Dono de um estande na Ceasa do Rio Vermelho, Ademar Marques já não aguenta mais a queixa dos clientes por causa dos preços das verduras e frutas que vende. “O povo toma é susto quando bota na balança e vê que vai pagar quase R$ 1 por cada tomate”.
Funcionário de outro estande, Adeílson José conta que o patrão já desistiu de vender o feijão mulatinho. “Está tão caro que a gente nem está querendo mais vender, para não ouvir as reclamações”.
O tomate e o feijão foram dois dos produtos que mais aumentaram de preço no último ano. Segundo o comerciante Otávio Conceição, no ano passado, o mulatinho chegou a ser vendido por R$ 3,50 o quilo. Ontem, no único boxe que ainda se atrevia a vender o produto, ele custava R$ 14. Já o tomate, que já custou R$ 3 o quilo na Ceasa, hoje é vendido a R$ 7. E se dê por feliz quem ainda encontrar esses produtos.
Ontem, no supermercado Extra da Vasco da Gama, o CORREIO não achou nem um saquinho de feijão mulatinho para contar a história. Já os tomates, só havia os verdes, a R$ 5,49 o quilo. “Estou aqui assustada com os preços. Já tem uns meses que tudo não para de aumentar: o leite, o café, o feijão…”, reclamava a aposentada Francisca Santana, que precisa comprar, mensalmente, 36 caixas de leite para dar aos sete netos.
“Minhas filhas compram, mas quando acaba vai tudo para a casa de vovó”, brinca. O litro, que já saiu por R$ 1,50, hoje sai por R$ 2,42. Isso porque Francisca escolhe uma marca relativamente barata. Quem quiser alimentar a prole com leite Ninho vai ter que desembolsar quase R$ 9 por lata de 400 g.
E a lista dos alimentos que não param de inflacionar parece não ter fim: farinha, maracujá, abacaxi, batata… “Teve uma segunda-feira que o preço da saca (de 50 quilos) de batata mudou duas vezes. Às 9h era R$ 200, 10h aumentou para R$ 220 e meio-dia foi pra R$ 250”, reclamou seu Ademar, da Ceasa.
Ele também reclama dos abacaxis. “Tive que pagar R$ 300 no cento daqueles abacaxis miudinhos ali. Estou vendendo a R$ 4, não ganho quase nada”. No ano passado, o comerciante chegou a pagar R$ 0,70 por cada fruta. “Vendia por R$ 2 e eram bem mais bonitos, graúdos”, compara o comerciante.
Os alimentos de origem animal também continuam aumentando, mas em percentuais menores. O vendedor da Ceasa Joel Barbosa conta que no último mês houve reajuste na dúzia do ovo caipira e na galinha caipira, que é vendida inteira. Os ovos aumentaram de R$ 7 para R$ 9, e a galinha, de R$ 18 para R$ 19,90.
Já o quilo da carne de carneiro, vendida em outro estande, aumentou de R$ 19,90 para R$ 24,90. Por lá, o pernil suíno, que antes custava
R$ 13,90, agora sai por R$ 16,90. “O cliente acha caro, mas eles pesquisam e sabem que não é só aqui, que está caro em todo lugar”, diz a proprietária do estande, Neuza Leite.
Problemas climáticos
No entanto, segundo o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, os alimentos que podem ser considerados os maiores vilões da inflação são os in natura, como hortaliças, legumes e frutas. Isso porque é normal que os preços subam no Verão, quando o calor excessivo atrapalha as plantações.
A regra, porém, é que os preços se normalizem com a chegada do Outono, o que não vem acontecendo nos últimos dois anos. “Em 2011, o preço estava baixo, o que desestimulou os agricultores a plantar. Aí, em 2012, tivemos o Verão, que é época de alta, e depois um Inverno mais rigoroso no Sul e no Sudeste, o que prejudicou as plantações e fez os preços aumentarem mais”, explica Braz.
Depois veio esse Verão e novos aumentos. Ou seja, na época em que os preços deveriam ter baixado, isso não aconteceu, e os aumentos só estão se acumulando de dois anos para cá.
Isso se soma à seca que atingiu o Nordeste no ano passado (e ainda persiste), acabando com as plantações e matando os animais. “A situação é dramática, e os impactos desta seca serão sentidos por mais de uma década”, previu o secretário estadual da Agricultura, engenheiro agrônomo Eduardo Salles, ontem, durante uma reunião com os gerentes regionais da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA).
Segundo ele, uma reunião será realizada no dia 19, em Petrolina (PE), para discutir as ações preparatórias pós-seca, visando a recuperação de pastos e dos rebanhos. “Vocês estão na ponta, sentindo o drama mais diretamente, e precisam estar prontos para enfrentar a situação”, disse aos gerentes.
Ainda com relação à seca, o economista André Braz lembra que ela não prejudicou apenas o abastecimento do Nordeste, uma vez que a safra das outras regiões do Brasil, que antes serviam apenas a elas, tiveram que ser divididas com o Nordeste. Tudo isso colaborou para um impacto de 10% no orçamento das famílias nos últimos 12 meses.
Os alimentos e bebidas pesaram 23,12% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre março do ano passado e fevereiro deste ano, que teve uma variação de 6,3%.
