Lado a Lado, há quase seis meses no ar e prestes a chegar ao ponto final nesta sexta-feira, 8, é considerada uma novela impecável dos estreantes João Ximenes Braga e Cláudia Lage, uma espécie de biscoito fino da teledramaturgia recente. Mas, ainda assim, não é o que se pode chamar de sucesso de público. A novela ficou aquém das expectativas de audiência nessa faixa, marcando uma das piores médias do horário, em torno de 18,4 pontos no ibope. Só para se ter uma ideia, a antecessora Amor Eterno Amor (de Elizabeth Jhin e com temática espiritualista), manteve média de 27 pontos.
A atual novela das seis possui figurinos caprichados, além de se dar ao luxo de ter uma fotografia de cinema com assinatura de Walter Carvalho. A trama também se destaca pelo texto bem aplicado à época de 1910, mas sem ser didática e por evocar temas de grande apelo na cultura brasileira, como a origem do futebol e do samba no país.
No entanto, a fórmula tradicional, sem popularismo ou apelação, não prendeu o público do horário, que em outros tempos, já teve mais fama de romântico. Basta lembrar que pertencem ao horário das 18h novelas clássicas igualmente de época, e de grande sucesso da Globo, como Direito de Amar (Walter Negrão, 1987), Sinhá Moça (Benedito Rui Barbosa, 1986) ou mesmo A Escrava Isaura (adaptação de Gilberto Braga para o romance de Bernardo Guimarães, 1976), até hoje uma das novelas brasileiras mais famosas no exterior.
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Vários elementos devem ser considerados quando se estabelece comparativos sobre o desempenho de produtos, principalmente novelas. É justo considerar que Amor Eterno Amor estreou em março do ano passado, início do outono e em situação climática mais favorável, quando as pessoas ficam mais tempo em casa. Já Lado a Lado entrou no ar em meio a uma primavera muito quente, horário de verão, festas populares e horário eleitoral.
Outro fator que chama atenção é de que a temática espiritualista usada na novela de Jhin sempre despertou curiosidade no telespectador. Lado a Lado aparece como um folhetim que se preocupa em mostrar o contexto histórico e cultural do Brasil na origem da modernidade. Detalha a virada da monarquia para a República e o período pós-escravidão, que foram tema também de Direito de Amar.
Além disso, Lado a Lado é comportada e segue o mesmo padrão que lembra outras obras de época como Força de um Desejo (1999) e A Padroeira (2001), essas duas também consideradas obras-primas no aspecto técnico e narrativo, com histórias cativantes, bem produzidas, mas que não foram tão bem de audiência.
O problema de Lado a Lado não é o enredo em si. Além do pano de fundo histórico, a trama tem como protagonistas duas mulheres de origens distintas, mas igualmente à frente do seu tempo e que lutam pelos direitos femininos.
De um lado, está a rica Laura (Marjorie Estiano), que não se contenta com a vida de uma dona-de-casa bem-nascida e, no Rio de Janeiro do início do século XX, decide trabalhar, estudar literatura, ser professora e independente. Casada com Edgar (Thiago Fragoso), tempos depois, após descobrir a filha que ele tem com a cantora de ópera Catarina (Alessandra Negrini), se separa ainda que apaixonada por ele, enfrentando o preconceito do inicio do século XX contra as divorciadas.
A outra protagonista é Isabel (Camila Pitanga), filha de ex-escravos, batalhadora pelos direitos dos negros no pós-abolição. Engravida de Albertinho (Rafael Cardoso), um rapaz branco e de origem rica, e tem a criança raptada após uma armação de Constância (Patrícia Pillar), avó paterna do bebê. Isabel então, enganada e achando que o filho estava morto, recebe um convite de uma atriz famosa para ir morar na França e lá ensinar samba aos europeus. Anos mais tarde, volta ao Rio de Janeiro rica e famosa e descobre que o filho não estava morto, iniciando uma disputa com Constância.
Tanto Laura quanto Isabel têm comportamentos considerados um escândalo para a época retratada, mas atualmente já incorporados à sociedade, como divórcio, ser mãe solteira ou querer trabalhar e ter independência financeira. Talvez o que tenha levado a novela a não cair no gosto do povo seja justamente a distância histórica que a separa dos dias atuais, embora, se formos olhar bem, racismo e machismo ainda são problemas recorrentes na nossa sociedade.
Mas, ainda que não tenha tido tanta repercussão, na incansável luta para se firmar junto à audiência, Lado a Lado será lembrada pelas ótimas atuações. Patrícia Pillar, como a arquivilã Constância, soube dar o tom certo ao retrato fiel da arrogância e da crueldade da antiga aristocracia escravagista brasileira. Marjorie Estiano também brilhou com a sua Laura e soube conduzir e mostrar ao público todas as mudanças de fase da personagem. No geral, a novela teve um elenco afiado, bem entrosado em cena e com destaques para coadjuvantes que garantiram boas cenas, como a estabanada solteirona Celinha (Isabela Garcia), uma mulher madura e romântica, que muito se assemelha a um personagem feminino da escritora britânica Jane Austen.
A rejeição do telespectador a algumas tramas de época é fenômeno recente, do final dos anos 90 para cá, e carece de mais estudo, visto que até o final dos anos 80, essas novelas possuíam um forte apelo junto ao telespectador. Lado a Lado, muito possivelmente, teria uma audiência mais que satisfatória se tivesse sido exibida entre os anos 60 e 80, quando os brasileiros pareciam gostar bem mais de folhetins recheados de ternura. Teria o público brasileiro se tornado menos romântico no alvorecer da pós-modernidade? Ou os autores perderam a inocência que fizeram o brilho das novelas passadas? Ficam as perguntas para reflexão. Fonte: A Tarde