Cientistas brasileiros desenvolveram conectores de bambu capazes de conduzir eletricidade e líquidos por meio dos microcanais da espessura de um fio de cabelo localizados na estrutura da planta. A ideia é que no futuro conjuntos desses canais sejam agrupados e aplicados na construção civil para construir paredes.
Além de baratear o imóvel, usar o bambu como matéria-prima pode tornar o processo mais simples e sustentável.
Com verba destinada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), os autores do estudo patentearam a ideia em agosto de 2019. Eles ainda publicaram um artigo sobre o assunto no Journal Material Chemistry A, da Royal Society of Chemistry, no Reino Unido.
Hoje, eles já pensam no próximo passo e estão debruçados em experimentos, na tentativa de descobrir como transmitir dados por esses microcanais naturais.
A ideia de analisar as estruturas do bambu surgiu quando o pesquisador Omar Pandoli, do departamento de química da PUC Rio, fazia um pós doutorado na China há dez anos. Na época, ele conheceu o professor pioneiro em usar a planta como elemento de reforço leve e sustentável ao concreto na construção civil — no lugar do aço.
Na época, o professor pediu para que Omar tentasse preencher os microcanais internos do bambu com algum material em escala nanométrica. A intenção era aumentar a durabilidade e torná-lo mais resistente a ataques de micróbios e à própria decomposição natural.
“Ele queria preencher o bambu com algo que reforçasse a estrutura sem perder as características originais. Na época, tentei preencher com prata, que era a coisa mais barata”, afirmou.
Durante os estudos, ele percebeu que o bambu, ao contrário de outras plantas estudadas, possui microcanais dispostos em linhas naturalmente isoladas. Isso possibilita que sejam transportados materiais diferentes lado a lado sem que eles entrem em contato entre si. Uma vareta de bambu seria capaz de conduzir corrente elétrica e água sem que eles tenham contato. Algo complexo e caro, ele explica, caso fosse produzido industrialmente.
Aos poucos, ele passou a fazer testes químicos nesses microcanais por onde originalmente passa a água que alimenta a planta. Nesse momento, ele identificou que a estrutura desses vasos naturais reage bem a outros elementos, inclusive com boa aderência. O estudo rendeu três artigos científicos, dois publicados em 2019 e um em 2020.
Mas, para aproveitar ao máximo a estrutura do canal, ele precisava fazer estudos em uma escala ainda menor.
Eletricidade sem fio
Em 2018, Omar saiu do Rio para dar uma palestra em Campinas (interior de São Paulo), no Laboratório Nacional de Nanotecnologia. Ele falou a outros cientistas sobre seu estudo e a intenção de explorar os microcanais do bambu e suas reações orgânicas.
Da platéia, Murilo Santiago, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), levantou o braço e questionou. “Você já pensou em colocar materiais condutores nesses canais?”. A intenção dele era saber se a estrutura seria capaz de transportar energia elétrica de uma extremidade à outra, sem a necessidade de fios.
Omar respondeu que não, mas que poderiam fazer uma parceria para testar. Os grupos uniram forças e contou com o trabalho de três estagiários para fazer todos os testes necessários para comprovar a eficácia do sistema.
Em conjunto, os cientistas conseguiram pintar as paredes dos canais do bambu de maneira individual com uma tinta condutora de eletricidade e ainda deixaram espaço para que o microcanal permanecesse oco.
No estudo, eles provaram ser possível fazer os canais do bambu formarem um circuito elétrico e fornecer energia capaz de acender um led ou qualquer outro dispositivo que precise de corrente elétrica.
Uma das barreiras encontradas pelos cientistas para construir futuramente painéis sem fio capazes de conduzir eletricidade, dados e até líquidos são os nós que existem nos bambus.
Cada planta pode ter até dez nós que interrompem os canais. Os cientistas agora estão trabalhando para encontrar uma maneira de ligar um bambu ao outro mantendo o fluxo dos canais. Eles disseram já ter identificado possíveis caminhos.
Os pesquisadores também conseguiram desenvolver uma maneira de esquentar e manter aquecido o líquido dentro do condutor. Com isso, é possível programá-lo para que a água entre fria de um lado e saia quente do outro ou até permaneça quente no sistema, funcionando como um aquecedor. Esse sistema também poderia ser aplicado a um chuveiro, por exemplo.
Segundo os cientistas, em casos como esses, canais poderão ser agrupados para suportar uma vazão maior. Também é possível instalar um sensor eletroquímico no canal para avaliar a qualidade da água em tempo real numa piscina ou filtro, por exemplo.
“Nós criamos uma plataforma. Tudo o que você demandar, pode ser miniaturizado. Será possível fazer uma capinha de celular condutora, objetos de decoração, iluminação e todo o tipo de circuito miniaturizado”, afirmou o cientista Omar Pandoli.
Um metro por semana
De acordo com os cientistas, o Brasil possui 250 espécies de bambu e o Acre tem a maior floresta nativa de bambu do mundo. A maior vantagem é a facilidade de plantio e o rápido desenvolvimento. Algumas genéticas podem crescer até 1 metro por semana.
Os artigos publicados pelos cientistas sustentam que a alta disponibilidade da biomassa lignocelulósica do bambu permite o desenvolvimento em grande escala de uma produção industrial dos dispositivos testados.
Um dos argumentos que sustentam essa tese é que dos 9 milhões de hectares plantados de bambu na América Latina., metade está localizado no Estado do Acre. Hoje, eles afirmam que não há um plano industrial para o desenvolvimento de uma economia sustentável capaz de explorar os potenciais usos do bambu para torná-lo um material com alto valor agregado.
Apesar da abundância de bambu no Brasil, a espécie usada no estudo é de origem chinesa, conhecida popularmente como bambu gigante (Dendrocalamus giganteus). Essa cepa tem um diâmetro de até 30 centímetros, mas o mais importante para os cientistas são apenas as paredes da estrutura, onde estão concentrados de 20 a 50 microcanais.
Incêndios
Erguer casas de bambu e madeira não é novidade na construção civil. Mas usar um material altamente inflamável como condutor de eletricidade e calor é a maior preocupação dos cientistas brasileiros.
Por esse motivo, outros pesquisadores já iniciaram estudos para implantar algo que iniba a fonte de calor e evite que esses materiais possam oferecer qualquer risco de combustão.
“Temos que preservar a vida antes de qualquer coisa e o Brasil está na frente dessas pesquisas. Precisamos criar uma norma para esses materiais até que ele seja plenamente seguro, pois hoje ele se degrada e pega fogo com facilidade”, afirmou Omar Pandoli.
O grupo de cientistas recebeu agora um projeto no valor de R$ 500 mil para fazer a mesma pesquisa com outras três espécies diferentes.
Omar diz que tem o sonho de que os dispositivos de bambu sejam usados no futuro como um elemento didático.
“Quero que ele possa servir para ensinar alunos na prática o que é uma resistência, corrente ou voltagem. Hoje, micro reatores de vidro custam até 5 mil dólares. Eu queria aproveitar o baixo custo de produção proporcionado pelo bambu para criar uma economia básica para as escolas públicas.
Fonte: BBC