Os 55 kg distribuídos em 1,75m de altura renderam a Luís Leandro Pinto de Jesus, 30 anos, o apelido de Caveirão. “Quando cheguei na Floresta, há três anos, os moleques passaram a me chamar assim”, disse o traficante, ontem pela manhã, quando foi apresentado à imprensa no Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP).

Segundo a polícia, ele tem envolvimento na morte do garoto Yure Conceição Machado, 2 anos, no IAPI, ocorrida, na última quinta-feira, durante tiroteio entre traficantes. “Como ia matar uma criança? Tenho dois filhos. Não mato ninguém, nem a quem me deve. Puseram o meu nome na história porque me conhecem e sabem que moro na Floresta”, argumentou Luís.

No entanto, a delegada Claudine Passos, do DHPP, disse não ter dúvidas quanto à participação dele no crime. “Populares o descreveram e detalharam como ele matou o menino: a criança brincava com um velotrol e correu para debaixo de uma escada com os tiros, mas Caveirão mirou na cabeça do menino e atirou”, disse a delegada.

Segundo Claudine, os também traficantes Zóio e Sem Dente estão envolvidos no episódio e tiveram as prisões solicitadas. A delegada disse que outros nomes também são investigados. O assassinato motivou protestos de amigos e parentes da vítima nas ruas do bairro, que denunciaram a briga entre facções no IAPI.

Inocente

Apesar da declaração da delegada, Luís insistiu na inocência e apontou um comparsa como assassino. “Estava em casa, na hora do almoço. Quem atirou foi Zóio. O nome dele é Rafael, que atuava comigo. Não sei o que foi fazer no dia. Ele me ligou dizendo o que tinha feito”, disse Caveirão.

Sem passagem, Caveirão era até então considerado “tiro surdo” — jargão usado no meio policial em referência ao bandido famoso pelos crimes, mas com ficha policial limpa.

Em 2008, Caveirão foi conduzido para averiguação na 2ª Delegacia (Lapinha), porque estava sem documento de identificação e em seguida liberado.

Caveirão foi preso na última sexta-feira, após uma troca de tiros com policiais militares da 37ª Companhia Independente da PM (Liberdade). O traficante estava com outras três pessoas escondido numa casa abandonada na localidade do Brongo.

“Estava escondido porque todo mundo estava atrás de mim. Quando vi os policiais na porta, corri, levei um tiro nas nádegas e fraturei o fêmur”, contou o preso, que, segundo ele, ficará pelo menos três meses com a perna direita imobilizada. Na casa onde ele estava, policiais apreenderam dois tabletes de maconha, 38 papelotes de cocaína, três pedras de crack, uma balança de precisão e munição para revólver calibre 32.

Além de ter tido a prisão preventiva decretada pela morte de Yure, Caveirão foi autuado por tráfico de drogas e porte ilegal de arma. “A minha é isso aí. Vendo algumas balinhas pelas ruas”, disse o traficante, rebatendo a acusação da polícia de ser um dos chefes do tráfico da Floresta.

Depois de ter sido localizado, policiais socorreram o traficante para o Hospital Ernesto Simões, no IAPI, onde passou por cirurgias. No sábado, cinco homens tentaram resgatá-lo, mas policiais da 37ª CIPM que estavam no hospital perceberam ação dos suspeitos. Houve confronto.

Os criminosos fugiram atirando e seguiram em direção a um matagal próximo ao hospital, onde fica o Brongo. “Não sei se era resgate. O pessoal do Milho está querendo me matar”, disse o traficante.

Reação

Durante a madrugada de ontem, cerca de dez criminosos passaram atirando na Rua Professor Valson Lopes — conhecida como Rua do Céu —, na Liberdade. Segundo informações da Central de Telecomunicações das Polícias Civil e Militar (Centel), os suspeitos jogaram gasolina nos carros e atearam fogo.

Apenas um veículo, um Fox vermelho, foi atingido pelas chamas. Policiais militares surpreenderam o grupo que conseguiu fugir. Não há registro de feridos durante a tentativa de incêndio e o dono do carro não foi encontrado.

A ação seria uma represália à prisão de Caveirão. “Eu não sei do que se trata”, respondeu o preso sobre a possível relação entre o atentado e sua prisão. A assessoria de comunicação da Polícia Civil informou que até o momento não há ligação entre os dois casos.

De acordo com fontes da Secretaria da Segurança Pública, Caveirão, Zóio e Sem Dente, pertencentes à quadrilha de Rambo, pretendiam executar um rapaz conhecido como Mussum, irmão do traficante de prenome Wagner, líder da localidade do Milho.

Mussum rondava a Rua da Floresta, local de domínio de Rambo, quando foi visto pelos inimigos e o confronto entre os grupos foi inevitável. E, neste momento, Yure foi morto.

Confronto entre facções provoca medo entre moradores do IAPI

Antes de morrer em confronto com a polícia em 2006, o traficante Pitty criou o Comando da Paz (CP), tendo como inspiração as facções Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. A estratégia era se fortalecer diante dos adversários. Com a principal quadrilha rival não foi diferente. Alguns grupos ligados ao bando de Perna, cujo líder está custodiado em penitenciária federal, fundaram recentemente o Comando do Caveirão.

“Agora é assim: o Brongo e a Floresta são uma facção só, CP; e Milho é Perna, Comando do Caveirão”, declarou o traficante Caveirão, que ostenta o apelido que leva o nome do bando rival. “Quem é do Brongo não vai no Milho, senão é morte na certa”, disse Caveirão. O traficante disse que já ouviu falar de Wagner (líder da localidade do Milho). “É ele que manda no Milho, mas nunca o encontrei. Se isso acontecer, vai ser daquele jeito”, declarou, fazendo gesto com a mão de direita como se apertasse um gatilho.

Os confrontos têm tirado o sossego dos moradores. “Tem dias que a gente acorda com rajadas de metralhadoras e dorme com tiros de fuzis. Está impossível”, disse uma senhora de prenome Margarida, que há 15 anos mora no Brongo. “Eles chegam aqui, encapuzados, dizendo que é Comando do Caveirão e, quem for contra, eles vão queimar”, contou um morador da localidade.

*Correio.