O vendedor ambulante Cleudo Alves da Silva, de 40 anos, trabalha há 15 na Praça Duque de Caxias, no Comércio. Ele está acostumado à vista do monumento em homenagem à Associação Ibero-Americana de Câmaras de Comércio, mas não se recorda da última vez em que viu a obra em bom estado. “Manutenção aqui? Nunca”.

As duas mãos entrelaçadas, com mapas das Américas do Sul e Central, além da Península Ibérica, estão com a pintura dourada desgastada. Parte da escultura foi pintada de verde, há frases pichadas, riscos, arranhões e até nomes de casais escritos sobre o metal.

Monumento em homenagem à Associação Ibero-Americana de Câmaras de Comércio está pichado e com pintura dourada desgastada

No fundo, as placas estão enferrujadas e se desprendendo. “Eu acho que o poder público não dá atenção e que o povo não coopera. Falta educação”, diz Cleudo. o monumento degradado no Comércio não é o único nessa situação em Salvador. Em diversos bairros, há estátuas, painéis e obeliscos implorando por cuidado.

O incêndio que destruiu o Monumento a Clériston Andrade, na tarde de domingo, apenas chamou a atenção para o problema. A suspeita é que o fogo tenha sido provocado por moradores de rua que se abrigavam no espaço, que fica na Avenida Garibaldi.

Perto dali, na Avenida Adhemar de Barros, as esculturas Meninas do Brasil – as Gordinhas de Ondina -, peças em bronze feitas por Eliana Kertész, também ficaram deterioradas após a colagem de adesivos, como de políticos em campanha.

Outro caso é o do painel Rupestre Brasileiro, que reunia numa encosta do Dique do Tororó 454 peças de alumínio reciclado produzidas pelo artista Siron Franco, foi sendo roubado pedaço a pedaço, até não restar nada. A última peça foi levada em agosto.

Já o Obelisco a Dom João VI, da Praça Padre Aspilcueta, em frente ao Palácio da Aclamação, foi pichado durante as recentes manifestações pelo Passe Livre. As inscrições continuam lá, assim como um adesivo, colado na placa, que identifica o busto doado pelo governo de Portugal. Para dois aspirantes do Exército, que não quiseram se identificar, a manutenção feita pela prefeitura dura pouco. “Já limparam, mas o povo veio e pichou de novo”, disse um deles.

A Fundação Gregório de Mattos (FGM) promete recuperar 100 obras até o final de 2016. A expectativa é que 40 fiquem prontas até o final de 2014 e dez até o final deste ano, através do Programa Fontes e Monumentos, com orçamento de R$ 2,5 milhões.

Restauro

Quatro deles já foram entregues: o busto de Cosme de Farias (Cosme de Farias), a estátua de Pelé (Arena Fonte Nova), o Painel do Descobrimento (Porto da Barra) e a escultura de Vinicius de Moraes (Farol de Itapuã).

Para este ano, ainda está prevista a restauração das seguintes obras: Fonte do Tororó (Tororó), Estátua de Tomé de Sousa (Praça Municipal), Estátua de Cristo (Barra), Cetro da Ancestralidade (Rio Vermelho) e Busto de Presciliano Silva (Palácio da Aclamação).

De acordo com levantamento feito em 2010 pela Fundação Cultural do Estado, há pelo menos 237 obras na cidade, entre monumentos, estátuas, bustos, painéis e pinturas. Dessas, 135 são obras de arte públicas, de propriedade – e, portanto, responsabilidade pela manutenção de algum nível do poder público.

Exemplo do que a falta de educação pode provocar está dentro do Fórum Ruy Barbosa, no Campo da Pólvora. O Fórum detém umas das obras de Mario Cravo Junior em melhor estado de conservação: a Cabeça de Ruy Barbosa.

Mas, de acordo com Edmari da Encarnação, funcionária da administração, há três anos e meio o espaço onde fica a peça ganhou portas de vidro, que ficam fechadas. “Nós só não deixamos aberto por causa do vandalismo. As pessoas deixavam lixo, objetos. Para ter uma maior conservação, nós decidimos fechar e liberar para visitação quando alguém pede”, disse.

Gordinhas de ondina, restauradas em 2011, já estão deterioradas

Clériston

Para o presidente da Fundação Mario Cravo, Ivan Cravo, 63 anos, filho do artista plástico Mario Cravo Jr., de 91, autor do monumento incendiado domingo, a obra estava largada.

“No fundo, foi um mal que veio para o bem, porque chamou a atenção. Aquele monumento estava deteriorado. Quem sabe agora a prefeitura vai resolver aquele problema”, declarou.

Segundo ele, há nove anos, a Fundação Gregório de Mattos (FGM) foi procurada para fazer a manutenção da obra, mas a prefeitura informou não ter dinheiro “nem para o aluguel do andaime”. Após o incêndio, registrado na 7ª Delegacia (Rio Vermelho), a prefeitura de Salvador anunciou que irá restaurar o monumento. A titular da 7ª Delegacia (Rio Vermelho), Jussara Souza, confirmou que moradores de rua viviam ali, mas disse que ainda é preliminar dizer que o fogo tenha sido causado por eles.

Uma avaliação inicial apontou que será preciso restaurar a fibra de vidro e repor placas de mármore, que caíram com a alta temperatura. O resultado da perícia no local deve sair em 30 dias e imagens de uma câmera de segurança também poderão ajudar.

“Agendamos uma reunião com a família do artista Mario Cravo Jr. para que possam acompanhar o processo de restauração, que começará assim que ficar pronto o estudo detalhado sobre as intervenções necessárias para devolver aos soteropolitanos um equipamento tão importante para a história da cidade”, afirmou o prefeito de Salvador, ACM Neto.

Mas, de acordo com Ivan Cravo, entre as obras do pai na cidade, aquela não é a única deteriorada. “A Fonte da Rampa do Mercado está precisando de limpeza. Tem que ver se estão funcionando as luzes, ainda mais agora que a cidade vai sediar uma Copa do Mundo”, disse.

Ele se refere ao Monumento à Cidade de Salvador. Ali, as luzes não funcionam mais, nem a fonte. Pior: a obra também virou abrigo de moradores de rua, que comem, dormem, tomam banho e usam o lugar para consumir drogas.

Artistas reclamam de descaso com obras nas ruas

Para Mario Cravo Jr., autor do Monumento a Clériston Andrade, incendiado no domingo passado, existe um descaso em relação às obras de arte da cidade. “O descaso permite que uma obra de 31 anos seja incendiada. Das peças que eu tenho na cidade, várias delas não estão cuidadas”, lamentou. Para Cravo, a administração precisa cuidar melhor dos parques, jardins e monumentos públicos.

Das 454 peças que compunham o painel no Dique, não sobrou nada

“A cidade tem muito trabalho e se esquece rápido. Quando se tem um desastre é que se acorda para isso”, declarou. Autora da obra Meninas do Brasil, em Ondina, a artista plástica baiana Eliana Kertész diz que há um conjunto de descuidos que faz com que as obras públicas sejam pouco respeitadas. “É a falta de iluminação, é a grama detonada, a calçada toda quebrada, placas na frente, é um monte de coisa. Eu acho que é uma falta de cuidado, mesmo, de atenção, não só do governo, mas da população”, disse.

As famosas gordinhas de Ondina passaram pela última restauração em 2011, mas já estão riscadas e descascando. “Dá dó de ver, é horrível. O povo passa, risca, cola coisa no fundo. É uma falta de hábito de lidar com as coisas. Esse acervo não é de A, B ou C, é de todo mundo”, concluiu Eliana.

*Correio.