Foto: Evandro Veiga

Depois da recusa em pagar o serviço de segurança, a ameaça. Ontem pela manhã, cinco consultórios odontológicos e dois bares amanheceram bloqueados com cola tipo Super Bonder nos cadeados nas Sete Portas. O produto foi despejado nos cadeados, impedindo o uso de chaves. Proprietários e funcionários dos estabelecimentos comerciais tiveram que serrar os cadeados para poder entrar.

A ação aconteceu depois que eles pararam de pagar um esquema de segurança que funciona pela noite na região — segundo eles, comandado por um policial militar. Os comerciantes e donos de clínicas pagam semanalmente R$ 45 para a segurança durante o dia.

No entanto, deixaram de pagar pelo serviço à noite — pelo qual pagavam o mesmo valor — porque contam que os estabelecimentos, mesmo com o pagamento, vinham sofrendo arrombamentos. O temor deles é que, a partir de agora, os estabelecimentos passem a ser alvos de invasões e saques como forma de obrigá-los a retomar o serviço.

Os comerciantes vêm pagando pela segurança há pelo menos dois anos. O dinheiro da semana é sempre coletado às segundas-feiras. A retirada é feita por um testa-de-ferro ou pelo próprio segurança.

Segundos os proprietários e funcionários, quem explora a segurança noturna é um sargento da PM. Teria partido dele a ordem para bloquear os cadeados. Durante o dia, ainda de acordo com os comerciantes, a exploração é dividida entre dois PMs, um das Rondas Especiais (Rondesp) e outro do Esquadrão Águia. Estima-se que pelo menos 50 estabelecimentos pagam pelo serviço — o que geraria um faturamento mensal de R$ 9 mil por turno para quem explora o serviço.

Os estabelecimentos afetados estão na Vila Góes, localizada entre a estação do Aquidabã e o Sinergia, nas Sete Portas. No local, funcionam cinco clínicas odontológicas, dois bares, um salão de beleza, um quiosque de lanches e um pet shop. Tem também uma residência.

Casos

Ao chegar para trabalhar, na Vila Góes, o dono de um dos cinco consultórios odontológicos não acreditou no que viu. Todas a unidades estavam com os cadeados com cola. “Dizem que fizeram isso lá para 2h da madrugada. Tive que contratar um chaveiro para serrar”, disse o dono, que não paga a segurança há cerca de um mês.

“Quanto ofereceram o serviço, disseram que seriam três seguranças, mas quando vim à noite encontrei apenas um para dar conta de toda a região”, disse o empresário, que já teve o consultório arrombado no ano passado.

“No dia seguinte, um dos testas-de-ferro disse para mim que o valor ia aumentar para R$ 65, por causa da inflação. Neguei. Foi aí que me ameaçou: ‘É, desse jeito as coisas vão ficar difíceis para o seu lado’, ouvi de volta”, contou ele, acrescentnado que tinha uma despesa mensal de R$ 360. “Era R$ 180 pela manhã e a outra parte à noite. Agora, pego só durante o dia. Ainda assim, me sinto refém. É obrigação do Estado a garantia de segurança”, criticou.

Mesmo com o consultório no seguro, um dentista, sócio do estabelecimento, sentiu, na época, a obrigação de pagar também pela segurança noturna. Isso porque sua clínica foi arrombada duas vezes nos anos de 2011 e 2012. “Nas duas ações levaram televisão e aparelhos de DVD”.

Ontem, o chaveiro que conseguiu abrir a clínica de um colega foi requisitado por ele para o mesmo serviço. “Infelizmente, estamos sujeitos a isso. Acredito que pode ter sido uma ordem do policial ou de policiais, já que eles estão sempre unidos”, contou o dentista.

Ao chegar em seu bar, um comerciante viu que apenas uma porta não estava com cola. Ele deixou de pagar a vigilância noturna há uma semana, quando usuários de crack roubaram os hidrômetros – o material é feito de cobre e é vendido em casas de ferro-velho.

“Primeiramente, pedi para que a segurança pagasse. Eles recusaram. Então, pedi para dividir o prejuízo. Negaram outra vez. Aí disse que não ia pagar e agora vi o resultado”, disse.

Segurança

O CORREIO encontrou um dos homens que fazem a segurança no local. “Trabalho para um policial militar amigo meu”, afirmou o rapaz, sob anonimato. Questionado sobre o nome do policial, ele respondeu: “Vou ficar lhe devendo”.

Em seguida, ele disse desconhecer quem pôs a supercola nos cadeados. “A gente, que conhece todo mundo da área, fala para os sacizeiros não chegarem perto. Como não trabalhamos armados, usamos a conversa”, disse.

Durante a conversa, o segurança segurava na mão direita, dois recibos. Questionado, se seriam da cobrança pelos serviços de segurança, respondeu: “Ah! infelizmente vou ficar te devendo mais uma vez”, disse, acrescentando que tem um curso de vigilância patrimonial há mais de um ano. “Trabalho para ganhar pouco mais de um salário mínimo”, garantiu.

Em nota, o Departamento de Comunicação da Polícia Militar informou que a denúncia será apurada, mas para tanto orienta os comerciantes a efetuarem o registro na Ouvidoria da PM. O registro pode ser feito por telefone (162), site (www.pm.ba.gov.br) ou atendimento presencial nos SAC Barra e Comércio, Quartel do Comando Geral (Largo dos Aflitos) ou na Corregedoria da PMBA, localizada na Rua Amazonas, n° 13, Pituba.

Delegado afirma que represália por não pagamento é extorsão

Segundo o delegado Willain Achan, titular da 2ª Delegacia Territorial (Lapinha), a ação de trancar os estabelecimentos em represália pelo não pagamento do serviço de segurança é configurada como crime de extorsão — cuja pena, segundo o Código Penal, é de quatro a dez anos de prisão. “É aquela velha situação de contrair vantagem indevida”, explicou.

Segundo ele, não há nenhuma queixa na unidade em referência ao assunto. “Tem que ter alguma coisa que informe. Formalmente, não chegou nada. Nem denúncia, queixa qualquer coisa nesse sentido”, disse.

“Normalmente, essas pessoas têm medo de sofrer represália. Ficam acuadas e nem sempre tomamos conhecimento do que está acontecendo”, continuou. Achan disse que as pessoas que se sentirem coagidas podem ir à delegacia ou denunciar anonimamente no 3235-0000 (Disque Denúncia).

O delegado Tiago Sena, responsável pelo Departamento de Comunicação da Polícia Federal, disse que também nenhuma queixa formal chegou à unidade, apesar de a situação estar mais restrita a atuação da Polícia Civil. “A nossa fiscalização é mais em cima de empresas de segurança constituídas, com uso de fardas, armas, outros equipamentos de segurança, mas que não estão homologadas pela Polícia Federal”, explicou.

A segurança nas Sete Portas, porém, é realizada de forma clandestina. No ano passado, a Polícia Federal fechou quatro empresas de segurança em Brumado: a Wizone Segurança Patrimonial, Siepes Segurança Especializada, Brumas Segurança e Elite Segurança foram fechadas por fazer segurança patrimonial e escolta armada clandestinas para comerciantes e empresas da cidade. (*Correio)