Em meio à lama e poeira que tomaram conta de Governador Valadares desde o final de janeiro, quando chuvas fortes atingiram todo o estado de Minas Gerais e o Rio Doce subiu quase quatro metros acima do seu nível normal e transbordou pela cidade, o pó que surge na água das residências impressiona.

Para tirar a lama dos pisos e das paredes, vassoura e rodo não bastam. A massa densa é escura e grudenta, e só sai com equipamentos de alta pressão e produtos pesados, como cloro.

Morando à beira do Rio Doce há cerca de 20 anos, o microempreendedor Ageu José Pinto diz que é a primeira vez que vê algo desse tipo. “Nunca vi enchente com essa lama, nem com minério”, diz. “Achamos que era uma cheia normal, só percebemos quando começamos a limpar a casa. Por mais limpa que esteja, vai ficando aquela tinta mineral brilhosa na cerâmica. E depois que baixou tudo é que começamos a ver que as ruas estavam tomadas de lama, e que tinha muito minério junto.”

Ecos de Mariana

Em 2015, quando rompeu a barragem de Fundão, da mineradora Samarco — empresa controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton —, Governador Valadares teve seu fornecimento de água suspenso por mais de uma semana.

Após a tragédia, que deixou 19 mortos e um rastro de destruição por onde passaram os 40 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto local precisou reaprender como tratar aquela água que se tornou barrenta, turva e cheia de peixes mortos, que os moradores ainda descrevem como parecida com chocolate.

De lá para cá, a relação da cidade com o Rio Doce nunca mais foi a mesma: quem vivia da pesca ou da extração de areia nunca mais pôde exercer a profissão. Além disso, muitos moradores desconfiam até hoje da qualidade da água; deixaram de beber a água da torneira e incorporaram o hábito de comprar água mineral.

Para reparar os danos, um Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta, TTAC, foi assinado em março de 2016 pela mineradora Samarco, por suas acionistas Vale e BHP Billiton, pelo governo federal e pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Conforme o acordo, foi criada a Fundação Renova, a quem cabe, com recursos das mineradoras, tomar as medidas necessárias.

Segundo a Renova, foram indenizadas 142,1 mil pessoas pelos problemas no abastecimento, em um total de R$ 147 milhões; e outras 301 famílias por danos morais, materiais e/ou lucros cessantes, em cerca de R$ 19 milhões entre 2016 e 2019.

A prefeitura destaca que a lama que invadiu ruas e casas em 14 bairros da cidade, deixando centena de desalojados, tinha um cheiro forte, era viscosa e cheia de minério, como nunca a cidade viu.

“O barro fininho e arenoso que ficava nas ruas quando a água baixava nas enchentes anteriores foi substituído por uma lama densa, viscosa, abundante e com visíveis sinais de minério. Um resíduo de limpeza muito mais difícil, demorada e que exige muitos mais recursos”, queixou-se o prefeito André Merlo em nota pública divulgada no dia 4 de fevereiro, quase uma semana depois da cheia.

A Renova afirma que recebeu pedidos de apoio para recuperação após as chuvas de “diversas prefeituras” e que a fundação “aguarda aprovação, de forma emergencial, em sua governança interna, para poder implementar ações de apoio a esses municípios”.

Para alguns moradores, encontrar o pó brilhante dentro de casa traz de volta o receio de que os rejeitos do minério de ferro jogado no rio durante o desastre de Mariana tenham voltado à superfície com as chuvas. O medo é de que sejam substâncias tóxicas, que façam mal à saúde de quem é exposto a elas.

Fonte: BBC

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