Loja de produtos naturais: feito. Roupas femininas: feito. Salão de beleza: feito. Farmácia. Bijuterias. Produtos naturais, de novo. Bomboniere. Padaria. Mais produtos naturais. Falta alguma coisa?

Se isso parece uma lista de compras ou de afazeres de uma dona de casa, não se engane. Esse tem sido o roteiro dos assaltantes no comércio de uma das principais vias da Liberdade, a Avenida Lima e Silva. Só na semana passada, apenas no trecho entre o Plano Inclinado da Liberdade/Calçada e o banco Itaú foram pelo menos sete assaltos.

Em dois meses, nesse espaço de cerca de 200 metros, uma média de 40 assaltos foi contabilizada, de acordo com os comerciantes. “Parece que eles têm uma agenda e ficam riscando a gente da lista. Dessa vez, fomos nós”, desabafou a dona da Lucy Bijus, Lucineide Néris, 29 anos, horas depois de ter sido “riscada”.

Na manhã de quinta-feira, Lucineide estava sozinha na loja quando um homem armado entrou, anunciando o assalto. “Ele me puxou pelo braço e mostrou a arma”. Depois, o assaltante ordenou que Lucineide ficasse no banheiro do estabelecimento.

Mas ela ainda teve tempo de assistir ao homem levando todo o dinheiro do caixa. “Ele ficou irritado, porque tinha menos de R$ 100. E disse que a gente tinha sorte, porque demoraram de vir aqui”. Foi o terceiro roubo na loja, em um ano.

Câmeras

Se Lucineide teve “sorte”, basta atravessar a rua para encontrar quem não teve. Na farmácia Boa Farma, só no mês passado, foram dois assaltos – cinco, este ano. O último foi na segunda-feira da semana passada. “Logo que eu abri a loja, às 7h da manhã, o cara entrou botando a arma em mim”, disse o proprietário, Adailton Fernandes, 27. No fim, o assaltante levou

R$ 80.

No início do mês, o outro assalto. A ação do bandido foi registrada pelas câmeras e no boletim da 2ª Delegacia (Lapinha). Pelas imagens, é possível assistir ao suspeito mandando que uma funcionária entregasse todo o dinheiro do caixa. O homem levou R$ 120, além de um celular. Tudo durou menos de um minuto.

Enquanto isso, a poucos metros dali, do outro lado da rua, o comerciante Antônio Carlos Rocha, 33, proprietário da loja de produtos naturais Natureza e Saúde, tentava calcular o prejuízo. Isso porque, em seis dias, seu estabelecimento foi assaltado três vezes. No dia 23 de agosto, um homem armado levou R$ 180.

Depois, na terça-feira passada, um casal levou quase R$ 200 em mercadorias. “O homem me distraiu, enquanto a mulher roubou”. No dia seguinte, o mesmo casal resolveu passar para uma visita. “Eles voltaram com um facão, ameaçando minha mulher. Mandaram ela ficar dentro do banheiro, enquanto roubavam”. No final, a dupla levou R$ 600 do caixa, além de outros R$ 200 em mercadorias.

Ele diz que não sabe o que fazer. “Não sei se compro uma arma para me defender e entrar no faroeste que virou isso aqui, se contrato segurança particular ou se mudo para o interior”, afirmou Antonio, que não registrou queixa em nenhum dos casos.

Logo ao lado da loja dele, dois vizinhos também já contam os assaltos. Há pouco mais de um mês, dois homens roubaram a loja de panelas Leilane. Segundo a proprietária, Leiliane de Jesus, 35, os ladrões levaram duas panelas industriais, no valor de R$ 285 cada, além de R$ 350 do caixa. “Foi a primeira vez comigo, mas, nesse meio, é normal”.

Já o dono do Hotel Liberdade, Normando Costa, 47, diz que se sente vulnerável. O local foi assaltado duas vezes este ano. “A gente fica com o portão trancado. Se aparecer alguém com uma cara suspeita, não deixamos entrar. É prejuízo, mas vivemos inseguros”. Em maio, no último assalto, um casal se passou por cliente. Depois de render o recepcionista, levaram R$ 250.

