Pela primeira vez, a comerciante Maria Lúcia dos Santos Gomes, 38 anos, que ficou conhecida como Nem Gorda, falou a um veículo de imprensa. Ela topou falar para dizer que está com medo de morrer, pois há oito dias sua sobrinha foi assassinada e no final de abril tentaram eliminar o marido dela, Alex Neves, 24.
Maria Lúcia foi presa em maio de 2011 acusada de mandar matar a idosa Alaíde Queiroz, 70 anos, crime pelo qual responde ao processo em prisão domiciliar, desde março do ano passado.
Na época da prisão, a polícia também acusou a comerciante de liderar uma quadrilha de traficantes denominada Bonde da Nem, responsável por mais de 30 homicídios no Subúrbio Ferroviário. Mas, até então, ela só responde a dois processos por homicídio. A prisão domiciliar não trouxe a paz para Nem, que vê sua segurança ameaçada devido aos últimos episódios.
"Tenho medo. Tem muita coisa que eu não posso falar agora", declara. Ela diz que as ameaças são direcionadas aos seus parentes. "Quem recebe muita ameaça é a minha família, que está calada, com medo de conversar, tem medo de tudo", completa. Nas páginas a seguir, confira o que Nem fala sobre as acusações da polícia, um pouco de sua história e como está sua vida.
O encontro foi na casa dela, em Periperi, onde cumpre a prisão domiciliar. Dois advogados de defesa acompanharam a entrevista.
Quando a equipe de reportagem chegou, Nem recebia orientação de uma técnica de enfermagem sobre os medicamentos que deveria tomar. Entre eles, os remédios para o problema psiquiátrico que possui. Dois médicos diagnosticaram que Nem sofre de um transtorno depressivo recorrente, episódio com sintomas psicóticos. Foi com base nos exames dessa doença que o juiz a colocou em prisão domiciliar.
Segundo o advogado de defesa, Antonio Carlos dos Santos, os problemas de hipertensão e obesidade também foram relatados ao juiz, para converter a prisão em domiciliar. Durante a conversa, Nem sempre lembrava do sofrimento da prisão e tinha dificuldade de desenvolver um raciocínio linear. "O psiquiatra nos falou que essa é uma característica da doença", relata a advoga de defesa Anaclea Fernandes.
Ataque aos parentes
Nem acredita que ela e o marido, Alex Brito das Neves, o Grilinho, viram muitas coisas erradas enquanto estiveram presos. Por isso, viraram alvo, assim como os parentes que iam visitá-los. Grilinho estava dentro de uma pequena loja que eles tinham no andar térreo da casa, quando quatro homens armados chegaram atirando. Ele se trancou no banheiro, mas levou um tiro na cabeça. Marcos Conceição Santos, 18, que estava ajudando a pintar a loja, morreu no atentado. "Eu contei tudo o que eu passei aos meus advogado s(…) São muitas coisas que a gente não pode falar. Tem que ficar abafado até o juiz autorizar", afirma.
Por que tanta acusação
Nem conta que as acusações da polícia surgiram após o marido, que já serviu o Exército, registrar queixa contra policiais que o agrediram quando ele estava fardado. Outro fator foi uma passeata que ela organizou para cobrar Justiça pelo assassinato de uma irmã, que teria sido morta porque tinha um dinheiro de uma pensão para receber. A mulher era alcoolatra e os assassinos teriam se aproveitado disso para cometer o crime.
Quem é Nem Gorda
Maria Lúcia diz que o apelido de Nem Gorda foi criado pela polícia para acusá-la de ser uma traficante e assassina. "Não existe Nem Gorda nenhuma. Meu nome é Maria Lúcia dos Santos Gomes. Minha família é que me chama de Nem. Não existe crime nenhum. Se eu matasse assim, não morava aqui. Sou nascida e criada nessa rua. Nunca tive problema nenhum com ninguém", declara. Ela conta que já trabalhou como baiana de acarajé e, antes de ser presa, já chegou a ter três pequenas lojas de roupa. "Minha vida foi sempre de família trabalhadora. Agora, não sei por que essa perseguição toda porque eu não tenho nada".
