Como considerar positivo um ano que terminou sem títulos, com duas goleadas históricas sofridas diante do maior rival e com a equipe brigando contra o rebaixamento? Pergunte a um torcedor do Bahia. Em um ano de sofrimento e vexames, o clube vivenciou uma espécie de refundação e passou de uma agremiação vítima de chacota a um gigante renascido sob amor da torcida.
O Bahia de 2013 foi um clube que atravessou uma intervenção judicial, mudou seu estatuto e elegeu um novo presidente. Um clube que começou o ano longe de sua torcida, cansada de trapalhadas e que resolveu protestar com a campanha público zero. No fim da temporada, no entanto, lua de mel que se desenha, com o torcedor lotando a Fonte Nova e um sentimento de esperança renovado e muito mais forte em relação aos anos anteriores. Encerramento que coloca sobre a gestão que assumiu o Tricolor em setembro uma enorme responsabilidade: a de fazer do Bahia, além de um clube democrático e organizado, um time forte dentro de campo.
Vexames na volta para casa
O ano começou duro para o Bahia. Enquanto o rival Vitória contratava jogadores consagrados e montava uma equipe forte, o Tricolor repetia a fórmula dos anos anteriores e fazia contratações pontuais em posições específicas. No Fazendão, ignorava-se o fato de que a base da equipe era a mesma que havia brigado contra o rebaixamento nos últimos dois anos.
Nomes como Adriano Michael Jackson, Paulo Rosales, Potita, Pablo, Magal, Thuram, Angulo e Toró foram apostas ao longo do ano para reforçar um time já cambaleante. As apostas não deram certo, e o Bahia começou 2013 com a mesma cara do ano anterior.
O primeiro vexame veio na Copa do Nordeste. O Tricolor foi eliminado na frase de grupos, ainda no começo de fevereiro. O surpreendente resultado, em um grupo que tinha ABC, Ceará e Itabaiana, poderia ter sido encarado como um alerta, mas não foi. Fora do Nordestão, o Bahia do então técnico Jorginho passou 41 dias sem jogar.
Sem futebol e sem torcida
Se a saga de vexames já parecia demais ao final do mês de abril, o torcedor tricolor precisou de pouco tempo para perceber que o pior ainda estava por vir. No dia 12 de maio, Bahia e Vitória disputaram a primeira partida da decisão do Campeonato Baiano. O Tricolor de tantas humilhações ao longo de apenas cinco meses é atropelado pelo Rubro-Negro em uma nova humilhante goleada:7 a 3.
O novo vexame fez mais estragos no departamento de futebol. Paulo Angioni, executivo de futebol do clube desde 2010, entregou o cargo. No dia seguinte, o técnico Joel Santana também pediu demissão. A falta de planejamento era evidente a cada fracasso. Para a partida de volta contra o Vitória, em cima da hora, o então treinador do time B, Chiquinho de Assis, foi convocado para assumir a equipe.
No meio da semana, antes da decisão do estadual, o Bahia enfrentou o Luverdense, pela Copa do Brasil. Um novo vexame. Desta vez, dentro e fora de campo. Irritada com a gestão atual, a torcida resolveu protestar com a campanha Público Zero. A ideia era deixar o estádio às moscas e, em uma demonstração de força, os torcedores cumpriram seu objetivo. Apenas 1.706 pagaram ingresso para ver a eliminação do Tricolor, que venceu por 1 a 0. Resultado insuficiente, uma vez que, no jogo de ida, o Bahia havia sido derrotado por 2 a 0.
A eliminação na segunda fase da Copa do Brasil somou na lista de enormes episódios vexatórios de 2013. Dias depois, o Tricolor empatou em 1 a 1 com o Vitória e viu o rival levantar o título estadual com sobras.
Paralelo à campanha pífia do primeiro semestre e ao Público Zero, a oposição do Bahia começou a ganhar importantes apoios. Nasceu, então, o movimento Bahia da Torcida, liderado pelo publicitário Sidônio Palmeira, ligado ao governador da Bahia, Jaques Wagner. O grupo reuniu mais de seis mil pessoas na Fonte Nova um dia depois do boicote à partida contra o Luverdense. Nos bastidores, o movimento ficava cada vez mais forte e pedia a renúncia do então presidente Marcelo Guimarães Filho.
