Para alguns, parece o som de pratos caindo na cozinha. Há quem lembre do som de uma folha de alumínio balançando, ou de um caminhão descarregando toras de madeira. Na madrugada de ontem, a tempestade deu a chance dos soteropolitanos aguçarem suas reações sensoriais diante de um trovão.

No meio da noite, estudante foi despertado pelo barulho das trovoadas e pelo cachorro, que latia assustado. O jeito, então, foi ir até a varanda e registrar a noite incomum em imagens

Entre as 12h de quarta-feira e as 12h de ontem, 115 raios caíram em Salvador. Do dia 1º de janeiro até terça-feira, o total de raios na capital baiana foi 236. Na Bahia, só ontem foram 6.702 raios, dos 218 mil registrados nos primeiros meses do ano, segundo o Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto

Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“Em um dia, tivemos cerca de 50% dos raios que atingiram Salvador durante estes três meses e meio. Geralmente, as descargas que vêm do Amazonas se pavimentam e não se mantêm até a Bahia. Na madrugada de ontem foi diferente. Foi uma incidência alta, uma corrente de raios muito grande, atípica”, avalia o pesquisador e coordenador do Elat, Osmar Pinto Júnior.

Como o fenômeno não é frequente em Salvador, o estudante universitário Antonio Bruno Costa, 27 anos, que se diz fascinado por raios, abriu mão do sono para apreciar e registrar os clarões.

“Acordei com uma trovoada por volta das 2h da manhã. Meus sobrinhos acordaram chorando e meu cachorro muito assustado latindo e arranhando a porta de casa. Fiquei sentado na varanda observando a chuva e os raios, tanto que acordei atrasado para o trabalho”, conta.

Mas não são todos que veem com bons olhos a manifestação da natureza. “Tenho pavor de trovão e relâmpago. Conheço pessoas que morreram atingidas por raio, um em roça e outro em praia, por isso o meu trauma. Ontem fiquei desesperada. Me enrolei todinha e coloquei o travesseiro na cabeça. Meus filhos já sabem como fico quando tem trovão e raio. Eles me ligam e perguntam logo: ‘Já ta debaixo da cama, minha mãe?’”, contou a aposentada Genivalda Pinto Ribeiro, 65 anos.

“A principal preocupação deve ser não ficar exposto em locais abertos. É recomendado estar dentro de um local coberto, dentro de casa ou do carro. E nesses locais evitar equipamentos ligados à rede elétrica ou telefônica”, alerta o pesquisador Osmar Júnior.

Interior

Se a grande incidência de raios é incomum em Salvador, no interior o cenário é outro. Apesar de ainda estar fechando os números totais, o Elat já aponta a Bahia como o estado do Nordeste com maior quantidade de raios em 2012 e o terceiro em quantidade de raios por km² ao ano.

De acordo com o Elat, entre 2000 e 2010, a Bahia foi o segundo estado em número de mortes causadas por raios na região Nordeste (49), ficando atrás apenas do Piauí, que teve quatro a mais. Do total, cinco mortes no estado foram em Salvador.

Ontem, por exemplo, as cidades de Sento Sé, na Região do Vale do São Francisco, e Ibipitanga, no Centro-Sul, foram as que mais tiveram incidência de raios, com 502 e 266 raios, respectivamente.

“No oeste do estado da Bahia é grande a incidência de raios ao longo do ano por conta da proximidade com o Tocantins. Há uma mudança da região climática, se aproxima da região onde há mais chuva”, esclarece Osmar.

O especialista explica que os raios são uma descarga elétrica que ocorre entre partículas negativas nas nuvens e positivas no solo. É o aquecimento do ar que provoca o clarão, que é conhecido como relâmpago (e se diferencia do raio por não atingir o solo). Já o estrondo (o trovão) que ouvimos é provocado pelo deslocamento do ar, causado pelo aquecimento.

Os últimos levantamentos dos números repassados pela instituição foram realizados através da rede de sensores BrasilDAT, instalados em outubro de 2012 no estado e que tiveram, na madrugada de ontem, sua maior atividade desde a instalação.

“É o primeiro estado que tem uma rede de obtenção precisa. São oito sensores, com capacidade de alcance de 500 quilômetros, instalados em diferentes cidades. Em Salvador, o sensor fica na sede da Paralela (na Avenida Edgar Santos, em Narandiba). Juntos, eles medem precisamente onde caiu o raio com uma precisão de uns 200 metros”.

Clima

Abril, maio e junho são meses tipicamente chuvosos na Bahia, mas a especialista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Salvador Cláudia Valéria Silva explica que a forte tempestade da madrugada teve influência de uma frente fria.

Associada ao aumento das nuvens, as variações na direção dos ventos e a forte mudança de temperatura, as frentes frias provocam mudanças no clima, como visto ontem.

