Os livros foram levados pelos manifestantes e espalhados na área externa da secretaria em Brotas

No protesto denominado 'Dia da Devolução', cerca de 300 professores da rede municipal de ensino devolveram o material do programa Alfa e Beto, adotado pela gestão municipal. As bolsas, com média de 17 livros, foram entregues na Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico, na sede Secretaria Municipal da Educação na manhã de quinta-feira, 7.

A justificativa da manifestação, organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB- Sindicato), é que o programa não responde a questões pedagógicas e tem textos com conteúdos racistas.

O primeiro texto que chamou atenção dos educadores foi "As bonecas de Fernanda", contido no manual do professor 'Para ler com fluência" (veja trecho ao lado). "Se a boneca bonita tem olhos azulados e cabelo loiro, a que não é assim é feia. Trazendo para a nossa realidade, a feia é negra e tem o cabelo crespo", explicou a diretora de Educação da APLB Jacilene Nascimento.

Interpretação – Além da questão racial, a abordagem religiosa também foi apontada como mais um erro do sistema, por conta da ênfase de textos católicos. No entanto, o secretário João Carlos Bacelar rebate.

"Li os textos e vi que não são racistas, sexistas ou focam só o catolicismo. São textos literários, escritos na época de determinados costumes. Precisam ser interpretados com a atualidade", disse o titular, que se reuniu com os manifestantes e assinou o protocolo de entrega dos kits.

"Qualquer pessoa com o mínimo de envolvimento com a causa vai enxergar claramente o racismo nesse texto. Só não conhecendo o público da rede para achar que esse conteúdo não vai afetar a autoestima dos alunos", afirma o presidente da Comissão de Educação, Esporte e Lazer da Câmara de Vereadores, Sílvio Humberto.

Na reunião do grupo, na quarta, 6, foi decidido que uma sessão especial, até o final deste mês, irá discutir a situação da rede, além de uma resolução suspendendo o uso do programa.

A violência é identificada em duas vertentes. A primeira, no enunciado da questão V, do 'Diagnóstico de leitura e escrita': Ontem aconteceu um acidente envolvendo uma moto, uma bicicleta e uma família. Só você viu. Escreva essa notícia. "É um reforço à realidade violenta que boa parte dos alunos já vivencia", ponderou o também educador e fundador do Instituto Cultural Steve Biko, Sílvio Humberto.

"Em outra passagem violenta, as meninas apanham dos garotos e depois perdoam. Isso vai de encontro ao combate à violência contra a mulher, além da conformidade com a situação", afirmou a diretora de Educação da APLB-Sindicato.

Autonomia – Além de não concordar que o conteúdo seja inadequado, o secretário ressalta que não houve perda de autonomia. "O professor tem o dever de estimular a consciência crítica e usar o material da melhor forma. Ele só é obrigatório nas turmas de realfabetização, por falta de outra opção. Mais de 15 mil alunos do 3º ao 5º ano não são alfabetizados", disse ele ao explicar que do 1º ao 5º ano pode usar o método anterior.

O secretário também informou que a rede de ensino será avaliada bimestralmente a partir de maio deste ano por uma consultoria externa. Com relação ao investimento superior a R$ 12 milhões – com dispensa de licitação – o titular da pasta afirmou que o valor não foi pago.

"Vai depender da adesão. O total é para atender 130 mil alunos e engloba várias etapas como capacitação e material. A quantia por aluno/ano é de R$ 118". O caso está sendo apurado pela promotora Rita Tourinho, do Ministério Público Estadual, que deve se pronunciar no final deste mês.

Melhoria – Ainda segundo o secretário, o programa tem como meta um ensino de melhor qualidade. "É uma ferramenta de melhor desempenho por um sistema estruturado", disse Bacelar. Segundo ele, o IAB já foi adotado 700 municípios no País, alfabetizando mais de 1 milhão de crianças.

Já a diretora da APLB lamenta que "experiências exitosas locais, como as das escolas Suzano Weslei (Boca do Rio) e Parque São Cristóvão não receberam investimento para ampliação na rede". Fonte: A Tarde