Em ano eleitoral, centenas de cidades brasileiras estão próximas do colapso financeiro, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios. De acordo com a Confederação, 229 prefeitos devem decretar calamidade nas contas públicas em 2020. O número é bem maior do que o observado em 2019, quando 69 prefeituras emitiram esse tipo de decreto.
Na prática, o dispositivo serve para alertar governos estaduais, União e sociedade de que serviços públicos municipais serão afetados devido à crise financeira, mas não exime o gestor local da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O pedido de calamidade financeira é só a ponta de uma profunda crise enfrentada pelos municípios brasileiros. Desde a promulgação da Constituição, em 1988, as prefeituras passaram a assumir um papel maior na prestação de serviços públicos, sem que os orçamentos dessem conta das novas obrigações.
Isso porque a maioria das cidades não tem autonomia financeira. Um estudo conduzido pela pesquisadora Lorreine Messias evidencia bem esse quadro. Os principais tributos arrecadados pelas prefeituras – IPTU, ISS e ITBI (Imposto Predial Territorial Urbano, Imposto sobre Serviços e Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) – não são suficientes para equilibrar os orçamentos. E quanto menor o município, em geral pior a situação.
De acordo com o levantamento, nas cidades com até 5 mil habitantes a arrecadação desses três impostos representa apenas 2,26% da receita total. Numa faixa superior, entre 5 mil e 20 mil habitantes, a soma de IPTU, ISS e ITBI corresponde a 3,67% da receita.
Em geral o quadro vai se atenuando conforme os municípios vão crescendo de tamanho. Entre as cidades com mais de 1 milhão de habitantes, por exemplo, a arrecadação dos três tributos chega a 26,86% da receita total.
Falência no Rio Grande do Norte
Em agosto do ano passado, o prefeito de Bento Fernandes (RN), Júnior Marques, tomou uma medida extrema: decretou a falência do município. Na cidade de 5,5 mil habitantes, os salários dos servidores ficaram atrasados e serviços básicos, como aulas nas escolas públicas, foram interrompidos. À época, Marques disse que a solução seria fechar a prefeitura.
Em junho de 2019, a Justiça determinou a execução do pagamento da dívida do município com o Fisco por meio de precatórios. A situação só começou a ser normalizada em outubro passado.
Dependência de transferências
Com o aumento das despesas e uma baixa capacidade de arrecadação, as prefeituras se tornaram dependentes de transferências de outros entes, via Fundo de Participação de Municípios (FPM), por exemplo. Segundo a CMN, 60% dos municípios brasileiros dependem do fundo para custear sua estrutura.
Em janeiro, no entanto, os repasses do FPM recuaram 8,96% na comparação com o mesmo mês de 2019. “Isso preocupa e preocupa muito. Nossa previsão é que, no primeiro trimestre deste ano, o repasse do FPM seja menor do que no primeiro trimestre do ano passado”, afirma Aroldi, da CNM.
Para os prefeitos, a queda do repasse do FPM se dá num cenário de bastante gravidade. Isso porque ela ocorre no momento em que há uma pressão adicional no gasto com o aumento de 12,84% no salário dos professores da educação básica.
As finanças dos municípios são bastante impactadas com reajustes salariais. Entre 2004 e 2018, houve um aumento de 52,5% na quantidade de servidores municipais, para 6,5 milhões.
Com um orçamento tão debilitado e dependente de repasses, os prefeitos têm adotado uma série de medidas, segundo a CMN:
- 488 municípios reduziram as despesas de custeio;
- 230 cidades estão com pagamentos de fornecedores atrasados;
- 988 prefeitos diminuíram cargos comissionados;
- 519 municípios desativaram os veículos.
Na tentativa de melhorar a situação fiscal de estados e municípios, a equipe econômica propôs a Proposta de Emenda à Constituição, PEC, do pacto federativo.
Se aprovada, a medida tende a dar mais recursos e autonomia para estados e municípios, mas também propõe um redesenho das cidades. Aquelas que tiverem menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria inferior a 10% da receita total serão incorporadas pelo município vizinho.
Fonte: G1