Morador do bairro da Liberdade, em Salvador, Roberto Guedes, 47 anos, já foi engraxate, carregador, estofador e ajudante de cozinha. Há dois anos, resolveu empreender em um negócio próprio e montou um pequeno supermercado. “Sou negro e sempre achei que a cor da minha pele não me permitia ser patrão. Mudei minha cabeça e percebi que isso é possível”.

O bailarino e coreógrafo Denys Silva, 33 anos, começou a estudar dança em 1993. Hoje, lidera grupo de dança e presta serviço como bailarino convidado do balé do Castro Alves

Roberto não está sozinho nessa vontade de empreender. Dados do Sebrae indicam que, hoje, 49% dos negócios no Brasil são comandados por negros. Há dez anos, eram 43%. “Essa evolução é importante porque as pessoas de cor negra estão cada vez mais estudando e consequentemente decidindo empreender”, analisa Dora Parente Costa, da Unidade de Gestão Estratégica do Sebrae na Bahia.

Entre os estados com maior proporção de pretos e pardos está a Bahia que, sozinha, tem 12% dos donos de negócio pretos e pardos do Brasil. A pesquisa do Sebrae levou em consideração dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) feita pelo IBGE.

Diferenças

Apesar da evolução na quantidade de empreendedores negros, o levantamento indica que há ainda desigualdades nos rendimentos em comparação com os brancos. O rendimento mensal médio dos empreendedores negros era de R$ 612 em 2001 e passou para R$ 1,039 em 2011. Já entre os brancos passou de R$ 1,477 para R$ 2, 019.

As atividades que possuem maior participação de negros são o comércio – não necessariamente em produtos voltados para negros – e agricultura. Já entre os brancos prevalecem comércio e serviços. “Mas, mesmo na mesma atividade há uma diferença no tipo de empreendedorismo. Na agricultura, por exemplo, os negros são maioria em plantios que são mais baratos com milho. Já os brancos são maioria em setores como criação de animais”, explica a técnica do Sebrae.

No quesito empreender, os homens ainda são maioria. O levantamento do Sebrae indica que 71% dos empreendedores negros são do sexo masculino. Já entre as pessoas de pele branca, o sexo masculino detém 68%.

Crescimento

O bailarino e coreógrafo Denys Silva, 33 anos, começou a estudar dança em 1993, quando ainda tinha 13. Hoje, tornou-se um dos empreendedores negros de Salvador. Além de prestar serviço como bailarino convidado do balé do Teatro Castro Alves, ele lidera uma companhia de dança que carrega seu nome. “Fazemos dança moderna, balé e capoeira”, diz.

Denys sempre teve espírito empreendedor. Apenas três anos depois de começar o estudo, ele começou a ensinar. “Com 16 anos, comecei a compartilhar com outras pessoas o que estava aprendendo. Mas foi só com uns 20 anos que comecei a explorar isso comercialmente, quando comecei a dar aula em escolas de ensino médio e fundamental da rede pública e, depois, na escola de dança da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). “Eu mesmo escrevia os projetos, levava até as diretorias das escolas e sugeria: vamos fazer esse projeto aqui?”.

Há cerca de cinco meses, Denys tornou-se um microempreendedor individual pelo Sebrae, para formalizar seus negócios com a dança. “Eu sou coreógrafo-diretor da companhia, mas outras 14 pessoas já trabalham comigo”, conta. O grupo promove eventos com performances de dança em escolas e participa de editais de cultura. Ele também atua dando aulas particulares.

Assim como Denys, Helena Santana, 27, que era manicure e agora abriu seu próprio salão, também resolveu ser uma microempreendedora. “Sou mulher e negra. Já são dois pontos a mais de preconceito. Mas, eu investi na minha especialização e conhecimento do mercado para poder crescer na área”, relata.

Denys acha positivo o aumento no número de empreendedores negros no país. Ele conta que já sofreu preconceito pela cor da pele e também por ser alto demais (tem 1,86m). “Deixei de ser selecionado para um trabalho na Alemanha, em Hamburgo, quando vivi lá no início dos anos 2000, por ser negro e alto”, lembra. Colaborou Victor Longo.

Qualificação é forma para reduzir desigualdades nos negócios

A qualificação profissional é a maneira de reduzir as diferenças que existem entre empreendedores negros e brancos, segundo conclusão do Sebrae de acordo com a pesquisa que comparou os rendimentos entre os empreendedores negros e brancos. No levantamento comparativo, os negros têm, em média, 6,2 anos de estudo enquanto os brancos 8,2 anos de formação escolar.

Dora Parente, técnica do Sebrae na Bahia, indica que muitos empresários – principalmente os de empresas menores – tendem a ter pouco tempo para se qualificar.

“Isso tem impacto direto nos resultados da empresa. Muitos alegam que o tempo dedicado à qualificação acaba se transformando em menos tempo trabalhando para a empresa”, explica Parente lembrando que, em função disso, o Sebrae tem feito cursos com menor duração para estimular esses pequenos empresários. As informações sobre os cursos podem ser obtidas pelo telefone 0800-570-0800.

Para Marcelo Gantois, professor de cursos de pós-graduação na área de gestão de negócios, uma formação educacional sólida é o diferencial do empresário no mundo dos negócios na atualidade.

“Temos bons exemplos de pessoas que não estudaram e são empreendedores de sucesso. Mas, nessa era digital, fazer uma formação escolar acadêmica é um diferencial para o desenvolvimento”, defende.

O professor indica que as pessoas que estão melhores preparadas tendem a empreender melhor, apesar da prática também ser uma fonte de aprendizado.

“Em cursos de gestão de empresas, empreendedorismo, aprende-se muito mais. Afinal, tem noções e ensinamentos de gestão, cálculos e práticas trabalhistas que são fundamentais para que haja evolução do negócio. A sociedade brasileira tem um débito histórico com a raça negra que só através da educação poderá ser corrigido”, pontua o professor.

*Correio.