou Drica o quanto pode. Não escreveu cenas mais pesadas quando todo mundo esperava uma vilã mais cruel, manteve a atriz no estúdio para evitar as externas e ficou horas reescrevendo capítulos pelos afastamentos dela. Foi difícil fazer isso sem expor o que acontecia?

Foi difícil, sim, ainda mais porque certas pessoas da mídia que me acusaram de não ter conseguido fazer a vilã que prometera sabiam que Drica estava com problemas. A questão é que, mesmo com problemas, Drica foi genial o tempo inteiro. Mas logo após as primeiras semanas já tive que aceitar a recomendação que me foi feita: era preciso poupá-la. As cenas que estão por vir – esta semana Cora se atraca com Marta e as duas rolam pelo chão, na semana seguinte ela passa a noite no cemitério, arromba o jazigo do comendador, sai a correr feito louca pelas alamedas do cemitério ao descobrir que não tem nada lá dentro… É toda uma sequência de cenas pesadíssimas… E cada vez que eu escrevia uma delas não podia deixar de pensar que estava fazendo um mal enorme à saúde da Drica. Mas fiz uma jura: voltarei a trabalhar com ela, sim, e lhe darei uma personagem tão forte quando Cora.*Extra Globo.