Datafolha: 69% perceberam alta nos alimentos
Uma pesquisa divulgada esta semana pelo Instituto Datafolha revelou que sete em cada dez consumidores brasileirosperceberam aumento nos preços de alimentos, presentes ou não na cesta básica nos últimos dias. À pergunta “Você diria que, nas últimas duas semanas, notou aumento, diminuição ou não notou mudanças nos preços dos alimentos?”, 69% dos consumidores responderam “aumento”. Outros 22% disseram não ter notado nem aumento nem redução, e 5% viram baixa. A pesquisa foi feita em 20 e 21 de março com 2.653 entrevistados em 166 cidades.
Os alimentos foram os principais vilões da inflação, segundo a percepção dos consumidores. No entanto, os reajustes de outros produtos também foram sentidos pelos entrevistados. Quando questionados sobre material de limpeza, 56% responderam que notaram aumento de preços. Já em relação aos produtos de higiene pessoal, 55% disseram ter notado alta nos valores.
Outro levantamento, divulgado pelo Procon de São Paulo na semana passada, mostrou que o preço da cesta básica havia caído pela segunda semana consecutiva na capital paulista. Mas a inflação de alimentos segue elevada.
A alta é mais sentida pelas famílias de baixa renda, já que os preços dos alimentos mais consumidos por quem ganha até 2,5 salários mínimos subiram mais que os da média da população. O indicador que mede a variação de preços em 12 meses para as famílias com ganho mensal de até 2,5 salários mínimos, em fevereiro, foi de 6,94%, nível superior ao da média dos brasileiros, que registrou 6,04%. Para a população mais pobre, 30% do salário é destinado às compras de supermercado, enquanto para a média dos brasileiros os alimentos representam 20% das despesas.
Salvador tem o almoço fora de casa mais caro da região Nordeste
Salvador tem o almoço fora de casa mais caro entre as capitais do Nordeste. É isso o que revela a Pesquisa Refeição Assert Preço Médio 2013, divulgada esta semana pela Associação das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador (Assert).
Os soteropolitanos desembolsam, em média, R$ 26,59 para almoçar em estabelecimentos que recebem vales, tíquetes e cartões refeição e que trabalham com as opções de comercial (prato feito), autosserviço, executivo e a la carte. O valor é inferior à média brasileira (R$ 27,40) e superior à média nordestina (R$ 23,74), região com a refeição fora de casa mais barata do país. Dentre as capitais nordestinas – a única que não entrou na pesquisa foi Teresina – o posto de almoço mais barato ficou com Fortaleza, com o almoço custando, em média, R$ 21,18.
Depois de Salvador, as duas capitais mais caras são Maceió (R$ 26,03) e Recife (R$ 25,27). O tipo de refeição mais barato no país, de acordo com a pesquisa, é o prato comercial (prato feito, o famoso PF), com preço médio de R$ 17,64, seguido pelo self service (R$ 21,43). O prato executivo sai, em média, por R$ 33,45 e o almoço ‘a la carte’ por R$ 44. Foram visitados 4.440 estabelecimentos em mais de 40 cidades brasileiras.
Preços não baixaram após redução de impostos federais
No dia 8 de março, a presidente Dilma Rousseff anunciou, em rede nacional, a desoneração dos produtos da cesta básica. Mas nada aconteceu e os preços dos alimentos continuaram aumentando, o que fez com que a presidente cobrasse dos empresários de supermercados que fizessem a parte deles.
“O governo acha que é fundamental reduzir o tributo. Agora, nós precisamos que essa consciência seja também dos empresários, dos senhores donos dos supermercados, dos produtores, para que, de fato, a desoneração seja algo que todo mundo ganhe”, disse, em 15 de março.
Segundo o economista André Braz, antes de acontecer a deflação está acontecendo a desaceleração da inflação. “Os alimentos continuam subindo, mas agora estão subindo menos. Vai chegar o dia em que vai acontecer a deflação, mas isso demora um pouco”, explicou.
Entre os alimentos que tiveram o Pis-Cofins reduzido a zero estão as carnes (bovina, suína, aves, peixes, ovinos e caprinos), o café, o óleo, a manteiga e o açúcar. Alguns produtos de higiene também foram zerados.
Restaurante em São Paulo tira do menu pratos com tomate
A cantina e pizzaria Mello’s, que funciona há 39 anos em São Paulo, baniu o tomate do cardápio após o preço da caixa de 20 quilos pular de uma média entre R$ 20 e R$ 35, no ano passado, para os atuais R$ 150, um salto de até 650% no estado. Os fregueses estão sendo orientados a trocar o filé à parmegiana pelo filé ao molho de uvas.
O macarrão ao sugo dá lugar ao espaguete com camarões ou legumes. O protesto contra a inflação começou com uma postagem no Facebook, assinada pelo proprietário, Augusto Mello. No texto, ele afirma preferir “ficar sem a mercadoria a repassar um aumento abusivo aos nossos clientes”. Segundo Mello “nosso governo insiste que devemos trocar ‘um pouco de inflação para termos crescimento. Pedimos o direito de discordar veementemente desta visão”.
“Nunca vi os preços subirem de forma tão descontrolada como está ocorrendo este ano. É preocupante”, desabafou o empresário. As duas unidades da cantina em bairros da Zona Oeste paulistana consomem semanalmente 800 quilos de tomate. Esta semana, o empresário não fez pedidos e disse que seu estoque está sendo “usado racionalmente”. “Só volto a comprar quando o preço cair para menos de R$ 70”, diz.