A médica Kátia Vargas foi solta do Presídio Feminino, em Salvador, pouco antes das 18h desta segunda-feira (16), afirma o advogado Sérgio Habib.

Ela é investigada pelo acidente que causou a morte de dois irmãos em Ondina e estava presa desde 17 de outubro. A decisão é do juiz Moacyr Pita Lima, que presidiu as duas audiências de instrução do caso.

"Nós tínhamos feito um pedido de liberdade provisória que saiu agora, às 17h50. O juiz que está acompanhando o processo, Doutor Moacir Pita Lima, entendeu que novos fatos foram surgindo durante o processo e decidiu pela liberdade provisória de Kátia Vargas. Isso não quer dizer que ela não vá a julgamento, mas vai ficar em liberdade até lá", diz Sérgio Habib.

De acordo com o advogado de acusação, Daniel Keller, na mesma decisão, o juiz determinou a realização do júri popular. "O que o juiz entendeu é que existem provas para o júri popular, mas que ela pode aguardar em liberdade, porque não há mais necessidade de garantia da ordem pública. Para nós, o objetivo foi atingido. Nesse momento, o nosso trabalho é aguardar o júri popular", afirma.

Em sua decisão, o juiz não acatou o pedido de desclassificação para homicídio culposo da defesa, pelo menos nessa fase processual. O magistrado enfatiza que a desclassificação só pode ocorrer na fase da pronúncia "quando não houver absolutamente nenhum elemento que indique a presença de dolo de matar, direto ou eventual".

"O conjunto probatório autoriza a pronúncia da ré para que os jurados decidam se ela agiu com intenção de matar a vítima ou não", acrescenta. Kátia Vargas, segundo a decisão, deve se apresentar em juízo mensalmente e fica proibida a ausência da comarca sem autorização judicial.

Versão de perito

Na manhã da ultima segunda-feira (16), o perito particular, contratado pela defesa da médica, Ricardo Molina, convocou a imprensa para uma coletiva e explicou as suas conclusões.

O perito concluiu que não houve discussão entre a suspeita e os irmãos, nem perseguição por parte do veículo da médica. Molina afirma ainda que a testemunha ocular da batida teria mentido ou se enganado e que não houve colisão entre o carro e a motocicleta.

A Imprensa procurou o advogado de defesa e as demais partes para comentar as conclusões de Molina. Daniel Keller, responsável pela defesa, disse que essa alegação de Molina é ilegal. “Ele não tem competência técnica para falar quem está mentindo ou não, o juízo de valor do fato é de responsabilidade do judiciário. O perito tem que se ater a narrar a dinâmica do acontecimento”, opina.

Sobre o encerramento do inquérito, Molina apontou que a delegada foi precipitada ."O inquérito encerrado em três dias é algo absolutamente inédito nesse país. A delegada se apressou em fechar esse inquérito, provavelmente para dar uma resposta ao clamor público e não é assim que se trabalha. Inclusive porque muitas vezes o senso comum está errado. […] Toda essa história se funda em quatro mitos. Eu chamo de mitos porque são histórias que são criadas fora da realidade, meras fantasias. Em perícia a gente não pode trabalhar com fantasia e com especulação. E fatos não existem que permitem culpabilizar a acusada", afirma.

A delegada Jussara Maia prefere não comentar.

O perito cita fenômeno chamado "paralaxe" para afirmar que não houve perseguição da médica em relação ao veículo dos irmãos. "Não houve perseguição nenhuma. O Kia [Sorento, modelo do carro da médica] se aproxima a uma velocidade normal. Foi uma manobra de ultrapassagem. É claro que se o carro passar um outro veículo, tem que estar mais rápido que esse outro veículo. Não há como ultrapassar se não houver diferença de 15 km/h entre um e outro. Isso em uma filmagem pode parecer uma diferença muito grande, mas não é. Na filmagem, pode parecer maior que é porque existe um fenômeno chamado paralaxe. À medida que esses dois carros se afastam da câmera, o ângulo vai diminuindo e a sensação visual é de que os dois veículos estão se aproximando muito rapidamente. Na verdade, estão se aproximando numa velocidade muito pequena", avalia

O perito diz também que as imagens capturadas pelas câmeras de segurança do local não registraram o momento do acidente. Ele acredita que uma testemunha, que ele afirma ser a principal do caso, "mentiu" ao dizer que estava a 10m ou 15m da cena do acidente. "Dizem que há uma testemunha-chave. Essa testemunha ou está mentindo ou está imaginando coisas ou foi orientada a falar o que falou. Ele mente quando diz que estava a 10m, 15m do local do fatos, já que o registro da câmera mostra que, no momento do acidente, ela estava a 104 m de distância. No depoimento, ele diz que a moto estava sempre ao meio-fio e devagar. As câmeras registraram ela na faixa da esquerda. Ele não estava no local. Ele não poderia ter visto nada do que disse que viu. A delegada usou isso para pedir a prisão preventiva", opina.

