Foto: Mauro Akin Nassor

Não tem mais para onde correr: se bagunçar o trânsito de Salvador vai sentir no bolso. Agora, todo estabelecimento que provocar problemas no fluxo de veículos vai ter que contratar uma empresa com agentes particulares para descascar o abacaxi.

A nova norma é abrangente. Serve para estabelecimentos como escolas, clínicas, supermercados e shoppings, obras em andamento e até para quem for fazer algum grande evento na cidade.

A portaria da Transalvador que regulamenta a lei foi assinada ontem e deve ser publicada ainda esta semana no Diário Oficial do Município (DOM) – quase quatro meses após o decreto que anunciou as medidas. Inicialmente, a prefeitura tinha 30 dias para fazer a regulamentação.

“Houve um atraso para apontarmos alguns pontos da normatização”, admitiu o superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller. Segundo ele, basta que o órgão identifique um Polo Gerador de Viagens (PGV) – empreendimentos que atraem um considerável fluxo de veículos e acabam prejudicando a acessibilidade da região – para ter que se adequar.

“Com isso, teremos monitores de trânsito capacitados para garantir a fluidez e uma melhora considerável nesses pontos. Por isso, vamos identificar esses polos e informar aos geradores que contratem empresas credenciadas para monitorar o trânsito”.

Alguns PGVs, no entanto, já são conhecidos. Na verdade, são pontos clássicos para qualquer um que vive nos engarrafamentos da cidade, a exemplo do Salvador Shopping e de quase todas as escolas, como a Gurilândia, na Avenida Cardeal da Silva, e o Antônio Vieira, no Garcia.

Polos

A pedido do CORREIO, o titular da Transalvador listou outros pontos da cidade que também devem precisar contratar monitores. “Escolas são praticamente todas”, disse. Nesse quesito, Muller cita os colégios Integral e Anchieta, na Pituba. Depois, lembra do Shopping Iguatemi, do supermercado Redemix, na Avenida Paulo VI, e da clínica Delfim, no Itaigara.

Além disso, Fabrizzio Muller também apontou obras como os empreendimentos imobiliários da Avenida Santa Luzia, no Horto Florestal, e as obras do Complexo Viário do Imbuí, na Paralela.

Mesmo assim, ainda segundo ele, cada caso será analisado. “Vamos fazer um estudo e identificar o tamanho da interferência no tráfego do entorno do gerador”. Daí, o órgão vai determinar quantos monitores de trânsito cada PGV vai precisar. Só para ter uma ideia, uma escola como a Gurilândia pode precisar de três profissionais.

Tão logo os polos forem identificados, também serão notificados. Em seguida, terão que contratar as terceirizadas. “Quem não fizer isso pode sofrer sanções administrativas, como multas e até perda do alvará de funcionamento”, adverte Muller.

Serviço

Assim que a portaria for publicada, as empresas que oferecem esse tipo de serviço podem se cadastrar na Transalvador. “Só serão autorizadas empresas credenciadas”. No entanto, apesar de o decreto da prefeitura afirmar que existem empresas que oferecem o serviço em Salvador, não é bem assim.

“Aqui não existe esse serviço, mas há a possibilidade de recebermos empresas de fora. No Rio de Janeiro, há bons exemplos”, disse Muller.

Entretanto, para ele, empresas especializadas em outros serviços de trânsito – como engenharia de tráfego e até de estacionamento – podem se adaptar para oferecer o novo serviço de monitoria de trânsito. “Temos empresas capacitadas aqui, que certamente oferecerão o serviço”.

A ideia não é que os monitores tenham as mesmas funções dos agentes de trânsito da Transalvador. “Os monitores não terão função de fiscalização, nem de autuação. Eles vão ficar posicionados nos locais para orientar os motoristas e garantir a fluidez”, explicou.

Assim, os monitores só estão autorizados, por exemplo, a indicar locais onde é possível estacionar – e onde não é – ou dar vias alternativas, para fugir da fila de veículos.

Além disso, todos serão supervisionados pela Transalvador. “Eles não ficam subordinados ao contratante, mas à Transalvador. Se houver necessidade, eles devem acionar os agentes da Transalvador responsáveis pela área”.

Para isso, os monitores devem passar por curso de capacitação, ministrado pelas próprias empresas que, credenciadas, terão 90 dias para treinar funcionários e começar a oferecer os serviços. “Depois disso é que vamos notificar os PGVs”, diz Muller.

Inter

Já que apenas obras e empreendimentos da prefeitura não vão precisar dos monitores, obras como as do Complexo Viário do Imbuí, do governo do estado, também terão que contratar as empresas. “É uma obra importante, que vai ajudar a mobilidade, mas não temos dúvida de que é um dos piores impactos, hoje, na cidade”, afirmou Muller.

