“No amor e na fé encontraremos as forças necessárias para a nossa missão”, essa frase de Irmã Dulce define de maneira sucinta a sua própria trajetória e legado de benevolência já admirado por milhares de pessoas, independente da religiosidade escolhida, mas que a partir do próximo dia 13, após sua canonização, ganhará de forma oficial o mundo. A freira baiana passará a ser conhecida como Santa Dulce dos Pobres.

O Bahia No Ar conversou com o primeiro e atual bispo da Diocese de Camaçari, Dom Giancarlo “João Carlos” Petrini, que embarcou nesta quarta-feira (9) com destino ao Vaticano, em Roma, para participar da celebração que será presidida pelo Papa Francisco.

Ao falar de Irmã Dulce, os olhos do bispo brilharam e a energia, que já era singela, se instaurou por completo no ambiente. Dom Petrini teve a dádiva de conviver com a freira e compartilhou um pouco dessa experiência.

“Eu cheguei na Bahia em 1989, antes estava morando em São Paulo. Logo conheci a Irmã Dulce, tenho até uma foto no meu escritório com ela, eu sinto muito orgulho por essa foto, por esse relacionamento que eu pude ter algumas vezes diretamente com ela, e outras vezes com pessoas ligadas à obra”, conta.

Foto: Dani Oliveira / BNA

Em seguida, tomado de ufania ele pontuou que a canonização de Irmã Dulce é uma “sacudida” aos tempos atuais.

“Nos obriga a pensar [questões como] ‘o que eu estou fazendo na vida?’, ‘como é que eu estou respondendo à Deus com a minha caminhada terrena?’.  Permita-me dizer logo algumas coisas que me impressionam em Irmã Dulce. A primeira coisa é que, diante daquela situação de pobreza e de miséria que ela observava na Cidade Baixa, na Ribeira [bairros de Salvador], ela tinha uma sensibilidade extraordinária. Porém, nunca se limitou em dizer assim: ‘ah que pena’, ‘ah porque que eles não resolvem?’, achando que outros deveriam tomar conta da situação. Ela se sentiu provocada em ela mesma dar uma resposta, mesmo não tendo grandes recursos. Uma irmã, uma freira, ela fez voto de pobreza, então não dispõe de nada, os bens que são do convento ela não tinha acesso porque não eram dela, são do convento. Mas, com grande coragem ela tomou a iniciativa e quando uma pessoa toma a iniciativa tem alguma coisa de Deus, quando uma pessoa toma a iniciativa de fazer alguma coisa boa certamente é Deus que está agindo dentro dela, através dela”, detalhou.

E seguiu acrescentando outras duas considerações. “A segunda coisa que me impressiona muito é o socorro que ela deu as pessoas que estavam com fome, que estavam doentes, com problemas. Ela reacendeu a esperança de um povo que andava desanimado porque tem carências, tem dificuldades, nunca encontrou um lugar, algum hospital, não tinha ninguém que cuidasse deles. E, de repente, encontraram uma pessoa. Esse povo encontrou uma pessoa que estava atenta as suas necessidades, isso é fantástico. A esperança voltou ao coração das pessoas”, elucida.

Já o terceiro ponto destacado por Dom Petrini traz à tona a bravura de uma baixinha de sangue nordestino, que fez de um galinheiro o reavivamento da esperança física e, sobretudo espiritual, de muita gente.

“A terceira coisa que me impressiona muitíssimo é a audácia. Ela recebeu um galinheiro e não teve nenhuma dúvida de que aquilo era um começo de uma coisa grandiosa, e claro, lutou, batalhou. Porém, quem é que dispondo de um galinheiro diz ‘bom, aqui, a partir desse galinheiro, vou fazer uma grande obra para acolher doentes, órfãos e abandonados?”. Mas, ela teve essa coragem e acho que nós necessitamos de aprender um pouco dela, a sensibilidade com os pobres, essa capacidade de dizer ‘isso é problema meu’. Eu não digo que é o governo que deve resolver ou que são os ricos que devem resolver, eu faço a minha parte e Deus, claro, multiplica as potencialidades de quem se dispõe dessa maneira”, ressalta.

Dom Petrini lembra ainda que, “quando uma pessoa, mesmo que não esteja muito ligada a igreja, houve a história de irmã Dulce percebe a grandeza dessa baixinha que serve como modelo inspirador, porque eu não estou parado só assistindo a televisão. Eu não posso fazer um hospital com mil leitos, mas posso fazer outra coisa, posso ajudar cinco crianças com um reforço escolar. E desta maneira, a sociedade pode se renovar por inteiro. A Irmã Dulce nos ajuda a entender e nos convida a perceber como é fundamental a relação com Deus, com Jesus Cristo, que nos permite ultrapassar limites e ter coragem para se lançar dentro de um horizonte que é maior do que as próprias possibilidades. Portanto, é um exemplo de espiritualidade poderosa que concede à pessoa uma fortaleza maior, é o dom do Espírito Santo; um deles é a fortaleza”.

“Além dessa espiritualidade ela teve um significado social, não somente com relação aos pobres, mas também juntamente com os colaboradores, inclusive alguns padres que foram muito próximos dela. Eles criaram atividades com os trabalhadores para ajudar a entender os próprios direitos e aprender como defender esses direitos junto às empresas onde trabalhavam, para que eles [trabalhadores] recuperassem a esperança e a dignidade, e tivessem a certeza de que não estavam lá somente massacrados por horas e horas de trabalho, sem ninguém que desse uma atenção maior as suas verdadeiras necessidades”, complementa.

Por fim, mas não menos importante, o bispo da Diocese de Camaçari evidencia a importância do exemplo de Irmã Dulce nos dias contemporâneos. “Temos especialmente em nossos tempos uma tendência tremenda de viver em um horizonte ‘acanhadinho’, cuidando do nosso interesse, daquilo que gostamos. De repente, é possível mover-se dentro de um horizonte que é infinito, desde os pobres que encontramos, ao poder de Deus que pode nos auxiliar”.

Celebrações da Diocese

Dom Petrini também falou ao BNA sobre as comemorações após a canonização da futura santa nas regiões metropolitanas.

“Estamos respeitando a prioridade de Salvador, evidentemente. Dia 13 [outubro] será em Roma, dia 20 [outubro], em Salvador. No dia 27 [outubro] nós fazemos uma peregrinação à Candeias e a imagem de Irmã Dulce [já como santa] caminha conosco, juntamente com a imagem de Nossa Senhora das Candeias. No dia 3 de novembro nos concentramos nas obras que Irmã Dulce realizou, e continuam vivas em Simões Filho, dali vamos caminhando até a Praça da Bíblia, lugar central bem próximo da Câmara Municipal e ali, teremos a Santa Missa”, numerou.

Durante a celebração da Santa Missa, em Simões Filho, no dia 3, o bispo de Irecê, Dom Tommaso Cascianelli, irá presidir a homilia que contará com relatos referentes à trajetória da nova santa.

Dom Tommaso, conforme lembra Dom Petrini, foi pároco na Paróquia onde hoje está situada as Obras Sociais de Irmã Dulce (Osid). O atual bispo de Irecê acompanhou Irmã Dulce também como diretor espiritual por mais de 10 anos.

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