Uma reportagem polêmica divulgada na noite de domingo (8), produzida pela equipe do Fantástico, exibido na TV Globo, mostrou a situação irregular das merendas distribuídas para os estudantes de escolas públicas do Brasil.
Em um mês de investigação jornalística, o programa encontrou comida estragada, vencida, mal armazenada e sem condições de ser consumida.
Foram mais de 50 colégios – estaduais e municipais – visitados em cinco estados: São Paulo, Goiás, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia, onde algumas escolas apresentaram muitos problemas.
Em Itaparica, foram a duas escolas municipais.
Uma funcionária contou que quase não tem merenda e, naquele momento, só havia açúcar no estoque.
Desde o início do ano, a geladeira da escola está vazia, apenas com água.
Em Nazaré, as refeições dos mais de quatro mil alunos da cidade saem de uma cozinha da prefeitura.
Segundo uma funcionária, as crianças comem biscoito de má qualidade por pressão do fornecedor dos alimentos.
Após saber sobre a reportagem, a prefeitura cancelou o contrato com o fornecedor e informou que a nutricionista pediu demissão.
Em uma escola municipal de Santa Teresinha, também no interior da Bahia, a tubulação de esgoto passa pela cozinha.
O charque estava sem data de validade e entre os sacos de comida, muitas formigas.
Em novembro de 2010, a Polícia Federal na Bahia prendeu sete prefeitos.
Dentre a acusações, desviar verbas federais para favorecer uma empresa distribuidora de merenda, que superfaturava preços e não entregava comida.
Entre os políticos presos, estava o prefeito de Santa Teresinha, Agnaldo Andrade, que ficou dois dias na cadeia e continua no cargo.
Já em uma escola municipal em Vera Cruz, cidade baiana na Ilha de Itaparica, toda a merenda estava estragada.
Também foram encontradas embalagens de arroz dentro do prazo de validade em local inadequado, ao lado do banheiro.
Apesar do arroz estar no prazo, o macarrão estava com bicho.
“Isso não representa a realidade do município na gestão da merenda escolar nem na gestão da educação de modo geral.
Não vai acontecer mais de maneira nenhuma”, assegura o prefeito de Vera Cruz, Magno de Souza Filho.
Este ano, o Ministério da Educação vai repassar mais de R$ 3 bilhões a governos estaduais e prefeituras do país para a compra de merenda.
O objetivo é beneficiar 45 milhões de estudantes.
A Controladoria-Geral da União ajuda a fiscalizar como o dinheiro é gasto.
Fotos tiradas pelos fiscais da controladoria são a prova do descaso.
O Ministério da Educação (MEC) determina o que deve ter no prato dos estudantes.
A merenda precisa suprir, no mínimo, 20% das necessidades nutricionais diárias e ter pelo menos três porções de frutas e hortaliças por semana.
Doces e alimentos enlatados, semiprontos e embutidos podem ser oferecidos, mas com moderação.
Brasil
Em São Bento do Tocantins, por exemplo, foi encontrado um sapo ao lado da comida.
Em Branquinha, Alagoas, não havia água potável no colégio e no armário da merenda, um foco de baratas.
Já em São Paulo, Genivaldo Santos é ex-sócio da Verdurama, empresa paulista do ramo de refeições prontas.
A merenda é terceirizada quando a cidade contrata uma empresa e paga para que ela fique responsável pela alimentação dos alunos.
Genivaldo, que esteve à frente da Verdurama entre 2002 e 2008, foi interrogado em março deste ano por um promotor de São Paulo.
“Eu tinha a finalidade de pagar algumas propinas de alguns municípios.
A média da propina era de 10%”, revela.
Esse valor corresponde a cerca de R$ 70 milhões de propina por ano.
O ex-sócio da Verdurama aceitou contar tudo em troca de uma possível redução da pena.
Genivaldo Santos confessa que, durante a gestão dele, as refeições servidas em 28 cidades de cinco estados eram de péssima qualidade.
Em nota, a atual direção da Verdurama diz desconhecer o pagamento de propina e que se há algum responsável pelas supostas irregularidades, ele é Genivaldo Santos.
