Foto: Ruan Melo/G1.Moradora cuida de cães e gatos abandonados

O que faz uma pessoa criar 47 animais entre cães e gatos dentro de sua própria residência? O que motiva alguém a abdicar da sua vida social para se dedicar inteiramente a animais abandonados? Fé. É essa a resposta dada por Alice Valente, moradora de Jauá, no litoral do município de Camaçari, na Bahia, e responsável por cuidar de bichos que viviam sem esperança nas ruas.

“Eu acho que é a fé que me faz fazer isso. Por conta dela estou aqui, vou em frente, não desisto nunca. Estou aqui para ajudá-los e não os deixá-los à própria sorte. Não tenho um domingo de lazer, não tenho Natal, Ano Novo. Mas me sinto uma pessoa feliz”, avalia Alice.

Foto: Ruan Melo/G1.Alice abriga 47 animais entre cães e gatos

Alice vive sozinha em uma casa que divide o andar de cima com os gatos e o de baixo com os cães. Viúva e sem filhos, ela dedica toda a sua atenção aos bichos. “Acordo 4h e preparo a comida deles. Tenho que ser rápida pra não fazer muito barulho e incomodar os vizinhos. Depois vem a parte da limpeza deles. O meu café mesmo eu só tomo lá pras 11h. Meu tempo é todo dedicado a eles. É como uma rotina normal de casa, mas com muitos filhos”, compara Alice.

Ela começou a recolher os animais nas ruas há 15 anos. Alguns foram achados feridos em latas de lixo, outros eram vítimas de maus tratos e foram comprados dos antigos donos. “Tem um cão que o cara tava passando de bicicleta com ele amarrado. E isso estava machucando o cão. Eu passei por ele de carro, parei e perguntei por que ele fazia isso. Ele disse que me vendia o cão se eu desse R$ 5 a ele. Aí eu paguei e fiquei com o cachorro”, recorda a moradora.

Após serem acolhidos, os animais são levados para um veterinário, que os avalia e medica. Em seguida cães e gatos são devolvidos a Alice, que passa a cuidar deles dentro de sua residência. Em casa, eles são alimentados com ração, dormem em camas, alguns até em redes. “Se estiver apto ele é castrado. Nenhum animal que está aqui procriou. Obedeço todas as orientações do veterinário”, acrescenta Alice.

Foto: Ruan Melo/G1.Gata com câncer foi encontrada no lixo

“Tem uma gatinha que vivia no lixo. Ela ficava muito exposta ao sol. Peguei ela, levei ao veterinário e foi constatado que ela tinha câncer. Ela teve que remover as orelhas. Deram seis meses de vida a ela, mas ela está aqui até hoje, viva há seis anos”, comemora Alice.

Diante das diversas histórias de superação, Alice só fica triste por não conseguir cuidar de mais animais. Ela conta que não tem condições financeiras de abrigar mais bichos. “Me policio bastante. Vou às ruas e vejo dezenas de animais. Fico chateada por deixar eles lá, mas não posso recolher. Tenho esses e é um número bastante grande”.

Mesmo viúva e sem filhos, a moradora garante que não cuida dos animais por carência. “É uma coisa que você sente com a alma. Me sinto completa. É um amor incondicional. As pessoas dizem que faço isso por carência, por eu ser viúva, não ter filhos. Mas eu poderia ter dez filhos e seria a mesma coisa. É uma coisa que vem de mim mesma”, afirma.

Foto: Ruan Melo/G1.Animais ocupam dois andarem da residência de Alice

Abandono

Patruska Barreiro, presidente da Associação Brasileira Protetora dos Animais-seção Bahia (ABPA-BA), afirma que existem, atualmente, cerca de 100 mil animais entre cães e gatos abandonados nas ruas de Salvador. Segundo ela, esse número vem aumentando ao longo dos anos. "Há cinco anos isso era em torno de 70 mil", acrescenta a presidente.

Mantida por doações, a ABPA abriga atualmente 500 animais, todos disponíveis para adoção. De acordo com Patruska, a Associação não tem mais condições de acolher outros bichos. “Hoje nós capturamos os animais, castramos e soltamos no ambiente em que ele vivia”.

Patruska recomenda que as pessoas que não quiserem mais seus animais procurem doá-los. “Procure saber de um vizinho se ele quer, procure fazer uma campanha para adoção, tirar uma foto. De forma alguma abandone aquele ser vivo. Ele é uma responsabilidade para toda vida. No momento que coloca esse animal na rua está causando um problema para todo mundo. Ele pode transmitir zoonoses. Além disso, em três anos um cão pode ter mais de 7000 herdeiros”, explica.

A presidente da ABPA conta que as pessoas que quiserem abrigar bichos abandonados, como no caso de Alice Valente, devem tomar muito cuidado. “Cada pessoa deve recolher os animais na medida da sua condição financeira, para proporcionar o bem estar da pessoa e dos animais. Vivendo em residência, o ideal é que estejam castrados, vacinados, tomando banho de sol. Se não tem condição, que não recolha tantos”, adverte.

Foto: Ruan Melo/G1.Casa abriga cães e gatos abandonados nas ruas

Alice também tem consciência das dificuldades de cuidar de tantos animais e aconselha às pessoas que não façam o mesmo. “Oriento as pessoas a irem a um abrigo e adotarem um cão. Elas não devem fazer o que eu fiz. Me arrisquei muito porque é uma questão de saúde pública. Elas devem ir aos abrigos e às ONGs. Mas de qualquer forma a minha parte eu estou fazendo”, conclui.

Denúncia

Segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), o recolhimento de animais de grande porte das vias públicas é feito através da Transalvador e do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). O órgão afirma que nos casos em que o animal não tem condições físicas de recuperação, é realizado o procedimento de eutanásia. Quando há possibilidade de reabilitação, o animal é encaminhado a um hospital veterinário, sendo que o "proprietário deverá arcar com as sanções previstas no código sanitário municipal e com as despesas geradas pelo animal como medicamentos utilizados pelo mesmo".

Já no caso de animais de pequeno porte, como cães e gatos, a secretaria afirma que realiza castração gratuita, além de promover "campanhas de conscientização de porte animal, para não haver casos de abandono".

De acordo com a SMS, o órgão recebe uma média de quatro denúncias por mês para o resgate de animais, mas elas nem sempre resultam na apreensão dos bichos, uma vez que "quando a equipe chega, o animal já não se encontra no local". A secretaria acrescenta que as pessoas que querem fazer uma denúncia podem entrar em contato com o Centro de Controle de Zoonoses ou a Transalvador, através do telefone: 3611-7331.

*G1.