Pelo menos 10 policiais militares respondem a processos na Justiça por crimes de homicídio, tentativa de homicídio e tortura praticados em Rio Real, a 202 quilômetros de Salvador, na divisa com Sergipe. Em alguns casos, os policiais são acusados de cometerem mais de um tipo de crime.

A cidade vive um clima de medo, com diversos relatos de abusos cometidos pelos policiais da 6ª Companhia Independente da Polícia Militar (6ª CIPM), comandada pelo major Florisvaldo Ribeiro.

Os dez policiais respondem a sete processos no fórum da cidade. Os soldados Lenildo José da Silva, Valney de Jesus Silva e Anderson Clay Batista dos Santos respondem por homicídio. Apesar dos processos, segundo o juiz da cidade, Josemar Dias Cerqueira, os três continuam no trabalho ostensivo. O soldado Edval Nepomuceno Santana é acusado de tentativa de homicídio e também estaria trabalhando no município.

Respondendo a duas acusações, por homicídio e tortura, o soldado Gildásio João Barbosa da Silva é outro policial que continua exercendo o ofício na região. Quanto aos casos de tortura, estão sob investigação: o soldado Genildo Oliveira de Lima, lotado na 6ª CIPM, os soldados reformados Evandro de Souza Alves e Ramon Rodrigues de Lima, além dos tenentes Leanderson Antônio dos Santos e Marcus Vinícius Pereira Bastos. A Polícia Militar informou que “por motivo de segurança” não confirmaria onde os policiais estão lotados.

O juiz Josemar Dias Cerqueira resolveu tirar sua família de Rio Real. Mulher e filho foram levados para outro município. O juiz teme represálias porque resolveu tornar públicos os relatos formais e informais sobre abusos de policiais.

“Com família nós não temos segunda chance. Enquanto a Secretaria da Segurança Pública (SSP) não der uma solução ao problema, minha família não fica em Rio Real”, disse.

O comando da Polícia Militar informou no fim da tarde de ontem que o major Florisvaldo Ribeiro, comandante da 6ª CIPM, já foi ouvido ontem em Salvador e seu destino na corporação será decidido hoje. Procurada, a assessoria do Tribunal de Justiça (TJ-BA) informou que não teria como fornecer detalhes sobre os processos.

Advogado

Além dos processos que tramitam no Fórum de Rio Real, um crime específico chamou a atenção na cidade: o assassinato do advogado José Urbano do Nascimento Júnior, 28 anos, baleado em novembro do ano passado em um loteamento. Ele foi assassinado meses depois de ele ter sofrido duas agressões de PMs.

Segundo o delegado titular de Rio Real, Antônio Santana, um PM foi indiciado pelo crime. O delegado não quis fornecer, porém, o nome do PM suspeito. “O suspeito é um policial militar e estamos realizando algumas diligências, além de aguardar os laudos, como o de reconstituição de crime, e interceptação telefônica”, declarou.

A mãe de José Urbano, porém, aponta o soldado Genivaldo de Araújo Ferreira como autor do crime. Ele e mais dois PMs — Valney de Jesus Silva e Hermes Assis dos Santos Filho — respondem a processo por agressão a Urbano meses antes do assassinato. “Meu filho processou Ferreira e ia ter audiência na terça-feira. No sábado, ele matou Urbano”, diz a mãe.

Questionado sobre a possibilidade de haver um grupo de extermínio na cidade, o delegado disse não saber dos casos. “Nunca recebi denúncia de grupo de extermínio. O que sei é que os crimes aqui estão relacionados ao tráfico”, declarou. Quanto à conduta do major Florisvaldo Ribeiro, o delegado foi taxativo: “Nada pra falar contra o major. A minha relação profissional com o major é de respeito”.

Ex-delegado

Se o delegado atual não vê problemas na atuação do comando, o ex-delegado Geuvam Fraga ficou aliviado em março deste ano, quando soube que seria transferido. Por discordar das atitudes dos policiais, ele diz que vivia com medo. “Graças a Deus, fui exonerado. Se eu ainda estivesse lá, não sei se estaria falando com você”, afirmou, ontem.

Antes de trabalhar na Delegacia de Euclides da Cunha, a 215 quilômetros de Salvador, onde é lotado atualmente, ele passou quatro anos como titular, em Rio Real. Apesar de nunca ter sido ameaçado, o delegado acredita que poderia ter o mesmo destino do advogado morto no ano passado. “Nós enfrentávamos eles. Depois dele (José Urbano), o próximo seria eu”, desabafou.

