Fernando Figueredo, criador da cooperativa "Sonho de Liberdade", com os móveis produzidos pela sua equipe
Preso por roubo de carro e uso de entorpecentes, Fernando Figueredo trabalhou durante dois anos dentro do presídio costurando bola para uma ONG – uma atividade profissional comum nas penitenciárias brasileiras. O salário mensal era de R$ 100.
Foi com essa remuneração que sustentou sua mulher e três filhos. Na tentativa de buscar uma renda maior, ele participou de todas as oficinas oferecidas na prisão. Apesar do conhecimento acumulado, Figueiredo teve dificuldades para encontrar um espaço no mercado de trabalho. A solução foi partir para o próprio negócio, que se transformou anos depois em uma cooperativa de reciclagem em Brasília. Hoje Figueiredo fatura cerca de R$ 1 milhão ao ano.
Figueiredo passou seis anos e seis meses preso e conta que se surpreendeu com a dificuldade para conseguir emprego após cumprir a pena, há sete anos. “Não imaginava que o preconceito era tão grande lá fora. Pedia a Deus todos os dias para mudar minha história e não voltar ao crime”, relata Figueredo.
Sem emprego, ele se juntou a dois colegas e montou uma pequena marcenaria para reciclar madeira velha e transformá-la em móveis. Também costurava bola para empresas. Eram esses os primeiros passos da cooperativa “Sonho de Liberdade”.
“Eu e alguns colegas já tínhamos discutido a possibilidade de abrir uma empresa caso o mercado fechasse as portas para a gente. Só tínhamos três caminhos: conseguir emprego, abrir uma empresa ou voltar ao crime. Ficamos com a segunda opção”, explica ele.
Hoje com 80 pessoas – a maioria delas ex-presidiários e detentos em regime semi-aberto –, a cooperativa produz móveis, fabrica bolas e tritura madeira para transformá-la em combustível. Na lista de clientes da empresa, está a multinacional Bunge e grandes empresas de tijolos, destaca Figueredo.
Para começar o negócio não foi necessário um grande aporte. Tudo foi tirado do lixo e comprado com a reserva financeira dos cooperativados da empresa. “A gente pegava a madeira na rua, transformava em móvel e vendia.”
Com o crescimento do negócio, a cooperativa passou a receber aporte de grandes companhias interessadas na reabilitação de detentos e egressos, como o Banco do Brasil, que, no final de 2012, financiou a construção da fábrica a partir de um capital de R$ 70 mil.
“Não damos oportunidade para quem tem currículo bom e está com ficha-limpa. Oferecemos vagas para quem precisa mudar de vida como eu precisei. Não estamos investindo em banco, estamos investindo em vidas”, reforça Figueiredo.
Nova startup
Conseguir um emprego após ser preso não foi dificuldade para o pequeno empresário Rogimar Rios, 35 anos, dono da startup (jovens empresas do ramo tecnológico) Xlion. No entanto, ser empregado não estava nos planos do empreendedor.
Após ficar preso durante dois anos por tentar assaltar um executivo, Rios vendeu temperos com o seu pai na rua, trabalhou como plantonista em eventos imobiliários, vendeu portões elétricos e, por último, atuou em uma empresa de imóveis planejados.
Foram nesses dois anos e meio trabalhando que ele juntou dinheiro para abrir sua primeira loja de móveis, de apenas 270 metros quadrados na capital paulista. Com o sucesso do empreendimento, abriu uma loja maior de móveis planejados, desta vez sob a bandeira de uma rede conhecida.
Em dois anos e meio, o negócio valia R$ 3 milhões, conta Rios. A surpresa, contudo, veio quando o empresário apareceu na mídia contando sua história de superação como empreendedor e ex-presidiário.
“A empresa me chamou e me proibiu de vincular a marca ao meu nome. Não sofri preconceito no mercado de trabalho e me surpreendi ao ter passado por isso no ramo dos negócios”, recorda ele, que fechou a loja no ano passado devido à crise financeira da rede.
Rios não desistiu da ideia de ser dono da própria empresa e se prepara para lançar em agosto próximo a startup X Lion, plataforma social de avaliação de funcionários e monitoramento de vendas. “Durante os anos que tive minhas lojas, descobri que as informações passadas aos clientes eram muito pulverizadas e os gestores nem sempre promoviam os vendedores certos”, explica ele, que afirma já receber propostas de aporte financeiro.
Com a experiência na prisão, o empreendedor afirma ter aprendido não só a observar melhor o ser humano, mas também a ser um empresário melhor. Sua história, afirma, não foi à toa. “Dentro do presídio revesti uma caixa de madeira com isopor para vender sanduíches aos detentos que voltavam do trabalho. Nunca deixei de ganhar dinheiro trabalhando. Não sou um criminoso, apenas cometi um erro.”.
Incubadora de egressos
Casos como os de Figueredo e Rios, que sofreram preconceito no mercado de trabalho e no ambiente empresarial, não são raros. E para dar apoio educacional e emocional aos que desejam trilhar o caminho do empreendedorismo, o ex-detento Ronaldo Monteiro criou a Incubadora de Empreendimentos para Egressos, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro.
Como uma incubadora tradicional, o núcleo capacita ex-detentos que desejam abrir uma empresa e os ajuda a desenvolver um plano de negócio sólido e viável ao mercado.
“Fiz uma pesquisa com detentos aqui do Rio de Janeiro e descobri que conseguir um emprego era a coisa mais importante para eles. Decidi ajudá-los a gerar renda licitamente de outra maneira”, conta ele, que abriu a incubadora há seis anos.
De acordo com o idealizador do projeto, já passaram pela incubadora cerca de 10 mil egressos, sendo que 400 mantiveram a empresa aberta. Além de oficinas, a incubadora também oferece aporte e trabalha com microcrédito para os empreendedores.
Entre os patrocinadores do projeto está a Petrobras, a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a Artemisia, de negócios sociais.
“Imagina um ex-detento que nunca frequentou uma faculdade ter aulas com profissionais da FGV? Eles nunca nem imaginavam entrar nessa instituição”, brinca Monteiro, que foi preso por extorsão e seqüestro e cumpriu pena durante 13 anos. Fonte: Tribuna