Na reta final para a votação da Reforma Tributária na Câmara de Vereadores, o prefeito ACM Neto (DEM) e o secretário da Fazenda de Salvador, Mauro Ricardo Costa, se lançaram pessoalmente em uma cruzada para defender a proposta do que consideram seus principais obstáculos: o desconhecimento do que está em jogo e os ataques desferidos por, segundo avaliação de ambos, os únicos que se opõem de fato às mudanças – sonegadores e inadimplentes, interessados em escapar do conjunto de medidas pensadas para fechar o cerco aos devedores de impostos.

Em visita ontem ao CORREIO, parte da odisseia da cúpula do Palácio Thomé de Souza em órgãos da imprensa e entidades de classe, Neto e Mauro Ricardo fizeram projeções otimistas caso consigam vencer a batalha na Câmara de Vereadores, prevista para correr nas próximas semanas. De acordo com o prefeito, o crescimento da arrecadação na capital seria na ordem de R$ 500 milhões ao ano. “Isso, é bom deixar claro, sem aumentar nenhum imposto, sem qualquer elevação na carga tributária”, afirmou.

É com base na garantia de não mexer na quantidade ou tamanho de impostos pagos por cidadãos e empresas que a prefeitura espera ganhar apoio para emplacar a reforma e eliminar barreiras às propostas, tidas como a tábua para salvar Salvador do sufoco financeiro. “A premissa da reforma é simples: fazer com que as pessoas paguem o que devem, apenas isso”, acrescentou o democrata.

Coube a Mauro Ricardo a tarefa de tirar a cidade do caos financeiro sem jogar a conta para cidadãos e empresas que pagam impostos em dia. Responsável pelo comando da área fazendária da prefeitura de São Paulo entre 2004 e 2012, nas gestões de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), o secretário trouxe para Salvador o mesmo manual usado na capital paulistana.

Nó apertado Para Mauro Ricardo, não há nada mirabolante ou escuso na proposta de reforma. Apenas o velho aperto de nó contra aqueles a quem a prefeitura considera responsáveis pelo gargalo financeiro do município. Em sua avaliação, os devedores ou sonegadores de impostos, que não enfrentam a navalha da legislação. “O que a prefeitura quer é impor uma serie de restrições a quem não paga o que deve”, disse.

Entre as medidas previstas na reforma, grande parte se dirige ao controle e arrocho ao calote – tecnicamente chamada de dívida ativa, estimada atualmente em R$ 12 bilhões, cerca de quatro vezes o orçamento anual de Salvador. “Se a prefeitura tiver que fazer um pagamento a uma empresa que tem débitos com o município, vai suspendê-lo, até que seja pago o que ela deve”, explicou. Na prática, o que a prefeitura quer aplicar é o aumento das punições através do Cadastro de Inadimplentes (Cadin) municipal, que funciona em moldes semelhantes aos do SPC e Serasa.

Mas, além de fechar o cofre da prefeitura na base do “me ajeite que eu te ajeito”, a reforma endurece o jogo em outras frentes. É aí que entram medidas mais duras, como a suspensão de Habite-se (documento que libera um imóvel para ser ocupado), alvarás e licenças de funcionamento. “O recado é: olha, há um débito e é preciso saldá-lo. É assim que funciona em todas as grandes capitais do Brasil. Na verdade, quando cheguei aqui, achava que Salvador já tinha feitos essas mudanças.

Burlas
Outro flanco previsto na reforma para combater a fuga de arrecadação é baseado em instrumentos que impedem manobras contra o Fisco municipal. No topo, estão as chamadas simulações de domicílio fiscal, artifício bastante usado para reduzir a carga tributária. O método é simples: a empresa X, com sede física e atuação em uma cidade Y, escolhe um município Z, onde o Imposto Sobre Serviços (ISS) é menor, para instalar oficialmente o negócio. “Simulação de domicílio é uma fraude”, explica Mauro Ricardo.