Limpa no salão

Só 20 passos separam o hotel do Salão Gênesis, que foi mais um dos assaltados da semana passada. Na segunda-feira, a proprietária Maria do Bonfim, 47, atendia uma avó e sua neta, quando foi surpreendida pela visita indesejada. “Era o filho da mulher, que tinha vindo buscar as duas. Foi quando ele puxou a arma e me mandou para o banheiro”.

O ladrão levou tudo: xampus, potes de hidratação, material para escova, secador, chapinha e até esmaltes. “O prejuízo foi de R$ 10 mil”, conta Maria, que já compra novos equipamentos. “Mesmo com o medo, o jeito é entregar nas mãos de Deus”, disse ela, que registrou a ocorrência.

Mas, do jeito que andam as coisas, ela precisa tomar cuidado – ou o salão pode se transformar na nova padaria Liberpão. Lá, desde a inauguração, há 20 anos, já se vão 36 ocorrências registradas na polícia, segundo uma das sócias, Araceli Calmon, 35. “Este ano, só foi um, graças a Deus! Mas os nossos expositores ficam trancados e contratamos um segurança particular que fica à paisana”.

Abandono de Plano Inclinado aumenta insegurança na região

Parado há um ano e sete meses, de acordo com a Transalvador, o Plano Inclinado da Liberdade/Calçada também é alvo de críticas dos comerciantes da região. De acordo com eles, o local se tornou morada de usuários de drogas. “Depois das 18h, não fico mais aqui. Tudo fica deserto. Virou ponto de sacizeiro e ladrão. Está totalmente entregue a eles”, afirmou a vendedora ambulante Jucivânia Cláudia, 41 anos. Entretanto, segundo o major Carlos Humberto, da 37ª Companhia Independente da Polícia Militar (Liberdade), o policiamento na área do plano é constante.

Já a Transalvador, através da assessoria, informou que um edital de licitação para reforma do ascensor deve ser divulgado até o fim do mês. A previsão, segundo o órgão, é que o Plano Inclinado volte a operar até o fim do primeiro semestre do ano que vem. Até lá, a prefeitura deve lançar um plano de operação para o local, com a participação da Guarda Municipal. Segundo o superintendente da Guarda, o coronel Peterson Portinho, um efetivo deve ser deslocado para o local assim que as obras forem concluídas.

Major garante que tem policiais ‘para dar segurança ao bairro’

O major Carlos Humberto, da 37ª Companhia Independente da PM (Liberdade), diz que, como o combate ao tráfico foi intensificado nos últimos meses, algumas quadrilhas mudaram a abordagem. “Com o sufocamento do tráfico, eles mudam de modalidade e foram para os assaltos”. Apesar das queixas, o major também garante que o policiamento é feito de forma ostensiva. “Nós temos um número de policiais suficiente para dar segurança ao bairro”.

Os comerciantes discordam. “Desde que o módulo foi desativado, há alguns meses, a gente não vê polícia. Eles só ficam circulando de carro. E se formos na delegacia é um problema, porque está em reforma”, disse o comerciante Antônio Carlos Rocha. E mesmo quem decide registrar o crime acaba reclamando. “Já fui ‘premiado’ aqui na Liberdade umas dez vezes, nos últimos cinco anos. Dessas, registrei na delegacia umas cinco vezes e não adiantou nada”, comentou o comerciante Murivaldo Moreira, 46 anos, da Lanchonete do Nando.

No entanto, o delegado André Carneiro, titular da 2ª Delegacia (Lapinha), afirma que o atendimento não foi afetado pelas obras. “E os crimes que têm chegado até nós, através do boletim de ocorrência, continuam sendo investigados. É preciso que as pessoas denunciem, para que a polícia possa atuar”. Ele diz que a maioria dos assaltos na região está relacionada ao tráfico de drogas.

*Correio.