Nem adiantou sair mais cedo: qualquer que fosse o destino, ontem, em Salvador, topar com um engarrafamento fora do normal era o mais provável. E lá se iam horas… Foi o que aconteceu com o porteiro Derivaldo Vieira, 34 anos. Apesar de ter saído de casa, em Plataforma, às 7h, ele só chegou na Federação às 12h15.
“Fiquei no ônibus, mas depois desci para pegar um táxi. Mesmo assim, estava tudo parado. Andei da Calçada até o Comércio”, contou ele, que foi um entre muitos em situação semelhante.
A chuva causou de tudo: ruas alagadas, árvores caídas, deslizamentos de terra e acidentes. A Transavaldor registrou engarrafamentos no Retiro, Calçada, Largo dos Mares, Pituba, Brotas e nas Avenidas Paralela, Juracy Magalhães e Barros Reis, além da BR-324. Na Suburbana, a equipe do CORREIO encontrou 5 km de congestionamento. Por causa do trânsito, muita gente esperou por horas nos pontos de ônibus.
Isso foi o resultado da maior chuva que caiu na cidade nos últimos oito anos no mês de outubro. Em 24 horas, foram 147 mm de chuva, contra 114,9 mm em todo outubro de 2012, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Para se ter uma ideia, a quantidade de água que caiu por aqui poderia encher quase 52 piscinas olímpicas, com capacidade para dois milhões de litros de água cada uma. Resultado: quem ficou parado no trânsito precisou ser criativo para fazer o tempo passar.
A sorte (se é que isso é sorte) do analista de suporte Luciano Edington, 33, foi ter um livro no carro. Só assim para aguentar mais de 5 horas preso nos congestionamentos entre a Vila Rui Barbosa, na Cidade Baixa, e o Salvador Shopping.
“Saí de casa às 7h, em direção ao Centro Administrativo da Bahia (CAB). Na Calçada, desliguei o carro por uma hora e comecei a ler. Era um livro do trabalho, mas ajudou a passar o tempo”. No fim, ele também se rendeu. Ligou para o chefe e avisou que voltaria para casa.
O coordenador de logística Moisés Age, 36, nem precisou ligar para o chefe. Ele parou num posto de combustível da BR-324 para esperar o engarrafamento passar e ficou por ali mesmo, na companhia do superior. “Ele que é o dono da empresa né, sabe onde eu estou”, brincou.
O chefe de Moisés, Edson Pinheiro, 52, contou que saiu da Pituba às 6h30 e chegou ao posto às 8h25. “Pelo menos hoje, com a tecnologia, dá pra trabalhar de qualquer lugar, então estou trabalhando aqui”, disse, mostrando o smartphone.
O travamento da rodovia, potencializado pela chuva, foi influenciado pela cratera que abriu em junho e ainda não foi tapada. Ontem, a fila de carros chegou a 12 quilômetros.
Por volta de 12h, o nível da água próximo ao buraco da BR-324 estava tão alto que chegou até o capô do carro do reparador predial Alexandre Santos, 42. “Já tinha passado quase quatro horas só para vir até aqui. Quando cheguei, entrou água no motor e o carro morreu”.
Já a jornalista Karina Brasil pegou um ônibus em Simões Filho às 8h15 e só chegou ao trabalho, na Avenida Tancredo Neves, às 14h. “Dormi, fiz palavra-cruzada, acessei o e-mail. Muita gente desceu do ônibus e até o motorista trocou de turno no caminho”.
Através da assessoria, a Via Bahia informou que foram utilizadas bombas para retirar a água da pista. Além disso, uma equipe foi deslocada para orientar os motoristas.
Paciência
Quem precisou enfrentar o congestionamento de qualquer jeito encontrou ainda outros tipos de obstáculos. Com tanta água, o funcionamento de 20% dos semáforos ficou comprometido. De acordo com a Transavaldor, foram registrados pelo menos 30 acidentes simples.