Dias no presídio
Maria Lúcia contou que sofreu muito na prisão. O pesadelo começou quando ela se recusou a participar de abaixo assinado pedindo a retirada da diretora do presídio feminino. "Depois disso, chegou uma comida envenenada para mim. Liguei para meus advogados, eles procuraram a juíza e um exame deu que a comida estava com veneno", lembra. Depois, o medo foi com a visita de policiais ao presídio.
Prisão domiciliar
Nem conta que já tentou se matar por estar passando necessidade, não poder sair de casa, ver a família ameaçada e não poder ajudar o marido, que ficou com sequelas após o atentado. "Não sei mais o que eu faço. Tava dizendo hoje aqui que queria me matar. Não aguento mais. Não tenho nada. Não sei por que essa perseguição", desabafa. "O que acontece é que, às vezes, eu vivo aqui sem nada para comer. A vida é essa aí. Uma vida desesperada. Estão matando todo mundo e não dá em nada" completa. Depois do atentado contra Grilinho, a lojinha de roupas fechou e as dificuldades financeiras da família teriam aumentado.
Amor a Grilinho
Grilinho sobreviveu a um tiro na cabeça, mas precisa de cuidados permanentes. "Meu marido é tudo na minha vida", declara Maria Lúcia. "Ele fala, depois esquece tudo. Tiraram um pedaço do osso da cabeça dele. A bala ainda está dentro. Vão ver como vão tirar. Às vezes, se urina na cama, às vezes levanta. Às vezes dá crise, grita. E eu sozinha para cuidar de tudo", conta. Ela diz que até as pessoas que lhe ajudam são ameaçadas. "O rapaz que levava ele para o médico falou que o carro foi parado por policiais, que disseram para ele não levar mais. Aí a gente tem que ligar para o Samu. Sou discriminada quando me reconhecem", afirma.
Relembre o caso
Nem Gorda foi presa por policias do DHPP e da 18ª CIPM no dia 15 de maio de 2011, no Rio Sena, Subúrbio Ferroviário, por suspeita de envolvimento no assassinato de Alaíde Queiroz dos Santos, 70. A prião foi divulgada, com exclusividade, pelo MASSA! Segundo a polícia, o Bonde da Nem, um grupo de traficantes e assassinos de maioria adolescente, era responsável por cerca de 30 assassinatos ocorridos no subúrbio entre abril de 2010 e maio de 2011. Alex Brito das Neves, o Grilinho, marido de Nem, era o braço direito dela no comando do grupo. Durante apresentação à imprensa, Nem chorou e acusou policiais de envolvimento com o tráfico de drogas. Ela alegou ser líder comunitária e fazer trabalhos sociais, no Alto do Tanque, com o apoio de políticos e artistas. Para a polícia, o cargo era fachada.
Repórter– A senhora foi presa por ter mandado matar a idosa Alaíde Queiroz e responde a um processo por esse crime. O que tem a dizer sobre isso?
Nem Gorda – Nunca matei e nunca mandei matar ninguém. Nem conhecia essa senhora.
Repórter – A polícia ainda acusou a senhora de ser a líder do Bonde da Nem, uma quadrilha de traficantes que teria matado mais de 30 pessoas no Subúrbio Ferroviário. O que tem a dizer sobre essa acusação?
Nem Gorda – Nunca fui e nem sou traficante. Essa história do Bonde da Nem é pura invenção da polícia.
Repórter – De onde vem o dinheiro para pagar as despesas de um escritório de advocacia criminal tão conhecido na cidade?
Nem Gorda – Sempre fui líder aqui da comunidade onde sempre vivi. Sempre ajudei as pessoas. Sempre vinham políticos e artistas na minha casa. Na época da eleição, os candidatos sempre vinham aqui me pedindo ajuda para conseguir votos. Eu também pedia a eles ajuda para a comunidade. Alguns prometiam, outros ajudavam e quando fui presa alguns deles me ajudaram com o pagamento do trabalho do advogado. Minha família e pessoas conhecidas também me ajudam. Só não me peça para dizer o nome das pessoas.
Repórter– Quando a senhora foi presa, disse que havia envolvimento de diversas pessoas, inclusive policiais, em fatos criminosos. A senhora confirma isso?
Nem Gorda – Eu não disse isso. A minha revolta naquela hora é porque eu estava sendo presa, acusada de coisa que não cometi e queria que a polícia provasse investigando quem tivesse culpa de verdade. Eu estava muito nervosa por causa das injustiças.