O relacionamento entre o delegado e o comando era conturbado. “Eu não aceitava a conduta deles. Passei por três comandos e nunca teve nenhum problema. Mas esse aí… Era agressividade gratuita, truculência”, conta.

Segundo Fraga, os atritos entre José Urbano e os PMs eram frequentes porque o advogado costumava defender pessoas espancadas pela tropa. “Ele morreu em um sábado. Na sexta-feira, eu comentei com um investigador que ele acabaria morrendo, porque, na quinta, Urbano tinha me contado que foi perseguido por policiais. Ele estava com medo”. Ainda de acordo com Fraga, o advogado ainda afirmou que notificaria a Corregedoria da PM – mas nunca chegou a fazer isso.

As torturas eram conhecidas. Enquanto Fraga era o delegado, inquéritos indicavam que as pessoas presas pela tropa eram torturadas, apesar de não saber informar o número de casos. “Uma vez, no ano passado, eles entraram na casa do indivíduo e o espancaram. Queriam que eu prendesse (o suspeito), alegando que ele tinha feito um disparo com arma de fogo”. A arma, porém, nunca foi encontrada.

Era comum que os PMs chegassem na delegacia com presos, sem ter mandado de prisão ou motivo que justificasse o flagrante, segundo o delegado. “Ele (o major) queria impor as prisões. Esse negócio do NI (Núcleo de Investigação criado pelo major) pintava e bordava”. Para Fraga, não há possibilidade de o major desconhecer o comportamento da tropa. “Ele sabe de tudo, porque é ele quem comanda”, garantiu.

Comando-Geral da PM estuda afastamento de major da 6ª CIPM

Até o final da tarde de hoje, o comando da Polícia Militar decide se afasta do cargo o major Florisvaldo Ribeiro, comandante da 6ª CIPM, acusado de ser conivente e participar de diversos crimes cometidos por policiais de Rio Real.

Em ligação, o comandante-geral da PM, coronel Alfredo Castro, anunciou a abertura de um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar as invasões a residências, torturas e homicídios relatados por moradores e autoridades locais.

Dois oficiais, um tenente-coronel e um major foram designados para apurar os fatos. Um deles esteve ontem mesmo em Rio Real para começar a ouvir os policiais citados nas denúncias e alguns dos próprios denunciantes. Já o comandante de 6ª CIPM foi chamado a Salvador para prestar depoimento.

“Se a avaliação preliminar do tenente-coronel vier a ter subsídios que até mesmo indiquem o afastamento do major Ribeiro, assim nós o faremos. Até amanhã (hoje) no final da tarde, teremos uma avaliação convicta”.

O coronel Castro informou ainda que na terça-feira fará uma visita a Rio Real, onde vai se reunir com autoridades locais. “Já tinha informações de alguns fatos que me foram passados pelo prefeito e o presidente da Câmara sobre a alta incidência de crimes”, disse Castro. Sobre a presença de diversos policiais com antecedentes na tropa da 6ª CIPM, o coronel garantiu que tudo será apurado.

“Temos que tomar providências amparadas na legislação, com ampla defesa e contraditório”.

Rio Real: lugar de crimes estranhos, roubos de carga e preços baixos

Para além dos crimes “estranhos” que nos últimos meses têm aterrorizado o município, Rio Real é uma cidade de histórico complicado no que diz respeito à criminalidade envolvendo autoridades. Com pouco mais de 40 mil habitantes, o município assistiu perplexo a um caso emblemático, ocorrido em 1996.

A juíza titular da cidade, de prenome Lindinalva, foi afastada por corrupção e envolvimento na morte de um preso que estava sendo transferido de Esplanada para Salvador. Aposentada compulsoriamente, Lindinalva não deixaria a magistratura sem antes mandar dois homens botar fogo no fórum para destruir provas.

“A região tem um histórico difícil. Sempre teve muita autoridade e parente de autoridade envolvido em crimes”, diz o juiz Josemar Dias. A região também é conhecida pela grande quantidade de roubos de carga.

Bem perto de Rio Real, na BR-101, muitos caminhões são interceptados por assaltantes. Coincidência ou não, a cidade é conhecida por ter grande oferta de produtos abaixo do preço do mercado.

As informações são do Correio.