De acordo com o prefeito, a reforma possui mecanismos capazes de tapar a brecha: “O que queremos estabelecer: um cadastro de prestadores de serviços de fora do município de Salvador. Todas as empresas que se dizem de fora e que querem prestar serviços na capital vão precisar se cadastrar. Toda vez que uma empresa de Salvador quiser contratar serviço de uma empresa de fora terá que consultar o cadastro. Se tiver cadastrado, ok. Se não, terá que fazer a retenção do imposto e o recolhimento direto à prefeitura de Salvador. Só permitiremos e habilitaremos (o ingresso no cadastro) quem comprovar que está fisicamente no domicílio fiscal. Temos uma série de documentos para isso”.

Outro instrumento previsto na reforma – e que desperta críticas dos setores empresariais – é a adoção do domicílio eletrônico. Trata-se de um sistema virtual, onde o contribuinte é avisado, em um endereço na internet, sobre notificações de débito e ações judiciais de cobrança. Para Mauro Ricardo, sobram motivos para adotar a prática. “As pessoas que devem ao Fisco, à Justiça, não querem ser encontradas. Querem ser notificadas pessoalmente, para fugir do oficial de justiça. É um jogo de gato e rato”.

Alívio
Ao mesmo tempo em que a prefeitura admite negociar quaisquer dos pontos da reforma – menos os que arrocham inadimplentes e sonegadores -, também acena para aqueles que devem pouco. “A proposta prevê anistia a todos que devem menos de R$ 400. E permite a quem quer pagar aderir a um programa de refinanciamento, com prazo de 10 anos e abatimento de juros e multa”, afirmou Neto.

Empresa para cuidar dos imóveis da prefeitura
No conjunto de propostas para alterar o Código Tributário de Salvador, há uma vista como fundamental para dar à prefeitura o oxigênio necessário para investir em grandes projetos: a criação da Companhia de Desenvolvimento e Mobilizações de Ativos, empresa que vai herdar os imóveis de propriedade do município. “Será através dessa empresa que teremos condições de dar garantias para receber parcerias público-privadas. Salvador é dona de diversos terrenos que não têm a menor utilidade. Poderemos usá-los como contrapartida para projetos grandes e estruturantes”, afirmou o prefeito ACM Neto.

O democrata diz que o tamanho do patrimônio imobiliário de Salvador ainda não foi totalmente calculado, mas ele será um dos eixos para investimento público, junto com os mecanismos para aumentar a arrecadação. “Só assim podemos sair da imobilidade financeira”, avaliou.

Segundo o prefeito, sem a reforma, a cidade continuará engessada. O orçamento, de quase R$ 4 bilhões, está comprometido para cobrir dívidas correntes (R$ 560 milhões deixadas pela gestão anterior) e o déficit anual em diversas áreas da administração. Só com a Saúde, são R$ 100 milhões, montante igual ao da conta negativa com o pagamento de pessoal.

Com as finanças respirando por aparelhos, a prefeitura disse que só tem à disposição para aplicar nos serviços públicos o dinheiro obtido com a venda do controle da folha de pagamento ao Bradesco – negócio de R$ 120 milhões.

“Fiz um levantamento para investir em soluções para melhorar a eficiência do trânsito. O custo é de R$ 50 milhões, apenas em coisas pontuais, sistemas de inteligência, monitoramento. Meu caro, o orçamento da Transalvador para este ano inteiro acaba em agosto. Não há dinheiro para o resto dos meses. Estou apertando onde posso e conseguimos reduzir nossa despesa. Mas, para dar os saltos que Salvador precisa, temos que arrecadar mais. Obras estruturantes custam muito”, assinalou.

Para o secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, a mesma política tributária aplicada em São Paulo e que hoje se repete, em maior ou menor escala, em todas as capitais brasileiras, é a chave da ignição. “A arrecadação de São Paulo era de R$ 13 bilhões em 2004. Depois de oito anos e após implantarmos as medidas, deixamos (o cofre da capital paulistana) com R$ 42 bilhões”, ressalta. Entretanto, mesmo que as medidas divididas em dois projetos passem na Câmara, a expectativa é que, apenas a partir de 2014, elas surtam efeito. *Correio.