O depoimento de um amigo de Caio Silva de Souza, 23 anos, segundo o delegado Maurício Luciano, responsável pelo caso, coloca fim ao inquérito que investiga a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão durante protesto contra o aumento da tarifa do transporte público no Rio de Janeiro.

Esse amigo trabalhava com Caio no Hospital Estadual Rocha Faria, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, e teria dito que recebeu uma ligação do manifestante, na quinta-feira passada, dia do protesto em que ocorreu a morte.

Foto: Ruy Trindade / Estadão Caio Silva de Souza, sem camisa, em protesto na última quinta-feira

Na ligação, feita por volta das 19h30 a esse colega – que não teve o nome divulgado pela polícia – Caio teria dito: “Fiz besteira. Acho que matei uma pessoa”. Segundo Maurício Luciano, o depoimento formal desse amigo de Caio ocorreu na 17ª DP.

O rapaz já tinha sido ouvido anteriormente, mas de maneira informal. “Isso tudo só colabora para afirmarmos que foram Caio e Fábio (o tatuador Fábio Raposo, também preso por suspeita de participação na morte de Santiago Andrade) os responsáveis pela morte do cinegrafista”, disse o delegado.

Mudanças

Caio está, desde a noite de anteontem, preso no Complexo Penitenciário de Gericinó. Também está preso o tatuador Fábio Raposo Barbosa, conhecido como “Fox”. Na madrugada de ontem, Caio deu um novo depoimento para a Polícia e agentes da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), contrariando sua determinação anterior de falar apenas em juízo.

O advogado do acusado, Jonas Tadeu Nunes, que também defende Fox, não estava presente no relato. Nunes disse que pretende pedir a anulação do inquérito, já que não participou desse depoimento.

À polícia, Caio disse também que o rojão que matou o cinegrafista foi dado por Fábio e que ele pensou ser um sinalizador. Na entrevista dada na quarta-feira à repórter da TV Globo, no entanto, após ser capturado em hotel na cidade de Feira de Santana, Caio disse que achou que o artefato fosse um outro tipo de explosivo, o chamado “cabeção de nego”.

Dessa vez também, o auxiliar de serviços gerais disse que ele não teria acendido o objeto e que já o recebeu aceso das mãos de Fábio. À polícia, Caio disse ainda que colocou o artefato voltado na direção dos PMs. Na quarta, à repórter Bette Luchese, no entanto, ele negou, balançando com a cabeça, quando perguntado se tinha algum alvo específico.

Para o delegado que cuida do caso, Fábio Raposo e Caio de Souza estavam juntos e têm a mesma responsabilidade na morte do cinegrafista. “O fato de um acusar o outro de ter acendido o explosivo não muda nada. Não sei quem acendeu, só sei que os dois confirmaram que participaram da ação. Por isso, a pena é a mesma para os dois. Homicídio qualificado com dolo eventual e explosão de artefato”, afirmou o delegado.

‘Tenho pena dos dois rapazes’, diz viúva de Santiago

Tenho muita pena desses dois rapazes. Eles não tiveram amor”. A frase da viúva do cinegrafista Santiago Andrade, Arlita Andrade, surpreendeu a todos durante o velório, na manhã de ontem, no Cemitério Memorial do Carmo, no Caju, na zona portuária do Rio. Há apenas cinco dias, ela perdeu o marido, vítima de um rojão na cabeça enquanto cobria uma manifestação contra o aumento das passagens de ônibus na cidade.

Foto: Wilton Junior ] Estadão.Corpo do cinegrafista foi cremado na manhã de ontem. Amigos vestiram a camisa do Flamengo no velorio.

Apesar de gostar de coberturas inusitadas e de grande repercussão, Andrade se preocupava com a violência e a segurança contra sua equipe. “Eu falava: ‘Poxa, amor, faz uma coisa mais leve. Ele dizia, brincando: ‘Eu gosto de tiro, porrada e bomba’. O sonho dele era ser repórter cinematográfico”.

A filha de Andrade, a jornalista Vanessa Andrade, agradeceu aos presentes e afirmou que a morte do pai não será em vão. “Vou exigir que a Band dê segurança (aos funcionários)”. A pedido dela, diversas pessoas vestiam camisas do Flamengo como última homenagem ao cinegrafista. Arlita acrescentou os dizeres “Santiago, sempre te amarei”, nas costas.

Aliciamento

Caio contou ter ido ao Ocupa Câmara, quando ativistas ficaram acampados na Cinelândia, em frente à Câmara de Vereadores. E que na ocasião viu a chegada de até 50 quentinhas para alimentar os ativistas.

Ele afirmou ainda que tem pessoas que aliciam jovens para participar de passeatas. E que já foi convidado para participar de forma remunerada. Caio disse que não conhece essas pessoas que aparecem no meio da manifestação e que falam que, se tiver com dificuldade financeira para voltar na próxima, pode pegar com eles o dinheiro da passagem, bem como aparecem com lanches e quentinhas.

No depoimento, ele contou que não foi chamado pela ativista Sininho para as manifestações, mas que sabe que ela é uma das pessoas que organizam as passeatas e protestos. Caio disse também não achar que ela seja líder, mas manipula a forma como a manifestação vai acontecer.

Na quarta, a repórter perguntou a Caio se ele conhecia a ativista Elisa Quadros, a Sininho. “Nem sei quem é. Nem sei quem é a Sininho”. Caio disse também à polícia que algumas pessoas são encarregadas de distribuir pedras e apetrechos, mas não sabe quem são.

Perguntado se existem financiadores, disse que existem, sim, tais financiadores, mas que é preciso investigar por dentro. Ele diz acreditar que os partidos que levam bandeira são os mesmos que pagam os manifestantes.

Ele contou já ter visto bandeiras do Psol, PSTU e a FIP, que, segundo ele, são os financiadores. A FIP (Frente Independente Popular) seria responsável por organizar reuniões plenárias, mas que ele afirmou nunca ter participado desses encontros.

Em nota, o Psol declarou que nunca teve contato com os suspeitos, que são levianas as acusações. E que não utiliza nem defende a violência nas manifestações. O PSTU também divulgou nota em que nega ter qualquer ligação com black blocs.

Planilha mostra nomes de doadores para eventos

Dois vereadores do Psol e um delegado de polícia doaram dinheiro para um evento de fim de ano organizado pelos mesmos líderes das manifestações de rua do Rio. A lista foi divulgada, ontem, pelo site da Revista Veja, com base numa espécie de prestações de contas feita pela ativista Elisa Quadros, a Sininho, que circulou num grupo fechado do Facebook.

Os vereadores Renato Cinco e Jefferson Moura aparecem com doações de R$ 300 e R$ 400, respectivamente. O delegado Orlando Zacoone doou R$ 200. Outro citado é o juiz João Batista Damasceno, que segundo a lista teria contribuído com R$ 100. Ele nega.

O evento Mais Amor Menos Capital contou com apresentações musicais e refeições servidas para cerca de 300 moradores de rua da Cinelândia no fim de dezembro. A verba, de acordo com a lista, bancava de papel higiênico até rabanada. Zaccone confirmou que fez a doação.

Ele contou que foi procurado pelo grupo Ocupa Câmara para fazer uma palestra sobre o direto de liberdade de manifestações. “Decidi só dar o dinheiro quando fui ao evento e vi em que realmente o dinheiro seria gasto”, disse.

*Correio