Enquanto isso, quem sofre com o engarrafamento dos PGVs já conhecidos espera que a novidade resolva o problema. “Aqui é terrível. Quem engarrafa aqui é o Colégio Antônio Vieira. Gasto 15 minutos parado todos os dias”, afirmou o engenheiro Francisco Neto, 62 anos, morador da Rua Pacífico Pereira, onde fica a entrada e saída do Vieirinha.

Mesmo assim, há quem discorde. “Acho que a Transalvador é que deveria fazer esse trabalho. Passo uns 10 minutos parado dentro do carro”, disse o professor de Educação Física Richard Macrini, 43.

Outros PGVs famosos já buscam uma adequação. Sobre a escola Gurilândia, onde quase 200 veículos de pais passam, durante os horários de pico, o superintendente da Transalvador diz que a renovação do alvará, no ano passado, foi condicionada a um acordo prévio de que a instituição contrataria monitores.

“Entendo que já remuneramos o poder público, mas se é para tentar resolver o problema, vamos absorver o custo”, afirmou o diretor da escola, Eduardo Araújo. Até o começo de maio, a escola ainda deve concluir as obras que duplicam a capacidade do estacionamento e permitem até 50 carros dentro do prédio.

Monitor na rua pode gerar impasse, alerta advogado

Em outras capitais, como Curitiba e Rio de Janeiro, o serviço de monitores de trânsito já existe. Ainda assim, segundo o presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seção Paraná, Marcelo Araújo, o problema disso é colocar empresas particulares para administrar a via pública. “Mesmo que se limite a uma orientação, esse papel é do agente de trânsito”.

Araújo diz, porém, que não há barreira legal para impedir esse tipo de iniciativa por parte da prefeitura. “No caso dos agentes, a ordem deles prevalece. Mas os monitores não teriam essa autoridade. E, se houver um acidente, quem será responsabilizado? Porque é possível ir atrás tanto do empregador quanto do órgão que regulamentou isso”. Em Curitiba, a ação dos monitores se restringe às escolas. “Existe uma ligação mais forte, porque se trata de pais chegando, para deixar as crianças. Mas, num shopping center, por exemplo, pode existir algum tipo de desacato, porque a pessoa que está só passando ali pode não querer ir pelo caminho indicado”, alertou.

Araújo reconhece que a necessidade de mais orientação no trânsito pode ser um benefício da medida. “Mas é um assunto cujos efeitos precisam ser estudados com mais cautela. A população também precisa acolher isso, por isso, é importante fazer audiências públicas”, diz o advogado.

Outro questão é que dá para esperar que os engarrafamentos sejam resolvidos apenas com a presença dos monitores, como lembra a professora Ilce Marília Dantas, chefe do Departamento de Transportes da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “É preciso mesmo fazer um estudo (para identificar os PGVs), mas o monitor é apenas mais uma medida, que pode melhorar. Mas é importante ter medidas de infraestrutura, porque não tem monitor que resolva o problema do Iguatemi, nem da subida do Cabula”.

Dez pontos com problemas

1 Clínica Delfim (Itaigara) Funcionários da clínica e de uma terceirizada trabalham na área externa. A clínica tem manobrista e parceria com estacionamento e disse que vai se adequar.

2 Colégio Anchieta (Pituba) A direção do colégio foi procurada por meio da assessoria de comunicação, mas não havia se pronunciado até o fechamento da edição, às 20h.

3 Colégio Antônio Vieira (Garcia) Vigilantes já ajudam a orientar os pais na saída da escola. O Vieira planeja uma campanha interna, mas não especificamente por conta da lei.

4 Colégio Integral (Pituba) Existe uma orientação para que os pais usem o acesso da orla e já há monitores. O diretor, Luiz Rocha, é favorável à medida.

5 Empreendimentos no Horto Florestal Nenhuma das construtoras dos empreendimentos da Santa Luzia respondeu até o fechamento da edição.

6 Escola Gurilândia (Federação) O diretor, Eduardo Araújo, diz que o poder público já é remunerado para isso, mas assumirá o custo se resolver o problema.

7 Obras do Imbuí Até o fechamento da edição, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Conder), responsável pelas obras, não se pronunciou.

8 Salvador Shopping O empreendimento disse não ter conhecimento sobre o assunto e afirmou que só irá se pronunciar após a definição das regras.

9 Shopping Iguatemi Por meio da assessoria, o shopping disse que só irá se pronunciar quando a portaria for publicada e o estabelecimento notificado.

10 Supermercado Redemix (Paulo VI) Os responsáveis foram procurados, mas não foram localizados até o fechamento desta edição.

Com informações do *Correio.