É incrível como o liberalismo econômico, popularmente chamado de capitalismo, casa tão bem com o liberalismo político, conhecido como democracia. Evidentemente, muita gente contesta essa afirmação, principalmente no mundo acadêmico. Mas, estamos falando da democracia burguesa, e em uma economia de mercado como é o Brasil, analisar a conjuntura tem de levar em conta o modo de produção vigente no país.
No capitalismo, o capital joga em casa, e geralmente vence, embora conte com uma torcida tão diminuta. Outro detalhe, quem tem o poder político nem sempre desfruta do poder econômico, e vice-versa. A realidade brasileira, hoje, é uma prova disso. O conjunto de forças populares e democráticas que governam o país possui o controle político da República, mas, entre outros desafios, tem de encarar uma guerra diária contra os superpoderosos grupos que detêm os meios de produção. É uma disputa extremamente desigual, com o agravante de que a mídia passa 24 horas por dia tentando fazer a cabeça da nação de que bom é quem tem dinheiro e certo é estar do lado dos ricos e poderosos.
A indicação dos ministros do segundo governo Dilma Rousseff é um exercício da dinâmica cruel do processo democrático. A presidenta, e principalmente Lula, têm consciência disso, sabem da delicadeza do momento, inclusive do ponto de vista institucional. Não que haja o menor risco de golpe militar, mas têm clareza da fúria das elites, atiçadas pelo calor do radicalismo da campanha presidencial. E golpe não ocorre apenas com tanques e fuzis. Há muitas outras armas que as elites sempre usaram e não hesitam em usar para impor os interesses que lhe convêm.
Com certeza, Joaquim Levy, apontado como provável ministro da Fazenda, conhecido pela ortodoxia no trato das questões econômicas, insensível às demandas sociais, e Kátia Abreu, favorita a assumir o Ministério da Agricultura, famosa pelo desprezo aos trabalhadores rurais, em especial os sem terra, amiga da motosserra, são os remédios amargos que a sociedade tem de tomar para evitar um mal maior. São enfermidades do capitalismo.
No regime democrático, a morfologia de um governo é consequência das eternas disputas entre as diversas ideologias, segmentos e grupos que compõem a sociedade. Vence quem pressiona mais e dispõe de maior poder de fogo. Indiscutivelmente, na atualidade, quem dá as cartas é a democracia de mercado. Os negócios acima do ser humano. E o desafio das forças populares e de esquerda é justamente inverter essa realidade tão perversa. Retrocessos e avanços fazem parte do processo histórico. Como diz a sabedoria popular, “é melhor entregar os anéis do que perder os dedos”. Se Dilma está certa em indicar Levy e Kátia para o Ministério, somente o futuro poderá dizer. Tomara que sim.
·Rogaciano Medeiros é jornalista