Em contato com o Ministério Público da Bahia (MP-BA), que também atua para a acusação da médica, o promotor Davi Gallo afirma que, pela notabilidade que tem, Molina "cria peças para tumultuar o processo". "A análise dele não tem valia. Essa não foi especialidade dele no passado. A especialidade dele era em fonética”, aponta.

Para o promotor de Justiça, a avaliação do perito é parcial e visa apoiar a defesa da médica. “Ele é perito e não juiz, por isso não pode avaliar o depoimento da testemunha que, por sua vez, descreveu o fato com riqueza de detalhes. A testemunha viu o acidente desde o início. Ele discorda do laudo do DPT [Departamento de Polícia Técnica], sendo que o nosso DPT é o terceiro melhor do país pela competência e idoneidade dos nossos peritos”, diz.

Ainda segundo Davi Gallo, o perito vai responder criminalmente por crime de calúnia contra as delegadas e ao DPT-BA. “A Secretaria de Segurança Pública já está trabalhando na possibilidade de processar o perito. Aliás, ele já respondeu a outros processos”, afirma Gallo.

No domingo (15), amigos e parentes fizeram uma manifestação na orla da capital baiana pedindo justiça. A médica saiu da prisão pela primeira vez para comparecer à segunda audiência de instrução, no dia 12 de dezembro.

Laudos do DPT

O Departamento de Polícia Técnica (DPT) apresentou novo laudo no dia 28 de novembro que comprova que o carro arremessou a moto, segundo afirma o promotor de Justiça David Gallo, que atua na acusação da médica. Ele diz ainda que outros laudos foram apresentados, como o laudo das imagens, o do exame cadavérico e o das condições mecânicas dos veículos.

Um outro laudo do DPT, segundo o advogado da médica, Sérgio Habib, afirma o contrário. "Foi feita perícia tanto no carro, quanto na moto e foi concluído que a moto apresenta alguns danos, descreve quais são, e que esses são compatíveis com o choque com objeto fixo. Ora, se o laudo está dizendo que foi com objeto fixo, então não foi com o carro. O MP [Ministério Público] está dizendo que o carro chocou-se com o fundo da moto e ela imprensou o casal no poste. Isso não está no laudo", afirma Habib.

De acordo com Daniel Keller, advogado da família, o último laudo tem a finalidade de mostrar se houve o impacto, como se deu, a trajetória dos veículos e as circunstâncias. Por meio de fotografias, segundo ele, é possível perceber que há marcas como arranhão, do capacete e pontos amassados na lateral do carro. “Se ela bateu de frente na grade, quando subiu a calçada, o que causou dano na lateral. Esta pergunta eu fiz hoje na audiência”.

Denúncia

A médica foi denunciada à Justiça pelo Ministério Público da Bahia. A oftalmologista vai responder pelos crimes de duplo homicídio qualificado, impossibilidade de defesa e perigo comum, conforme a denúncia da promotora de Justiça Armênia Cristina Santos. A defesa dela, por outro lado, critica a medida. "É uma temeridade o MP denunciar sem os laudos cadavérico e pericial dos veículos", apontou o advogado Sérgio Habib.

Para a promotora, as imagens capturadas pelas câmeras de segurança não mostram a ação de forma completa e por isso, pediu a pedido da reconstituição da batida, que não aconteceu até o momento. A intenção da Promotoria é saber sobre a velocidade e a dinâmica da batida do carro conduzido pela médica.

Inquérito

No inquérito, a delegada Jussara Maria de Souza afirma que a médica "arremessou" o carro contra as vítimas. As vítimas foram projetadas contra um poste e tiveram mortes instantâneas, segundo a polícia. Com base no documento policial, a promotora argumenta que o caro é caracterizado pelo "perigo comum", por ter sido realizado em via movimentada e ter botado em risco a vida de pedestres que estavam em um ponto de ônibus.

As informações são do G1/Bahianoar