Estar em terra firme nunca foi tão reconfortante para Ivana Dias, 22, que desde a infância sonhava conhecer o mundo, aprender inglês e conhecer diferentes culturas. Ela integra o grupo de 11 funcionários da companhia de cruzeiros MSC, mantidos em condições de trabalho análogas às de escravidão e apresentados, na sexta-feira, 4, no auditório do Ministério Público do Trabalho (MPT), na Piedade.

Os trabalhadores estavam a bordo do navio MSC Magnifica, que esteve em Salvador entre as 8h e as 17h da última terça-feira. O resgate foi feito no Porto de Salvador, após denúncia, por uma força-tarefa composta por procuradores e auditores fiscais, além de agentes da Polícia Federal.

Os tripulantes trabalhavam como camareiros, ajudantes de cozinha, de restaurante e de limpeza e cumpriam jornadas de trabalho exaustivas, de até 15 horas diárias, sem pausas para descanso e alimentação. Também relataram que eram vítimas de assédio moral, homofobia e racismo.

De acordo com o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Alexandre Lyra, os funcionários deixaram a embarcação após os componentes da força-tarefa colherem depoimentos que configuraram a situação de trabalho degradante.

"Distribuímos questionários e entrevistamos os funcionários. Assim, constatamos situações gravíssimas de violação não só das leis trabalhistas, mas de direitos humanos", assegurou.

Investigação

As denúncias partiram dos trabalhadores e vinham sendo apuradas desde meados de março, quando uma primeira inspeção foi feita, no Porto de Santos, litoral paulista.

A investigação continuou durante até o momento do resgate, em Salvador. A operação envolveu, ainda, agentes da Defensoria Pública da União, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência e do MPT.

"A ação contou com quatro equipes compostas por membros de nove instituições", completou o representante do MTE, Alexandre Lyra.

Defesa

Em nota, a assessoria de comunicação da empresa europeia de navegação alegou estar em total conformidade com as normas de trabalho nacionais e internacionais.

"A empresa está pronta para colaborar com as autoridades competentes. Sendo assim, a MSC repudia as alegações feitas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, do qual não recebeu prova ou qualquer auto de infração", informou a nota oficial.

As 11 pessoas desembarcadas foram levadas para um hotel de Salvador. Após o desembarque, foram iniciadas negociações com a empresa multinacional e subsidiárias. No entanto, a MSC não reconhece a condição degradante e se nega a pagar as despesas de hospedagem e passagem de retorno dos funcionários para as cidades de origem.

Conforme o procurador do Trabalho Rafael Garcia, caso a empresa não aceite firmar um compromisso para ajuste de conduta, o órgão pode entrar com uma ação trabalhista pedindo que a Justiça determine a adequação dos contratos de trabalho à lei brasileira.

"Anarquia jurídica"

"A situação à qual os funcionários são submetidos caracteriza uma anarquia jurídica. Verificamos que, enquanto passageiros desfrutam de um luxo do século XXI, os tripulantes têm condições de trabalho típicas do século XIX", disse Rafael Garcia.

A MSC é italiana e se configura, atualmente, como uma das maiores companhias do mundo do ramo de cruzeiros marítimos.

O navio Magnifica aportou em Salvador com 3.323 passageiros e seguiu na última quinta-feira para Recife. Em seguida, zarpou para Hamburgo, na Alemanha.

De acordo com a nota enviada à imprensa pela companhia de viagens marítimas, os navios da MSC Crociere que operam em águas brasileiras empregam um total de 4.181 tripulantes, dos quais 1.243 são brasileiros. *A Tarde.