“A frente fria vem do Sul do Brasil e vai fazendo deslocamento para o Norte. Quando chega na Bahia, principalmente em Salvador e no Litoral Norte, normalmente se desloca para o oceano, deixando grupos de nuvens no litoral que provocam chuvas. Mas aí já não é mais uma frente fria sobre o estado, e sim uma influência”, explica Valéria. Colaborou Natália Aguiar.

Coelba muda esquema de atendimento com chuvas

Por conta do período da chuva, a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) fez uma mudança no atendimento dos chamados. Há, segundo a companhia, aumento de solicitações neste período. As ocorrências estão relacionadas a galhos de árvores e outros objetos que atingem a rede elétrica e até mesmo deslizamentos de encostas que chegam a derrubar postes, além do aumento de descargas atmosféricas que tem impacto no fornecimento de energia.

“Nesses períodos são priorizados os atendimentos às ocorrências que envolvam a segurança e preservação da vida da população (a exemplo de clínicas e hospitais) e aos desligamentos que afetem maior número de consumidores”, explicou a Coelba em comunicado.

As solicitações pode ser feitas pelo telefone (0800 071 0800), SMS (com o envio do número do contrato para 27308) ou pelo site, tanto convencional (www.coelba.com.br ), quanto na versão para celular (m.coelba.com.br). De acordo com a companhia, foram investidos R$ 11 milhões em medidas preventivas para evitar problemas na rede elétrica, como poda de árvores e instalação de equipamentos automatizados (que agilizam as manobras de normalização do fornecimento de energia nos casos de defeito provocados por curtos- circuitos).

Parte da casa de Neuza desabou e Defesa Civil já condenou o imóvel

Temporal de duas horas deixa lojas inundadas e derruba imóveis

Enquanto os raios assustavam a população, a chuva intensa causou prejuízos a pessoas como a vendedora Neuza Maria de Almeida, moradora da travessa Bom Jesus da Lapa, no IAPI. “Duas da manhã a água começou a invadir, eu não conseguia abrir a porta e comecei a gritar”, contou ela, que mora com o neto de 9 anos e perdeu tudo depois que parte de sua casa desabou.

Segundo a Defesa Civil Municipal (Codesal), a casa de Neuza terá que ser demolida. Diabética e hipertensa, Neuza afirma que se salvou porque se agarrou ao fogão. Ela fez questão de agradecer à vizinha Dinalva Lima dos Santos. “Ela salvou minha vida, segurou minhas pernas e o filho dela meus braços, para a água não me levar”.

De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), caíram 59,3 mm de chuva na capital baiana, na madrugada de ontem, em aproximadamente duas horas. O volume quase alcançou o que havia chovido até então no mês de abril. Do dia 1º até o dia 17, foram 65,7 mm.

O empresário Francisco Martinelli, dono da concessionária Motopema, calcula um prejuízo de aproximadamente R$ 1 milhão, devido à inundação da loja da Avenida Heitor Dias. Ali, 10 carros e 18 motocicletas ficaram submersos. Martinelli afirma que há dois meses, após uma forte chuva, comunicou o problema à Conder, órgão do governo responsável pela obra da Via Expressa Baía de Todos os Santos.

Na época, o engenheiro Bruno Vilas Boas, da construtora OAS, que executa a obra, esteve na loja e prometeu uma drenagem na área. Ontem, o mesmo engenheiro foi à Motopema e disse que o serviço estava previsto para o próximo final de semana. “O que mais revolta é o fato do não cumprimento do pedido anterior”, bradou Martinelli, que pretende processar o Estado e a construtora.

Até o final da tarde de ontem, a Codesal havia registrado 113 ocorrências, incluindo 3 desabamentos de imóveis, 36 deslizamentos de terra e 6 árvores caídas. No interior, a cidade mais prejudicada é Jaguaquara, no Sudoeste. Cerca de 180 famílias estão em situação de risco por causa dos temporais, que deixaram o município em situação de calamidade. Jaguaquara vinha sofrendo com a seca. A cidade é uma das 96 no estado que enfrentam o racionamento

de água.

Fuja dos raios

PROCURE ABRIGO em veículos cobertos, casas ou prédios

EVITE USAR telefone com fio ou celular ligado ao carregador, assim como equipamentos ligados à rede elétrica. Não ande a cavalo

EVITE FICAR PERTO de tomadas, portas e janelas metálicas, objetos metálicos longos (como varas de pescas), cercas de arame, árvores, topos de morros ou de prédios e áreas abertas

EM LOCAL EXPOSTO se sentir os pelos arrepiados ou a pele coçar, isso pode indicar a proximidade de um raio. Ajoelhe-se e curve-se para a frente, colocando suas mãos nos joelhos e sua cabeça entre eles. Não se deite

Fonte; Correio