Em meio à crise, MGF anunciou Anderson Barros como novo executivo de futebol e Cristóvão Borges como novo treinador. Acuado, Guimarães Filho passou a responder questionamentos com ataques pessoais.
Intervenção e Democracia
No dia 9 de julho, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia julgou improcedente um recurso do Bahia e derrubou a liminar que mantinha o presidente Marcelo Guimarães Filho no cargo desde março do ano passado. Com a decisão, a determinação anterior do juiz Paulo Albiani voltou a valer, e o advogado Carlos Eduardo Behrmann Rátis Martins foi nomeado interventor do Tricolor. A decisão afastou, além de Guimarães Filho, todo o Conselho eleito em dezembro de 2011.
Durante dois meses, o Bahia viveu sob o comando do advogado Carlos Rátis, que evidenciou um clube falido financeiramente e desorganizado nos mínimos detalhes. O juiz responsável pela intervenção, Paulo Albiani determinou uma auditoria nas contas do clube, que revelou uma dívida de R$ 83,2 milhões, além de uma gama de irregularidades nos últimos dois anos, como superfaturamento, venda de jogadores promissores, pagamentos sem comprovação, evasão fiscal e de ingressos.
Carlos Rátis abriu o clube a novas associações e apresentou uma nova proposta de estatuto. No dia 17 de agosto, mais de três mil sócios, um recorde nas reuniões do Bahia, foram à Fonte Nova para a histórica assembleia que aprovou a mudança no estatuto da agremiação. Entre as principais mudanças, a instituição da eleição direta para presidente, além da redução do número de conselheiros de 300 para 100, com formação proporcional do ‘legislativo’ do clube, e a obrigatoriedade da “ficha-limpa” para exercer cargo no Conselho ou na diretoria.
Diretas Já!
Enquanto o Bahia vivia toda tensão de uma mudança política nos bastidores, dentro de campo, o time apontado por 10 entre 10 especialistas em listas de possíveis rebaixados surpreendia. Uma sequência de bons resultados um pouco antes do meio do campeonato levou a equipe à beira do G-4. A boa fase, no entanto, não se sustentaria. No fim do Brasileirão, o Tricolor comandado por Cristóvão Borges voltaria a terminar o torneio brigando contra o rebaixamento. Ainda assim, triunfos épicos contra Botafogo e Inter, duas vezes cada, além do primeiro triunfo contra o Vitória, na Fonte Nova, marcaram os bons momentos do Bahia no Campeonato Brasileiro.
Enquanto isso, o clube caminhava a passos largos para a democracia. No sugestivo dia 7 de setembro, quase 5 mil sócios foram às urnas, novamente na Fonte Nova, para eleger o advogado e ex-secretário de estado Fernando Schmidt como presidente do Bahia para o mandato-tampão até o final de 2014. Nas urnas, Schmidt venceu os empresários Antônio Tillemont e Rui Cordeiro.
A nova gestão foi recebida de braços abertos pelo torcedor, que abraçou o time nos momentos mais delicados e foi fundamental para livrar a equipe do rebaixamento para a Série B. Enquanto isso, Guimarães Filho não desistiu de voltar à presidência. Até o começo de dezembro, o ex-dirigente tentou, por meio de oito ações voltar ao clube, mas foi derrotado em todas.
Se dentro de campo o Bahia fez um 2013 sofrível, fora dele o Tricolor se reinventou democraticamente, abriu-se ao torcedor, que foi do público zero, em maio, ao público total na despedida da Série A. No último domingo, no confronto contra o Fluminense, mais de 40 mil pessoas se despediram do Tricolor baiano na Fonte Nova.
O Bahia 2013 não teve o que comemorar dentro de campo, mas, fora dele, renasceu. Um clube que trouxe o torcedor para a briga com a certeza de que “ninguém vai poder atrasar quem nasceu para vencer”. E, assim, o clube criado sob o lema de ‘nascido para vencer’ termina 2013 deixando o coração dos tricolores cheios de esperança por dias melhores.
As informações são do G1.