Desde que o dólar começou a subir, em meados do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem repetido que o câmbio desvalorizado é o “novo normal” no Brasil.
Disse ainda que “é bom pra todo mundo” — como ressaltou no episódio polêmico em que comentou que o último ciclo de real forte “era uma festa danada”, com “empregada doméstica indo para a Disney”.
O dólar ultrapassou a barreira de R$ 4 em meados de agosto do ano passado e, desde então, poucas vezes recuou desse patamar. Pelo contrário, nas últimas semanas ele tem batido recordes e chegou a R$ 4,39 no pregão da última quinta, 20.
Para a indústria, entretanto, que em tese se beneficiaria do câmbio desvalorizado — que deixaria os produtos brasileiros mais baratos lá fora —, o dólar mais caro não impediu que a produção recuasse em 2019.
A queda de 1,1% levou a produção industrial ao mesmo nível registrado em junho de 2004, quinze anos atrás, de acordo com os cálculos do economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs.
No acumulado entre 2011 e 2019, a queda é de quase 15%.
Ainda que em 2020 o setor reaja e o resultado seja positivo, não será suficiente para evitar que esta seja uma “década perdida” para a indústria, ressalta o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Um levantamento feito pelo pesquisador da Fundação Getulio Vargas, FGV, Marcel Balassiano com dados dos 14 Estados que compõem a Pesquisa Industrial Mensal, PIM, do IBGE, mostra que em 11 a produção recuou entre 2011 e 2019.
A pior situação é a do Espírito Santo (-35,2%) e de Minas Gerais (-27%), onde o desempenho do setor é bastante dependente da mineração.
Na sequência vem São Paulo, dono do maior parque industrial do país, com perda acumulada de 20%, queda maior que a média nacional.
Os únicos Estados que conseguiram crescer no acumulado dos 9 anos desta década que se encerra em 2020 foram Mato Grosso (16,3%), Goiás (17,6%) e Pará (50,8%).
Isso porque a indústria brasileira exporta pouco. Mais da metade de tudo o que o Brasil vende para fora são produtos básicos — 52% em 2019. Outros 12,6% são semimanufaturados e 34,5%, manufaturados. Em contrapartida, o setor tem importado cada vez mais. Se não produtos acabados, partes e peças que vão compor as mercadorias.
Um estudo realizado pelo Banco Central e divulgado em março de 2019 mostrou que, entre 2002 e 2013, quando o real ganhou força e o dólar ficou mais barato, as importações chegaram a representar 20,3% do consumo aparente da indústria nacional, que soma a produção destinada ao mercado doméstico e as importações.
Esse percentual chegou a cair durante a crise, mas voltou a subir com a recuperação, ainda que lenta, da economia e, em 2018, voltou ao patamar de 20%.
Isso quer dizer que, para parte da indústria, o dólar mais caro representa um aumento de custos. É o caso, por exemplo, de uma das maiores empresas de eletrodomésticos brasileiras, a Mondial.
Os importados representam cerca de 40% do que a marca comercializa, diz Giovanni Marins Cardoso, sócio-fundador da companhia. Além disso, a moeda americana afeta direta ou indiretamente os preços de cerca de 80% da matéria-prima utilizada na linha de produção.
A Mondial tem centros de desenvolvimento de produtos dentro e fora do Brasil — dois na China, nas cidades de Guangzhou e Ningbo.
A escolha do que vai ser produzido no país asiático e o que fica a cargo das unidades brasileiras (localizadas na Bahia e em Manaus) não é apenas uma questão de preço, diz Cardoso, mas também de escala — ou seja, a possibilidade de produzir os volumes que a empresa precisa no período em que precisa.
Ao contrário de boa parte do setor, a fabricante não viu o faturamento cair durante a crise — segundo Cardoso, as vendas crescem de forma contínua desde a fundação, no ano 2000, em parte porque a marca vem ganhando mais participação no mercado.
Fonte: BBC