Quando a desembargadora substituta Ivone Gonçalves concluiu a leitura de seu relatório e foi seguida pela unanimidade do pleno do Tribunal de Justiça (TJ-BA), na manhã de ontem, Romário Alves Maciel, 26 anos, não sabia de fato se tinha de comemorar. Todo o julgamento durou exatos seis minutos, mas diante de incompreensível juridiquês, a testa frisada de seu advogado era de angustiar.

Após trocar algumas frases com membros de sua equipe, o advogado Márcio Magalhães o chamou para fora do plenário e anunciou: “Foi uma vitória com gosto de empate. Seu nome tá limpo, mas a reparação pelos 84 dias que você ficou preso e o mais de um ano com nome sujo talvez só venha para seus filhos”, disse.

Ele falava da indenização por danos morais e materiais que será movida contra o Estado por tê-lo mantido preso por um crime que não cometeu. Magalhães lembrou que, em média, numa ação como esta, até o dinheiro entrar na conta, o tempo, em média, é de dez anos. Há casos que se alongam por até duas décadas.

O caso de Romário ficou conhecido em todo o país após ter sido noticiado pelo CORREIO em 17 de julho do ano passado. Ele ficou preso na 18ª Delegacia (Camaçari) durante 84 dias por um crime praticado por seu irmão, Rosemário Alves Maciel, 25.

Sua história e todos os desdobramentos resultaram na série Justiça que Tarda e Também Falha — assinada pelos jornalistas Alexandre Lyrio e Victor Uchôa — que venceu, no último dia 24, em Brasília, o IX Prêmio AMB de Jornalismo, da Associação de Magistrados do Brasil.

Correção

Ontem, o pedido de revisão judicial não teria competência para julgar o pagamento de indenizações. Mas, caso a revisão fosse julgada e deferida pela corte, seria um reconhecimento formal do erro cometido. “Aí, não teríamos mais que sustentar que houve erro. Ele já estava constituído, pularíamos longas etapas”, explica o advogado.

Para a desembargadora Ivone, todavia, o caso não poderia ser julgado porque Romário não figurava mais como réu no processo, já que houve uma correção do juiz de 1º grau que modificou o nome do autor do crime para Rosemário.

“Mas eles só corrigiram depois de transitado em julgado. Quando entramos com o pedido de revisão judicial, o nome que constava lá ainda era o de Romário”, reclamou o advogado. No julgamento de ontem, o pleno do TJ decidiu apenas notificar o Centro de Documentação e Estatística Policial (Cedep) para que retire a condenação dos antecedentes criminais de Romário.

Constrangimento

O advogado Márcio Magalhães estima que a indenização a ser paga deve superar os R$ 100 mil, devido ao constrangimento na prisão — em ambiente de trabalho — e a dificuldade de conseguir emprego mesmo após a liberdade — já que a condenação permaneceu em seu nome entre julho do ano passado até ontem.

“Me prender foi fácil, mas para soltar foi um sacrifício. Até hoje não consegui emprego e agora saio daqui com o quê? Precisou mais de um ano para darem uma canetada para limpar meu nome, mas quem vai pagar o que eu perdi da minha vida nesta confusão?”, desabafou Romário, ainda na sede do TJ.

De fato, em casos recentes no Judiciário brasileiro, prisões indevidas resultaram em indenizações. Em Goiás, o Estado pagou R$ 60 mil a um homem inocente que ficou preso por seis meses. O caso ocorreu em 2004, mas a decisão judicial saiu somente no ano passado.

Em Santa Catarina, em 2011, um homem recebeu R$ 15 mil por ficar preso indevidamente por oito dias, em 2007. Há casos mais extremos, como no Rio de Janeiro, onde uma vítima foi indenizada em R$ 2 milhões por ter ficado preso 11 anos injustamente.

Enquanto a indenização fica distante no tempo, a realidade dos dois filhos para sustentar e a conta com os advogados, que ultrapassa os R$ 10 mil, não esperam a resposta da Justiça.

Romário é franzino, tímido e só fala em voz baixa. Quando chegou em casa após o julgamento, na Cidade Nova, ao redor da família, sorriu pela primeira vez.

“Estou procurando emprego, anuncia lá no jornal”, pediu. “Agora com nome limpo, é correr atrás. Tenho que pagar meus tios que me ajudaram com o advogado, tenho meus filhos. O dinheiro, quando sair, vai pra educação das crianças. Melhor nem contar com ele”, contemporizou.

O tio Luiz Araújo, 45, deu todo o apoio. “Ele vai conseguir emprego, tudo vai começar a dar certo daqui pra frente. É um menino bom, já sofreu demais, Deus vai ser justo com ele”, previu. “Fica a lição para que a polícia não faça outros Romários por aí”, completou.

Além da Justiça, Polícia Civil e Ministério Público erraram

Em 2008, após ser preso em flagrante pelo roubo de um celular e R$ 5 em dinheiro, Rosemário Alves Maciel, 25 anos, estava sem documentos e identificou-se na delegacia com o nome de seu irmão, Romário.

A estratégia era evitar que pesquisassem seus antecedentes e verificassem a existência de outros mandados de prisão em aberto no seu nome. O delegado recolheu as impressões digitais de Rosemário, mas não teve o cuidado de verificar se de fato ele era quem afirmava ser. A Justiça e o próprio Ministério Público reproduziram o erro do inquérito. O juiz acabou condenando Romário a cinco anos de prisão por assalto à mão armada (um facão, usado no crime).

Em junho daquele ano, Rosemário conseguiu fugir da Delegacia da Baixa do Fiscal, em que estava preso. No dia 25 de abril de 2012, após uma briga com a companheira, Romário foi acusado de ameaça na delegacia de Camaçari. Os agentes verificaram que havia um mandado em seu nome e ele foi preso enquanto trabalhava, numa empresa copiadora em Camaçari, na frente dos colegas de trabalho.

Pai de dois filhos, os gêmeos Gustavo e Guilherme, Romário contou com a ajuda da família para sustentar seus filhos e bancar os advogados contratados para tentar livrá-lo da prisão. A confusão foi esclarecida após nova perícia do Departamento de Polícia Técnica (DPT), que refez o exame de datiloscopia, ou seja, a análise das digitais. O exame provando sua inocência saiu dia 13 de junho, mas ele só foi libertado no dia 19 de julho do ano passado. O caso mereceu investigação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

*Correio.