A média de espera é de quase quatro meses, ou 113,4 dias. E há casos, como o do corretor de imóveis Paulo Prado, de 65 anos, em que o tempo é bem maior: foram nove meses entre a descoberta da doença e o início do tratamento. Ele tem câncer de laringe, assim como o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Os dados são de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) feito a partir de uma auditoria sobre a Política Nacional de Atenção Oncológica, divulgado nesta semana. O documento indica ainda que, enquanto alguns enfrentam demora para começar a se tratar, há uma parcela que nem sequer consegue acesso à radioterapia: só no Estado de São Paulo, no ano passado, 7.464 pacientes ficaram desassistidos, cerca de 19% do total. Isso significa que um a cada cinco paulistas que precisavam do procedimento não foi atendido.

“Não existe centro de radioterapia do SUS que não tenha fila”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) Carlos Manoel Mendonça de Araújo, médico do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Para ele, a radioterapia é o gargalo do tratamento de câncer no Brasil. O procedimento pode ser usado como estratégia contra quase todos os tipos de tumor. E, segundo a SBRT, 60% dos pacientes com câncer precisarão da técnica.

Araújo teme que a situação da radioterapia se agrave ainda mais porque há a previsão de descredenciamento no País de 18 centros que aplicam a técnica, conforme indica a Portaria nº 62, de março de 2009. “O governo entende que o paciente de radioterapia deve ser tratado em serviços dentro de hospitais, para que haja recursos caso precise de outros atendimentos. Concordamos. Mas, se esses centros forem desabilitados, outros 20 mil pacientes deixarão de ter a radioterapia.”

O relatório do TCU indica que 15 serviços isolados de radioterapia do País têm prazo para funcionar somente até o próximo mês, com a possibilidade de extinção do serviço. Procurado pelo JT, o Ministério da Saúde afirmou que os dados do TCU serão analisados pela equipe técnica da pasta.

Esperar até quatro meses pelo procedimento pode fazer com que o paciente se torne crônico, “recebendo quimioterapia e não radioterapia, onerando o governo e sem ter chance de cura”, diz Araújo. “Muitos dos pacientes que poderiam ter recebido a rádio logo no começo não receberam. Com isso, acabam tendo de receber a químio por muito tempo”, completa. Na pior das hipóteses, o paciente acaba não resistindo até a data marcada.

O rádio-oncologista do Hospital A.C.Camargo, Ricardo César Fogaroli, destaca que os tipos de câncer que mais necessitam da radioterapia são também alguns dos mais comuns no País, como tumores de mama, próstata e pulmão. Também estão na lista tumores de colo uterino e neoplasias de cabeça e pescoço.

Além do abalo emocional provocado pelo diagnóstico do câncer, o paciente que recebe a notícia de que só poderá se tratar dali a quatro meses vê a situação como uma sentença de morte. A observação é da psico-oncologista Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia. “O paciente tem a informação de que quanto mais rápido se tratar, melhor será. Esperar esse tempo é péssimo emocionalmente. Há piora da qualidade de vida, risco de deprimir e não aderir ao tratamento.”

Segundo Luciana, o relatório do TCU reflete tudo o que é vivenciado pelos pacientes. “Tudo aquilo que vemos na prática e que discutimos está lá”, garante.

Ministério pede três meses para analisar relatório

Questionado sobre o possível descredenciamento de centros especializados em radioterapia no País, o que agravaria ainda mais a situação do tratamento oncológico, como indica o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério da Saúde respondeu ao Jornal da Tarde que a equipe técnica do órgão vai analisar o caso em um prazo de até 90 dias.

De acordo com o Ministério, serão criados, até 2014, mais 32 centros de radioterapia, especialmente no interior do Brasil. “A medida integra a Rede Câncer, uma das apostas do Ministério da Saúde para integrar e agilizar o atendimento aos usuários do SUS”, afirmou o órgão, por meio de nota.

Mas, de acordo com os dados do documento do TCU, hoje, para suprir as necessidades dos pacientes brasileiros, seriam necessárias mais 135 unidades habilitadas para o procedimento de radioterapia, além das 264 que já existiam em 2010. E, mesmo se contabilizados os serviços privados não credenciados pelo SUS, aponta o relatório, ainda existiria um déficit de 57 serviços desse tipo no País. A pasta respondeu que, atualmente, “o SUS dispõe de 276 centros que realizam o atendimento especializado em oncologia.”

O Ministério da Saúde também informou que, nos últimos 12 anos, os gastos federais com assistência oncológica no País passaram de R$ 470,5 milhões (em 1999) para cerca de R$ 1,8 bilhão (em 2010). A incidência da doença no País, contudo, também cresceu consideravelmente na última década. Ainda de acordo com o órgão, entre 2010 e 2011, houve o aumento de valor para 66 procedimentos de radioterapia e de quimioterapia – entre os 155 existentes.

Depoimento

PAULO MONTEIRO PRADO, DIAGNOSTICADO COM CÂNCER EM NOVEMBRO DE 2010

Em novembro de 2010, o corretor de imóveis Paulo Monteiro Prado, de 65 anos, começou a sentir os primeiros sintomas do que mais tarde seria diagnosticado como câncer na laringe. Mas só começou a se tratar com radioterapia nove meses depois de saber da doença.

Levado ao hospital por uma rouquidão persistente, fez exames na rede particular, entre endoscopias e biópsia, até chegar ao diagnóstico. Morador de Mogi das Cruzes, ele foi encaminhado para um hospital público da cidade, onde deveria ter iniciado o tratamento com radioterapia. Foi então, conta, que recebeu a notícia de que o hospital tinha o equipamento, mas não um médico especializado para aplicar a técnica. Prado voltou a seu médico particular, que o encaminhou ao Hospital A.C.Camargo, na capital.

Depois de novos exames, iniciou seu tratamento com quimioterapia e radioterapia em agosto. “O tratamento lá na minha cidade não existe. Se tivesse de ser atendido lá, estaria morrendo”, diz, lamentando o fato de ter perdido vários meses de tratamento. Ele conta que, desde que foi diagnosticado, passou por um grande estresse em busca do tratamento.

“Precisa ter muita cabeça para suportar. Quando comecei a ser tratado, já estava muito estressado porque não consegui começar antes. A gente acaba brigando com todo mundo”, diz. Ele deve terminar o tratamento em dezembro. Até lá, precisa se deslocar algumas vezes por semana de Mogi para São Paulo. Mas, agora, está se tranquilizando. “Estou muito contente.” As informações são do Estado de São Paulo.