O governo precisa intensificar as campanhas de conscientização direcionadas a homens que fazem sexo com outros homens para alertar sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), defende um estudo divulgado hoje (7) pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fundação Oswaldo Cruz. A pesquisa analisou a sorologia de um grupo de 558 homens de Campinas (SP) que fizeram sexo com outros homens seis meses antes da coleta e mais da metade teve contato ou estava infectado por algum causador de DST.
No grupo pesquisado, mais de um quarto dos identificados como soropositivos tinham contraído o vírus HIV, causador da Aids, menos de seis meses antes da coleta. A chefe do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC, Mariza Morgado, destacou que a volta do crescimento da contaminação entre homens, especialmente entre os jovens de 15 a 24 anos, requer uma resposta do governo que vai além das campanhas feitas no Carnaval. "É preciso focalizar mais as campanhas, porque é o grupo em que a gente observa um certo recrudescimento da epidemia [de Aids]", argumentou.
A pesquisadora defende que a prevenção do HIV conte com o uso de antirretrovirais pré-exposição. Esses remédios seriam tomados regularmente para combater o vírus caso haja contato, potencializando a prevenção. "A gente precisa ter alguma coisa que previna a expansão da infecção e, hoje, o que tem se mostrado mais efetivo é o tratamento", diz. "É claro que tudo isso tem que estar associado ao uso de camisinha e medidas preventivas tradicionais".
Entre os homens pesquisados, os exames apontaram 7,6% de infectados pelo HIV, um percentual cerca de 20 vezes maior que o registrado na população brasileira em geral. No entanto, a indicidência é bem inferior aos 31,9% que tiveram contato com o HPV do tipo 16, e dos 20,3% que se expuseram ao HPV do tipo 18. Esses dois tipos do papiloma vírus humano são os mais associados ao câncer – quase 90% dos casos de tumores malignos no ânus e cerca de 40% dos que atingem o pênis estão relacionados ao HPV. Ao todo, o percentual que teve contato com ao menos um desses dois tipos de HPV chegou a 40% na população pesquisada. Esse contato, porém, não resulta em uma infecção persistente na maioria das vezes.
"[O HPV] é uma das DSTs mais comuns no mundo. Só que, na maior parte dos casos, o sistema imunológico controla e a lesão some com o tempo. Em menos de 1% pode evoluir para o câncer", explicou Alcina Nicol, pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas Médicas do IOC. Alcina defende que os meninos também passem a receber a vacina contra o HPV, que já é dada em meninas para prevenir o número de casos de câncer de cólo de útero, pois quase 100% desses tumores malignos estão associados ao HPV.
Alcina destaca que a vacinação é importante principalmente para portadores de HIV. Segundo o estudo, o contato com o HPV do tipo 16 entre esse grupo chega a 60,9%, e, para o tipo 18, a 46,3%, bem acima das taxas gerais. "O paciente HIV positivo tem tido uma alta prevalência de câncer anal, o que já foi mostrado pela literatura [médica]. Isso é por causa da baixa da imunidade", explica. Segundo o portal do Ministério da Saúde sobre DSTs, soropositivos só devem tomar vacinas com orientação médica.
O estudo também levantou informações sobre as hepatitites B e C, além do vírus HTLV. Apesar dos 30 anos de campanhas de vacinação contra a hepatitite B, 55% dos pesquisados não estavam imunizados, e 11,4% estavam infectados. Sobre a hepatite C, o estudo constatou que, na população pesquisada, a incidência da doença foi 1%, coincidindo com pessoas que se declararam usuárias de drogas. O mesmo ocorreu com o vírus HTLV, apesar de sua principal forma de transmissão ser o aleitamento materno.
Para chegar aos entrevistados, a pesquisa contou com o engajamento deles próprios. Cada pessoa entrevistada e examinada convidava mais três pessoas para responderem e se submeterem aos exames, formando uma rede. Tal metodologia não permite que o grupo seja tomado como amostra da população de Campinas, de São Paulo ou do país, mas aponta conclusões que orientaram as recomendações. Uma delas é a importância de campanhas nas escolas e o papel da escolaridade na prevenção. "Quão melhor é a escolaridade, mais o indivíduo se arma de conhecimento e acaba evitando a infecção. Quem tem menos escolaridade está se contaminando mais", diz Mariza Morgado.
A camisinha é indicada como a principal forma de prevenção da maior parte das DSTs e pode ser obtida gratuitamente em toda a rede pública de saúde. No Disque Saúde (136), é possível obter informações sobre a prevenção e onde obter o preservativo. Segundo o Ministério da Saúde, o preservativo oferece 10 mil vezes mais proteção contra o vírus da Aids do que a sua não utilização, e apenas um deve ser utilizado por vez, já que usar dois ao mesmo tempo aumenta as chances de rompê-lo. Além do uso no sexo vaginal e no anal, também é recomendado o uso no sexo oral.
O Ministério da Saúde informou, por meio de nota, que faz, anualmente, duas grandes campanhas de massa em âmbito nacional, uma durante o carnaval, que se estende ao longo dos principais eventos do ano – como festas regionais, como micaretas – e a outra em 1º de dezembro, Dia da Luta Contra a Aids. As campanhas são voltadas para o público considerado sexualmente ativo (entre 15 e 49 anos) e os jovens gays (principalmente entre 15 e 14 anos). Além das campanhas, são feitas ações conjuntas com as secretarias municipais e estaduais de saúde de todo o Brasil e com organizações não governamentais (ONGs) em eventos regionais.
O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do ministério desenvolve projeto de teste rápido de HIV/Aids por fluido oral com 50 ONGs parceiras de 20 estados e do Distrito Federal, com resultado em até 30 minutos. De acordo com o ministério, a prioridade no novo método, iniciado em março de 2014, é para as populações que apresentam maior vulnerabilidade à infecção pelo HIV (homens que fazem sexo com homens, gays, profissionais do sexo, travestis, transexuais, pessoas que usam drogas, pessoas privadas de liberdade e em situação de rua).
A nota ressalta o esforço do Ministério da Saúde no diálogo direto com jovens gays, homens que fazem sexo com homens, travestis e transexuais, por meio de campanha publicitária e meios alternativos, como aplicativos e redes sociais.
Fonte: Agência Brasil