O monólogo traz Fernanda envolvida em seu absoluto talento. Como se fosse Simone narrando a própria vida, ela passa uma hora sentada em uma cadeira e tem como apoio de cenário apenas a luz de um holofote. “Suo muito. Não ando em nenhum momento, mas tem que ter uma concentração enorme”, afirma.

Referência para jovens atores, Fernanda surpreende e mostra modéstia ao afirmar que sente a reestreia do espetáculo diferente das primeiras apresentações da peça. “Senti que algo se fortaleceu. E acho que eu melhorei”, afirma a atriz, sobre seu retorno aos palcos.

No bate-papo, ela mostrou que a força feminina não é marca apenas de sua personagem e, sim, de todas as mulheres de sua família: "Temos mulheres muito fortes. Mulheres danadas, são umas guerreiras".

Que fala da peça a senhora mais se identifica ou que mais gosta de pronunciar?
Fernanda Montenegro: Ah, tem muitas! “É o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é referência que me projeta e que eu devo sempre ultrapassar”. São coisas assim…

Você comentou que leu o primeiro livro de Simone de Beauvoir aos 19 anos (“O Segundo Sexo”) e que demorou quatro anos na preparação da peça. Como foi o processo de criação?
Fernanda Montenegro: Para ler toda a obra dela, acho que levaria 60 anos. Então, li a autobiografia e as correspondências dela para o Sartre. Porque eles se escreviam barbaramente. Já tinha telefone, mas tudo era escrito. Não reli os romances, porque o que me interessava era, justamente, o depoimento direto da vida deles.

Sartre e Simone tiveram uma relação de cumplicidade muito grande. E a senhora também teve uma relação na vida bastante próxima disso, com seu marido, Fernando Torres. A senhora consegue fazer esse paralelo entre os dois casais?
Fernanda Montenegro: Acho que todo casal que permanece depois de atravessar todos os pontos mortos cria uma necessidade mútua inarredável. Na medida que um aprende o caminho do outro, tem uma simbiose aí, seja em que escala for, em que nível social for, que nível cultural for, que se assemelha. Sou de uma família de casamentos de longos anos. Todos têm problemas. Durante a vida, vão se acotovelando, mas tem momento que formam uma unidade inseparável. E quando acontece a perda da pessoa, você fica maneta. Tem que aprender a viver de novo. Porque são anos, ou na glória do encontro ou na tragédia do desencontro, mas vão permanecendo naquele vício um do outro. Fica difícil.

Isso te ajudou a retratar Simone no palco, mergulhar no personagem?
Fernanda Montenegro: Você sabe que a morte é um sentimento de perda parecido para todas as pessoas, né?, quando a morte chega perto da sua vida. Outro dia eu li um pensamento muito interessante, que a morte é como um véu. Então, durante a vida você vai vendo a morte através de um véu. Aí, um dia, o véu se levanta e alguém muito perto de você morre. É a hora que o véu se levanta e você vê. Depois, com o tempo, o véu vai baixando de novo e você vai vendo a entidade morte através desse véu. Até a hora que o véu se levanta de novo e você entra no contato direto com a morte. Acho que esse é um pensamento bonito.

Em que nível a senhora concorda que “por trás de uma grande mulher, há sempre um grande homem”?
Fernanda Montenegro: Bom, eu acho que sem Fernando eu não teria feito a vida que fiz. E não digo isso porque ele já não está mais aqui. Ele sabia disso e eu sempre soube disso. Nós nos juntamos a propósito de uma vocação de nós dois, e viemos juntos pela vida, batalhando. Às vezes, os embates eram violentos, mas sobrevivemos a isso. E em nossa dedicação a esse tipo de arte, de artesanato, de trabalho, ofício, esse ponto de vista comum, nos amparamos muito e não teríamos feito a vida que fizemos se não tivéssemos nos encontrado.

Na entrevista coletiva a senhora falou sobre o feminismo e comentou que o Brasil é um país matriarcal…
Fernanda Montenegro: Eu não falei isso, são as estatísticas (risos).

A sua família também tem essas características?
Fernanda Montenegro: Sim, temos mulheres muito fortes. Mulheres danadas, são umas guerreiras. Cada uma a seu modo. Basta dizer que são mulheres que sobreviveram à imigração. Então, só sobreviver, mudar de país… Se mudaram, é porque lá não estava bom, então já tinham sobrevivido lá. Sobreviveram a travessia do atlântico em navios negreiros, praticamente. Depois vieram para uma nova terra, uma cultura completamente diferente, uma nova língua, uma nova maneira de viver, de comer. As que sobreviveram, aprenderam a guerrear uma boa batalha.

A senhora está no palco vivendo Simone de Beauvoir, a consciência dela no palco. Se um dia fossem colocar no palco a sua consciência ou fazer uma releitura de uma autobiografia, quem gostaria de ver fazendo seu papel?
Fernanda Montenegro: Não tenho a menor ideia. Essa é uma pergunta tão interessante porque ela é absolutamente nova e eu não tive tempo ainda e nem me sinto capaz, com essa dimensão, de alguém, um dia, querer fazer essa triste figura (risos).

As informações são do IG