Campanhas anti-assédio não foram o bastante para educar foliões no último Carnaval de Salvador, como mostram relatos de diversas mulheres que participaram da festa. Elas se queixam, em especial, do bloco “As Muquiranas”, pedindo que ele seja reformulado ou até mesmo extinto por pregar ódio ao gênero.
O bloco em questão existe desde 1965 e é um dos mais populares da celebração anual. Nele, homens se vestem com roupas tidas como femininas e levam consigo pistolas de água. Para muitos, no entanto, a manutenção dessas tradições já não cabe no presente.
A Mestre em Literatura e Cultura Samira Soares, conhecida pelo projeto Narrativas Negras, conta que ela e um grupo de amigas foram atacadas por participantes d’As Muquiranas no Campo Grande. “Não só nos molharam inteiras como nos agrediram verbal e fisicamente”, diz, em depoimento comum a muitas folionas.
“Diante de tantas campanhas por respeito, combate ao assédio às mulheres no Carnaval, por que manter um bloco que nos violenta? O que precisará acontecer para que sejamos preservadas?”, Samira questiona, integrando uma forte mobilização nas redes sociais para que o poder público intervenha.
Vereadora de Salvador pelo Partido dos Trabalhadores, Maria Marighella se posicionou sobre a polêmica envolvendo o bloco. “Armas de água, intimidação, beijos forçados vestidos de alegria. Para quem? Quando uma tradição está fundada na misoginia, na cultura da violência e da LGBTQIAPN+fobia, ela precisa ser discutida coletivamente”, declarou.
O Muquiranas se manifestou através de carta aberta divulgada nesta quarta-feira (22), após viralizar o vídeo em que uma mulher é encurralada por seus participantes, sendo necessária intervenção da Guarda Municipal.
O bloco afirmou ser contra qualquer tipo de violência, preconceito e assédio. No texto, a equipe condena o uso das pistolas de água e apresenta a proibição do brinquedo nos circuitos como possível solução para as situações denunciadas, medida a ser adotada pelas autoridades.
Lamentaram ainda o episódio de vandalismo em que Muquiranas destruíram um ponto de ônibus do Campo Grande, na terça (21), disponibilizando-se para auxiliar na identificação dos autores das infrações registradas durante este Carnaval.
A jovem Brenda Assis, que esteve entre as mulheres que se dirigiram ao Campo Grande para festejar o Carnaval ontem e se sentiram importunadas, opina que a problemática não se resume aos jatos d’água, mas a comportamentos machistas que precisam ser combatidos, como o ato de se “vestir de mulher” para representar um tipo de caricatura.
“Quando há essa crítica ao bloco eles sempre se colocam na posição defensiva por conta da tradição, mas não é nem uma questão de reformar as regras do Muquiranas. O Muquiranas tem que deixar de existir, sim. Ninguém que está fora do bloco, principalmente mulheres e pessoas LGBT, se sentem confortáveis quando estão passando por ele porque é sempre esse assédio, xingamentos e a reprodução de estereótipos preconceituosos”, é o que diz a estudante de Ciências Sociais.