Itinga e Areia Branca são bairros do município de Salvador. Ao ler essa frase, certamente, muitos lauro-freitenses estão revoltados e já esperam que a informação seja corrigida. Mas, sim: esses bairros constam na nova delimitação urbana que a prefeitura da capital pretende colocar em votação na Câmara de Vereadores em breve.

Porém, não precisa de briga: Itinga e Areia Branca são também bairros da cidade de Lauro de Freitas. Para as prefeituras, que têm convivido harmonicamente com essa divisão, o que aconteceu nas últimas décadas foi um crescimento desordenado dessas localidades, o que não respeitou as divisas oficiais desses dois municípios da Região Metropolitana de Salvador.

“Existe Itinga de Lauro de Freitas, onde iniciou o bairro, que foi crescendo a leste e transpôs os limites de Salvador, formando o que a gente hoje considera Itinga de Salvador, que é uma porção bem pequena em comparação ao bairro como um todo”, explica Reinaldo Braga Filho, coordenador das prefeituras-bairro da capital. No caso de Areia Branca, a situação é inversa: Areia Branca cresceu de Salvador em direção a Lauro, tendo a maior parte do seu território dentro da faixa de terra da capital.

Para os moradores, cidade é quem cuida. “Nunca vi a prefeitura de Salvador em Itinga pra nada. Se eles quiserem reivindicar o bairro vai ter guerra”, diz o professor de capoeira José Francisco dos Santos, o Gerson, 46. “Lauro de Freitas é como se fosse uma mãe adotiva de Areia Branca, quando a gente precisa de serviços não contamos com Salvador, mas com Lauro”, diz o motorista Anderson Carballal, 34.

Anderson conta que na Associação de Moradores de Areia Branca há uma predileção por Lauro de Freitas assumir todo o território. “Fora a questão política, Lauro de Freitas, por ser mais perto, é quem pode dar mais cuidado, exceto que Salvador queira assumir de verdade essa região, incluindo o Jardim Campo Verde, conhecido com Iraque, esquecido por Salvador”.

Serviços

A prefeitura de Salvador reconhece a insuficiência de serviços nessa região. “Existe esse problema em vários outros lugares e é natural que uma das prefeituras assuma, mesmo não havendo um acordo formal para isso. No caso de Itinga, a densidade demográfica é quase 100% dentro de Lauro de Freitas”, afirma Reinaldo. Para o gestor, a instalação das prefeituras-bairro pode minimizar essa deficiência de serviço.

O PL está pronto, segundo Reinaldo, e aguarda que o gabinete da prefeitura decida o momento oportuno para enviar para a Câmara. Para a secretária de Planejamento de Lauro de Freitas, Eliana Marback, Itinga e Areia Branca são bairros que são inteiramente atendidos por Lauro. “Estamos passando com um caminhão de lixo em uma rua que cruza os dois municípios, é óbvio que não vamos parar e dizer que daqui pra lá não vamos mais recolher o lixo”, ilustra. A secretária acredita que, mesmo com as fronteiras bem estabelecidas, a migração de serviços nessa região é inevitável.

Rio

Na casa de número 252 da Rua Quaresmeiras Vermelhas mora Zuleica Caldas, mãe do cantor Luiz Caldas. Para ela, a delimitação da cidade é feita pelo rio que passa nos fundos da sua casa. “Do outro lado do rio já é Lauro de Freitas, aqui é Jardim das Margaridas, Salvador”, diz ela.

Já a comerciante Maria Ângela dos Santos Rocha, 62, é quem mora na frente da casa de Zuleica, do outro lado do rio. “Aqui tem uma escola de Lauro de Freitas do lado, o transporte também é de Lauro. Mas, como o ponto em frente a minha casa é em Salvador, acabo pegando mais ônibus da capital”, diz. O terreno onde construiu a casa e um comércio já foi maior. “Eu saí pra deixar Jardim das Margaridas entrar. Desapropriaram para abrir a rua”.

Para o comerciante Carlos de Deus, 63 anos, o rio também é referência. Ele tem uma distribuidora de polpas de fruta que, apesar de oficialmente localizada na Rua Santa Cecília (Itinga), também faz parte da Rua Quaresmeiras Vermelhas (Jardim das Margaridas). “Tenho contas que chegam como Itinga, outras como Jardim das Margaridas, confesso que tem muita confusão”. Carlos cobra que haja uma melhor sinalização.

Praia

O bairro de Ipitanga é outro exemplo de bairro dividido, não só territorialmente, mas na opinião da população. Para alguns moradores, a divisão entre Salvador e Lauro de Freitas é no módulo policial, na Rua A. Outros consideram o kartódromo. Para os barraqueiros que ficam à direita do kartódromo, saber que oficialmente estavam em Salvador, em 2010, foi motivo de sofrimento. Isso porque a Justiça determinou a derrubada das barracas de praia da orla da capital tomando a pista de corridas como referência.

“Hoje a divisa é onde não tem barracas, apesar de a divisão da limpeza entre as prefeituras continuar a mesma, tendo o módulo como referencia”, conta o barraqueiro Francolino Dourado, 53. “Existe, inclusive, um debate sobre o condomínio Marisol, onde há dificuldade em estabelecer o território para fazer os licenciamentos.

Apesar de não haver previsão de atualização dos bairros de Lauro de Freitas, a secretária lembra que a pasta, desde o início da gestão, há quatro meses, está iniciando um estudo para revisão dos limites da cidade. A delimitação oficial de Lauro de Freitas é de 1969 (sete anos após a emancipação do município), de acordo com a Seplan.

Projeto prevê 160 bairros para a capital baiana

Oficialmente, Salvador tem somente 32 bairros, com base numa lei da década de 1960. Na prática, o número é bem maior. Por isso, um Projeto de Lei que está sendo finalizado pelo Executivo prevê 160 bairros. A contagem foi feita pela prefeitura em parceria com o IBGE, os Correios, Conder e Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social da Ufba.

“A principal mudança é do ponto de vista da gestão. Isso vai facilitar o agrupamento nas dez prefeituras-bairro, que vão fazer a interlocução com os órgãos executores da prefeitura”, disse o coordenador das prefeituras-bairro, Reinaldo Braga Filho.

A pesquisadora Elisabete Santos, coordenadora do Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social da Ufba, explica que bairros são diferentes de localidades. A diferença é feita por fatores como a noção de pertencimento da comunidade, a capacidade de atração de serviços e autonomia, como escolas, unidades médicas e transporte público, além de características urbanísticas e físicas, como o relevo local.

Dúvida cruel: onde fica o aeroporto?

Ele é o Aeroporto Internacional de Salvador, mas, por estar na divisa da cidade, por vezes existe a dúvida se está em solo da capital ou de Lauro de Freitas. Para a secretária de Planejamento de Lauro, Eliana Marback, não há dúvida. “Nosso entendimento é de que o aeroporto está em Salvador, apenas parte do terreno da Base Aérea, da União, está em Lauro de Freitas”, observa.

Reinaldo Braga, coordenador das prefeituras-bairro de Salvador, acredita que parte de uma das cabeceiras da pista de pouso fica em Lauro, mas considera que o aeroporto não só está na capital, mas é um bairro dele. “É um dos dois bairros institucionais de Salvador, o outro é o CAB, há uma população naquele lugar que trabalha durante o dia, tem banco, tem comércio”.

Matéria original: Correio 24h