Mas esse número pode ser bem maior. Só na corretora de seguros Sercose houve um aumento de 50% no número de colisões atendidas. “Normalmente, temos, no máximo, dez por dia. Hoje (ontem), tivemos 15”, contou o gerente de indenizações da empresa, Leonardo Santana.
Estrutura
A Defesa Civil de Salvador (Codesal) registrou 123 ocorrências, entre deslizamentos de terra, alagamentos e desabamentos de imóveis. Segundo o prefeito ACM Neto, equipes estão trabalhando em regime de 24 horas para atender as solicitações e a Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza ficará responsável por prestar auxílio às famílias com maiores prejuízos em imóveis.
A preocupação é mesmo necessária, já que a chuva não deve dar trégua ainda. Segundo o Instituo Climatempo, a frente fria que tem provocado todo este transtorno deve se afastar para alto-mar hoje, mas as áreas de instabilidade vão aumentar até segunda-feira. Até lá, ainda há risco de temporais e ventos fortes.
Córrego transborda e água invade casas em Valéria
No Loteamento Santa Helena, em Valéria, a chuva fez com que um córrego transbordasse e a água invadiu cerca de 50 casas. “A água bateu na cintura. Consegui botar algumas coisas no alto, mas cama, colchão e geladeira, perdi tudo”, contou Valdenice Reis, 39 anos.
Já Antônia dos Santos precisou chutar a porta para resgatar o filho, a nora e os dois netos que ficaram presos em casa. “A água subiu muito rápido, eles estavam quase nadando, os móveis boiando. Quando abri a porta saiu uma correnteza, imagine se eu não passo lá”, cogitou.
O líder comunitário Jorge Bastos afirma que a subida repentina do córrego ocorreu devido à sujeira de uma galeria sob a BR-324, por onde a água deveria escorrer. “A Via Bahia está se omitindo, a prefeitura fez a drenagem do esgoto, mas eles têm que fazer a parte deles”.
A Via Bahia, concessionária que administra a BR-324, afirmou a desobstrução de parte da galeria foi feita, ontem, e que a parte entupida não está na sua alçada.
No Uruguai, asfalto cede e engole carreta
Às 5h50 de ontem, quando parava sua carreta para descarregar uma carga de ferro na Gerdau, nos Mares, o motorista Anselmo Duarte, de 51 anos, sentiu o veículo afundar. O asfalto cedeu na Rua Conselheiro Zacarias e engoliu o caminhão de placa JMF-5270. “Só deu tempo de pegar documentos e algumas fotos da família”, contou.
Às 21h de ontem, o caminhão ainda estava no buraco, que seguia crescendo e chegou a engolir toda a cabine. À tarde, a rua foi interditada pela Polícia Militar. “A cratera é muito grande e há o risco de nós mexermos e a pista ceder ainda mais. A fundação dos imóveis ainda não foi comprometida, mas não significa que não será”, disse o engenheiro da Codesal José Carlos Palma.
A previsão é que o veículo fosse retirado do buraco no final da noite. A estrutura da calçada estava tão comprometida que um dos pés de um policial afundou no concreto. Duas mulheres que passavam pelo lugar e um cachorro também caíram no buraco, mas não se feriram com gravidade.
De acordo com a prefeitura, o buraco foi provocado pelo rompimento de um interceptor de esgoto da Embasa, a 3,5 metros de profundidade. A recuperação da pista, segundo a prefeitura, começaria durante a madrugada.
O diretor de operações da Embasa, Carlos Ramirez, disse que as equipes “trabalharão diuturnamente até a recuperação da rede de esgoto e do pavimento” e que será avaliado se o sobrepeso do caminhão provocou o acidente.
Também às 5h50, uma carreta que saiu do porto tombou ao lado do Terminal de Aquidabã depois que o contêiner se chocou contra o viaduto. O motorista, Wilson Góes, de 41 anos, se feriu levemente. Ele disse que a chuva o atrapalhou. Wilson teve que aguardar no local até a chegada do guincho da seguradora, o que só ocorreu à noite.
*Correio.