Quem anda pelas ruas de Salvador já deve ter se deparado com locais de nomes curiosos como Pau Miúdo, a Rua do Pau do Bandeira, na Praça da Sé, ou o Beco da Gasosa, no bairro do Santo Antônio Além do Carmo. O nome inusitado de algumas localidadades traz à tona situações inusitadas como viveu o despachante Jessé dos Santos. " Às vezes, quem passa aqui pela rua faz gozação. Sempre tem um que pergunta onde é o pau da bandeira", diverte-se.
Moradora do Beco da Gasosa há mais dez anos, a comerciante Maria da Conceição conta que muitas pessoas associam o nome do beco ao consumo de bebida alcóolica. "Não tem nada de farra. Só no meio da semana que o pessoal toma aquela cervejinha básica, aí o pessoal fala", comenta a comerciante.
(Assista ao vídeo e conheça algumas histórias engraçadas sobre nomes de ruas e bairros de Salvador contada por moradores)
Já o bairro do Pau Miúdo desperta a curiosidade e o bom humor de quem não dispensa uma boa piada. A comerciante Neuza Araújo, moradora do local, disse que muitas vezes é "vítima" de brincadeiras, mas prefere entrar no clima. "Não importa se o pau é miúdo, se é da lima ou se é graúdo, o importante é a gente estar bem", conta.
Bairro do Pau Miúdo, em Salvador (Foto: Naiá Braga/G1 BA)
O decorador Carlos Araújo revela que já ameaçou processar uma empresa quando fazia o cadastro. "Eu fui fazer um plano, eles pediram meu endereço. Quando eu disse que morava no Pau Miúdo, eles deram risada. Eu disse que ia processar, mas acabei levando na brincadeira. A gente sabe quem que mora no Pau Miúdo, Pau da Lima, é assim", diz. Alto do Cabrito, Pau da Lima, Alto do Coqueirinho e Sete Portas também são nomes curiosos de outros bairros da capital baiana.
Herança religiosa
Segundo Dilton Araújo, professor de História da UFBA, os nomes de muitas ruas de Salvador têm relação com à religião católica. "Se você for observar, as ruas possuem nomes ligados ao catolicismo. Era cultural nomear assim", explica.
Além da religião, hábitos da época também influenciavam na hora nomear as ruas da capital baiana. Segundo o escritor e jornalista, Jolivaldo Freitas, autor do livro "Histórias da Bahia", a Rua da Forca, no bairro da Piedade, tem esse nome, pois na rua havia uma forca usada para matar os revoltosos durante o Império Brasileiro.
Placa identificando a rua da Forca, no bairro da Piedade, em Salvador (Foto: Naiá Braga/G1 BA)
Segundo Freitas, a Praça da Piedade tem esse nome por conta de um hábito. "Uma história interessante é a da Piedade, chamada assim por ser o local onde eram levados os presos para execução. Piedade em função do sentimento do povo. Os envolvidos na Revolta dos Alfaiates foram enforcados lá", afirma.
Hilário Bispo, vendedor ambulante, trabalha na Rua da Forca há nove anos e conta que se diverte quando as pessoas perguntam sobre o nome da rua. "As pessoas acham engraçado quando olham a placa. Eu não conto a história, eu dou risada também", relata Bispo.
Para Ricardo Carvalho, historiador e professor de História, o baiano tem um perfil curioso em relação à descoberta da própria história. " O baiano adora saber o porquê. Ele adora saber a história das coisas. A curiosidade com esses nomes tem a ver com a nossa singularidade. A gente se acha muito engraçado, muito jocoso", explica Carvalho.
Informalidade
Alguns locais em Salvador também são batizados pelo costume popular. Um exemplo é a Baixa dos Sapateiros, que oficialmente chama-se Avenida J.J. Seabra. Outra avenida mais conhecida pelo soteropolitano pelo nome popular é a Bonocô, que originalmente chama-se Mário Leal Ferreira. Assim como elas, existe também a Avenida Luís Viana Filho, comumente chamada de Avenida Paralela.
Para o antropólogo José Augusto Sampaio, muitos nomes oficiais de logradouros não se consolidam por conta da relação do soteropolitano com a informalidade. "É algo que eu acho muito peculiar em Salvador, os nomes oficiais de ruas não pegam. Acho que é porque existe uma forte relação do soteropolitano com o seu espaço urbano. Isso é superior à nomenclatura oficial", esclarece.
Ainda segundo Sampaio, a população mais antiga da cidade foi determinante para o crescimento da cultura informal. "Salvador tem uma população muito antiga. Essas pessoas têm uma relação importante tanto com o território quanto com esses nomes. Salvador é uma cidade onde a informalidade impera, diferente de São Paulo que é bastante institucionaliizada", reflete. Fonte: Correio