Você vai ao banheiro, faz o que tem que fazer, dá descarga e imagina que tudo aquilo vai pra onde? Tudo bem, você não faz esse exercício de imaginação regularmente. E talvez seja melhor mesmo, porque em metade da Bahia tudo aquilo vai pra diversos lugares, menos para onde deveria ir.

E para cerca de um milhão de baianos, o tal exercício de imaginação sequer faz sentido. Isso porque eles nem banheiro têm. Na Bahia, apenas um em cada quatro municípios (103 dos 417) tem rede de esgoto instalada. E, ainda que tenham banheiro, metade dos domicílios do estado acaba descartando o esgoto de forma inadequada — diretamente em fossas negras, valas ou até mesmo em rios, lagos ou mar. Os dados são do IBGE e do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

No município de Pilão Arcado, Norte do estado, que tem uma população de cerca de 35 mil pessoas, metade das casas está nessa situação, de acordo com dados do IBGE.

O jeito? “Fazemos no mato mesmo. No mato. A gente não tem como fazer uma casa boa, um banheiro. Tudo aqui é mais atrasado”, conta dona Nilza, 51 anos, que mora com o marido, dois filhos e uma neta numa casinha de taipa de dois cômodos no povoado de Pedrinhas, em Pilão Arcado. Ela, que vive da roça e da pesca, nunca teve banheiro em casa. “Só usei na casa dos outros”.

Das cerca de 15 casas do povoado, quase todas de taipa, “só em umas quatro” tem banheiro, segundo Josilene Alves de Souza, 27 , que não mora em nenhuma delas. “Muitas vezes, à noite, dá dor de barriga e a gente tem que sair correndo pro mato”, diz ela, que mora com o marido e três filhos — de 4 meses, 2 e 3 anos. Ela e o marido contam com o Bolsa Família e com a roça para sobreviver. Enquanto falava com o CORREIO, o bebê em seus braços chorava. “Ele tá com disenteria e febre”, contou, afirmando que é comum crianças por ali sofrerem com diarreia. “É o calor…”, supôs, para depois ponderar: “Deve ser também por causa do vento”.

O engenheiro ambiental Jorge Glauco Costa, professor da Uneb, explica que a falta de investimento em esgotamento acaba por cobrar a conta justamente no sistema de saúde. “Existe uma sobrecarga enorme em cima do SUS por conta de doenças decorrentes da ausência desse esgotamento: verminoses, hepatite, cólera, diarreia e a própria dengue”, explica. “A população acaba demandando mais a saúde, há mais afastamentos de trabalho e, com isso, até prejuízos à economia”, explica.

A prefeitura reconhece o problema. “Essa metade (de casas sem banheiro) é de pessoas que moram na zona rural, em roças”, explica o chefe de gabinete do prefeito, Wagner Santana. “Algumas dessas pessoas foram cadastradas em um programa de construção de banheiros. Na sede da cidade existiam muitas casas que não tinham e ganharam. Foram construídos uns 200 banheiros no ano passado”, concluiu.

Como a cidade aguarda até o fim do ano a conclusão da rede de esgoto, além dos 49,84% dos domicílios sem banheiro, em outros 42,38% dos imóveis, o esgoto é direcionado para uma fossa rudimentar — a chamada fossa negra, que não oferece nenhum tratamento e é considerada inadequada pela ONU, que só avalia como adequado o descarte através de redes ou fossas sépticas — nas quais o esgoto é isolado e neutralizado por micro-organismos antes de ser enviado a um sumidouro.

Dom Basílio

Mas Pilão Arcado, definitivamente, não está sozinha. O município de Dom Basílio, Centro-Sul baiano, é recordista estadual em mau esgotamento: ali, somente 0,44% dos domicílios têm ligação com algum sistema adequado (ver mapa completo ao lado). Assim como acontece com Pilão Arcado, o município não tem nenhum serviço de esgoto. Ao todo, 80,51% dos imóveis usam fossas negras e 16,7% não têm banheiros, segundo o IBGE.

Para se ter uma ideia, em Salvador, apenas 0,42% dos domicílios não têm banheiro. E a capital tem 93,12% de esgotamento adequado — 90,8% de cobertura de rede de esgoto.

Consultado, o coordenador do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Dom Basílio, José Bonfim, reconheceu que a situação é preocupante. “O Saae não tem tanto recurso. Estamos fazendo o possível nessa nova administração. Vamos contratar um engenheiro e acho que até o final do ano já teremos um projeto”, previu.

Ranking nacional

Apesar dos números negativos, os 51,6% de domicílios que têm esgotamento adequado colocam a Bahia na 10ª posição no ranking nacional. “As regiões Norte e Nordeste são do padrão da Bahia. Quando existe o sistema, ele é ineficaz. Em São Paulo, é melhor que o da Bahia, mas é longe do ideal. No Brasil, o investimento em ‘obra enterrada’, que ninguém vê, é pequeno. No Norte/Nordeste é precaríssimo. No Brasil é ‘só precário”’, compara o professor Jorge Glauco.

Consultada sobre os problemas de esgotamento no interior, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Sedur) informou, em nota, que a realidade se deve “sobretudo à indisponibilidade de recursos financeiros para investimento na ampliação da infraestrutura necessária para a prestação desses serviços, antes de 2002”.

O comunicado diz ainda que os responsáveis pelo serviço de esgotamento são os municípios, cabendo às prefeituras decidir a quem vai conceder o serviço. A Embasa atua em 81 municípios no estado.

A nota acrescenta que a Embasa presta os serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto doméstico, mas a rede interna de imóveis, que inclui tubulações, ralos, vasos, pias etc, é de responsabilidade do proprietário.

*Correio.