Ele levava no currículo apenas a fama de ser fiel. Quem o viu chegar conta que mal tinha porte de um cão de guarda, mas o que lhe garantiu a vaga foi o carisma. "Amarelo", como é chamado o cãozinho, é um dos dez funcionários que trabalham no Posto Ipiranga da Avenida Professor Plínio Bastos, no Bairro Olaria, Zona Norte do Rio. A função de segurança cumpre com esmero, afirma a chefia. Como salário, recebe carinho, comida, cuidados médicos, banho e tosa.
"Esse cachorro vive bem demais. Eu tenho até inveja dele", brinca, às gargalhadas, o frentista Frank de Mesquita, de 54 anos, que há dois anos e meio trabalha no posto. "Todo mundo adorou ele desde o primeiro momento", conta.
Nenhum funcionário sabe precisar como e quando o vira-lata de pelo amarelo chegou ao posto. Mas ninguém se esquece da aparência que ele tinha. “Ele era muito feio. Tinha uma doença na pele, faltavam pelos em grande parte do corpo”, relembra Andressa Wanil, de 34 anos, gerente da loja de conveniência do local. “Ele chegou todo arrebentado, magrelo, até os ossos apareciam”, destaca o colega Frank.
A chefe imediata de "Amarelo", a gerente de pista Eliane Venceslau de Oliveira, 46 anos, diz que a ideia de fazer um crachá, idêntico ao dos frentistas, surgiu há cerca de um ano. Ela conta que o responsável pela confecção dos crachás o fez por conta própria, sem cobrar nada. “Ele veio fazer o de todo mundo e perguntou se podia tirar uma foto do Amarelo. Depois ele apareceu com o crachá”, conta.
Assédio
Desde que ganhou a identificação de funcionário, que carrega presa à coleira, "Amarelo" adquiriu ainda mais status no posto. “Todo mundo que chega aqui quer tirar foto com ele. Tem dia que ele fica até irritado. Mas é um amor com todo mundo”, diz a gerente Eliane.
Pausa no trabalho para ser tietado só ocorre durante o dia. Sob a luz do sol, o cãozinho também costuma fazer corpo mole: fica deitado à sombra e adora enterrar coxinhas de frango que ganha dos colegas. Já à noite, "Amarelo" se porta como um cão de guarda que se preze. “Ele não desgruda do Lourival, o frentista da madrugada. Fica ao lado dele o tempo todo, alerta a tudo o que acontece. Ele gosta de todos os funcionários, mas vive como unha e carne com o Lourival”, afirma Andressa Wanil, a gerente da loja de conveniência. “Por incrível que pareça, desde que ele chegou aqui nunca mais teve assalto. Antes houve um ou outro roubo pequeno”, faz questão de destacar o frentista Frank.
Tubarão não é amarelo
O primeiro funcionário a acolher o cachorro no posto também trabalhava sozinho na madrugada. “O senhor Jaldir foi quem viu Amarelo chegar. Ele chamava o cachorro de Tubarão, mas não deu certo, o cachorro não atendia, porque esse nome não combinava nada com ele. O que pegou mesmo foi Amarelo”, conta a gerente Eliane. Segundo ela, Jaldir morreu há aproximadamente um ano e foi então que Lourival assumiu o posto de fiel escudeiro de Amarelo.
Três madrinhas
Não foram só os funcionários do posto que adotaram Amarelo. Ele tem três madrinhas, que desde a sua chegada se revezam nos cuidados. Uma delas é a auxiliar de veterinária Andreia Balzana Martins, 42 anos, que todas as noites leva o jantar para Amarelo. “Não tem chuva, nem Natal, nem feriado que faz ela deixar de vir”, garante o frentista Frank.
Andreia conta que uma amiga parou para abastecer o carro no posto e viu o cachorro, ainda com sinais de maus tratos, e a acionou. Ela mora perto do local e se dedica a auxiliar animais com histórico de abandono. “Eu faço isso por amor. Todo mundo que vê um animal abandonado deveria fazer a mesma coisa”, diz.
Ela relembra que quando "Amarelo" apareceu, vizinhos contaram ter visto um carro parando por ali e abandonando-o na madrugada. “Cachorro de rua fica correndo de um lado para o outro. Cachorro abandonado não sai do lugar de onde foi deixado”, afirma. Ela revela que "Amarelo" se recusou sair do posto para ser adotado. “Ele é feliz ali”.
Duas amigas de Andreia, Jane e Maria Tereza, também oferecem cuidados especiais a "Amarelo". “A Maria trabalha no fórum em frente e pagou todo o tratamento dele, além de arcar com as vacinas e outros cuidados. A Jane também colabora com a comida, mas nem sempre pode ir lá levar. Sou eu quem vou todas as noites. Se tiver de sair, passo lá antes. Sem comida ele não fica”, afirma. “E ele é exigente. No início só aceitava comida, nada de ração. Agora ele come ração mas só se estiver misturada com carne”, ressalta a madrinha Andreia.
*G1.