Enquanto isso, uma testemunha-chave em uma investigação contra a prefeitura de Taubaté, no interior paulista.
O homem acusa o atual prefeito, Roberto Peixoto, e a primeira- dama de receber propina de uma empresa de merenda chamada Sistal.
Ele diz que, duas vezes por mês, durante três anos, entregou dinheiro da corrupção para o casal.
Em nota, a Sistal diz que jamais pagou propina a Roberto Peixoto.
Sobre essa nova denúncia, o prefeito de Taubaté disse que a equipe deveria falar com o secretário de governo.
“É uma acusação descabida.
O objetivo do prefeito não era ter nenhuma vantagem pessoal com este contrato.
Muito pelo contrário, era melhorar a alimentação, a merenda escolar da nossa cidade.
A casa de shows pertence ao seu genro, portanto, não tem nenhuma ligação jurídica ou econômica com o prefeito”, afirma o secretário de Governo de Taubaté, Adair Loredo dos Santos.
Depois de três anos de investigações e mais de 40 pessoas ouvidas, o Ministério Público de São Paulo acusa seis empresas de participar da máfia da merenda.
“Eles se reuniam frequentemente na capital de São Paulo e dividiam o mercado de licitações no Brasil todo”, conta o promotor de Justiça de São Paulo Arthur Pinto de Lemos Junior.
Uma das empresas investigadas é a SP Alimentação.
O dono, Eloizo Durães, chegou a ser preso ano passado, acusado de pagar propina a dois vereadores de Limeira, interior paulista.
Entre as 13 cidades atendidas pela empresa, estão quatro capitais: São Paulo, Recife, São Luís e João Pessoa.
Recentemente, em 9 de fevereiro, a Promotoria de Defesa dos Direitos da Educação entrou na Justiça com uma ação civil pública apontando irregularidades na merenda de João Pessoa.
São réus o prefeito Luciano Agra e a SP Alimentação.
O Fantástico foi a uma escola municipal de João Pessoa, com cerca de 800 alunos.
A merenda do dia foi mungunzá, uma comida típica do nordeste, à base de milho e coco.
Mas muitos alunos recusam o mungunzá da escola.
Reclamam do gosto ruim.
Parte da merenda vai para o lixo.
Em um documento de 2010, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação apontou que os cardápios das escolas de João Pessoa não atendiam às necessidades de calorias e de alguns nutrientes.
E, de acordo com o Ministério Público, ex-nutricionistas da SP Alimentação eram obrigadas a transportar alimentos em seus carros particulares, gerando grave risco de contaminação.
Em uma a outra escola da capital da Paraíba, onde estudam cerca de 700 crianças, a equipe de reportagem acompanhou a entrega da carne.
Sob sol forte, a uma temperatura de 31ºC, a carne é transportada em um veículo não refrigerado.
A comida chega a ser colocada em cima do carro.
Em janeiro, o Ministério Público recomendou à prefeitura que o contrato com a SP Alimentação não fosse prorrogado.
Mas isso não aconteceu.
A Secretaria de Educação de João Pessoa disse que a contratação da empresa foi acompanhada pelo Tribunal de Contas da União e que está dentro da lei.
Alegou também que a maioria das crianças aceita bem os alimentos servidos.
Também em nota, a SP Alimentação disse que obedece a todos os procedimentos legais e que 90% dos diretores das escolas de João Pessoa aprovam a merenda da empresa.
Das mais de 50 escolas que o Fantástico visitou, entre os vários flagrantes de descaso, foi encontrada uma situação que é um resumo do que acontece em muitos colégios públicos.
Uma escola estadual que fica em Águas Lindas de Goiás tem quase 2,3 mil alunos e um apelido: Carandiru – referência ao famoso presídio paulista que já não existe mais.
Na instituição, a merenda só sai, diz a diretora, por causa do esforço dos funcionários.
A Secretaria de Educação de Goiás diz que vai tomar providências, inclusive na escola que tinha gatos na cozinha.
As informações são da TV Globo.
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* Fonte: CDB