Certa vez, quando ainda era criança, Marivaldo Barbosa dos Santos estava desenhando em frente à sua casa. Um homem que por ali passava chamou sua mãe e disse: “toma cuidado, viu? Senão ainda vão roubar os desenhos desse menino”. Marivaldo, aos 12 anos, encarou aquilo como um elogio ingênuo. Hoje, após 40 anos de carreira como artista plástico, ele pensa que o momento se tratou de uma premonição.

Segundo conta, foi de grande espanto o dia 27 de junho, quando se deparou com uma de suas pinturas estampada em sacolas, no Supermercado Atakadão Atakarejo da Boca do Rio. As bolsas estavam sendo vendidas a R$ 4,59, tudo sem sua permissão ou devidos créditos. Num canto inferior, ele aponta o que seria metade de sua assinatura.

“O país já anda numa confusão cultural imensa e agora esses capitalistas estão roubando até o nosso pensamento. Como podem usurpar dos meus traços, do meu pensar, da minha dimensão do que é o povo?”, ele questiona, tomado por revolta. “Foi uma pintura minha que simplesmente xerocaram e colocaram a bel-prazer na sacola, pra multiplicar, multiplicar e multiplicar. Encher o bolso de dinheiro”, completa.

Com telas espalhadas pelo mundo, ele se intitula um representante do povo, algo que transparece em suas obras, através das quais retrata o cotidiano do cidadão comum. Pstana, como é conhecido no meio artístico, se vale do estilo cubista para interferir na sociedade em que vive. Uma sociedade repleta de pré-julgamentos e desvalorização.

Homem negro e periférico de Salvador, ele sente que em diversos momentos foi discriminado por essas características que são apenas motivos de orgulho. “Sempre faltou valorização. Agora lá fora, graças a Deus, meus clientes espanhóis, franceses, chilenos e argentinos me abraçam. Ficam loucos quando vêem meu trabalho”, afirma.

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Marivaldo é formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), participou da Rio+20, tem mural na Companhia das Docas do Estado (CODEBA) e outros feitos que celebra. Mas o trabalho sólido que construiu não o livrou de episódios de plágio ao longo da carreira. Ele diz inclusive que outra de suas artes foi copiada em um aeroporto.

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Situações como esta o entristecem, especialmente, porque seus quadros são expressões únicas. Pstana nunca se viu como um replicador. Por isso, buscou o auxílio do advogado Alexandro Boaventura e registrou um Boletim de Ocorrência referente ao caso do Atakarejo, no dia 16. A queixa por violação de direito autoral foi feita na 9ª Delegacia Territorial (DT) da Boca do Rio.

Boaventura conta que se reuniu com o setor jurídico do supermercado e sentiu o trabalho de seu cliente ser tratado com desdém, através de comparações com obras internacionais.

Informaram que uma empresa terceirizada seria a responsável pela cópia, embora a logomarca da rede de supermercados esteja presente na sacola. R$ 25 mil teriam sido oferecidos numa tentativa de acordo, um valor insuficiente para o advogado. “A gente não pode precificar o trabalho de um artista, principalmente numa situação dessa que se trata de um crime. Alguém precisa ser responsabilizado”, destaca.

A carne mais barata do mercado

O Atakadão Atakarejo teve seu nome envolvido em outra recente polêmica: a morte de dois homens negros que supostamente foram entregues a traficantes de drogas por funcionários de uma de suas filiais. O episódio é citado por Alexandro Boaventura, que aponta uma política discriminatória por parte da rede.

“Os negros não estão lá. Dentro do jurídico só vi pessoas brancas, o único negro que ali estava era eu”, relembra. O profissional de Direito chegou inclusive a representar um dos jovens do Nordeste de Amaralina que precisaram prestar esclarecimentos sobre as mortes de Bruno e Yan Barros. Boaventura reclama que “os grandes”, que mantêm as estruturas excludentes como são, não foram alvo das autoridades.

A seu ver, apenas quando mais pessoas que fazem parte de minorias sociais assumirem cargos de poder, seus semelhantes serão devidamente respeitados. É esse respeito que ele busca para Marivaldo Barbosa dos Santos.

Atakarejo fica em silêncio

O Bahia No Ar entrou em contato com a assessoria do Atakadão Atakarejo para tratar sobre o assunto, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para que a empresa apresente seus esclarecimentos sobre o ocorrido. Já o artista plástico que tece as acusações retorna à delegacia para prestar novo depoimento na segunda-feira (26).  

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