Rilza Valentim teve que enfrentar o machismo, o racismo e o coronelismo em uma campanha eleitoral em que poucos do mundo político de sua região acreditavam em sua sobrevivência.
Deu a volta por cima e se tornou a primeira mulher negra prefeita da cidade de São Francisco do Conde – que graças aos royalties do petróleo tem a maior arrecadação per capita da América Latina.
A senhora passa uma inquietude e energia muito grande.
De onde vem essa força?
Sou filha de São Francisco do Conde, nasci numa família com sete mulheres e um homem, que nasceu com problemas e já é falecido.
Hoje, são seis mulheres vivas e tenho muito orgulho dessas irmãs e dessa família, que foi preparada, na verdade, para o mundo, para estudar.
Meu pai cuidou dessas mulheres para que não perdessem a feminilidade e que tivessem a altivez e a iniciativa que ele acreditava ser dos homens, e que hoje a sociedade está mostrando que é do cidadão, que quando ele precisa se defender e resolver os seus problemas, independente de sexo, credo, cor ou religião, eles dão a solução dos seus problemas, porque é uma questão de cultura, de preparação.
A presença de seu pai foi fundamental em sua formação, inclusive como política? Sim, meu pai nos preparou exatamente para que pudéssemos ser cidadãos e isso fez com que a gente corresse atrás de resolver nossos problemas e estudar.
Da cidade do interior fomos para a capital.
Todas fomos estudar e, depois de percorrer um bom caminho na estrada da educação, sou bacharel em química com mestrado com várias especializações e doutorando na área.
Como você entrou na política?
Após me formar, retornei à minha cidade e recebi um convite para a Secretaria da Educação e aceitei.
Isso foi no período de 1997 e 98 Comecei a fomentar alguns projetos, só que o formato da política que acontecia na cidade naquela época fugia completamente do que acreditava.
Em 1999, fui convidada a assumir a Secretaria de Ação Social e lá eu pude, de verdade, ver qual era o meu principal papel.
A minha missão aqui na terra era cuidar de pessoas, cuidar dos que mais precisavam.
Aquilo me despertou um sentimento diferente.
Essas atividades me parecem não combinar muito com uma jovem que acabava de se formar em exatas.
Como ficou sua vida acadêmica? Sempre fui professora, mas a política começava a cruzar o meu caminho.
Recebia convites sempre com a mesma pergunta: por que não se torna candidata a vereadora? Mas esse formato de política não era o formato que me atraia.
Depois de muitas insistências, resolvi colocar o meu nome na rua.
Já era filiada desde 18 anos.
Fui diretora de grêmio estudantil e presidente do diretório de química.
Gostava desse formato de política, séria, que a gente acreditava de verdade, em que o único foco era a ideologia.
Saí candidata a vereadora e fui eleita em 2000.
Sua forma diferenciada de ver e de fazer política deve contrastar com a tradicional política baiana.
Tem encontrado muita resistência?
Eu amo as minhas convicções! Até porque está se mostrando que tudo o que as pessoas acreditavam não funcionou na época em que se aplicava a velha e tradicional política baiana.
A cidade durante esse tempo estava toda depredada, precisava ser melhor cuidada.
Eu queria registrar isso, político que acha que o povo não sabe fazer boa leitura precisa se reciclar, porque o povo entende e gosta do que é certo e do que é bom.
Tivermos seis meses de lutas, dificuldades e muitas resistências.
Hoje podemos ter algumas resistências extremas das pessoas que se locupletavam dos benefícios de uma cidade rica, mas que não se percebia essa riqueza ser revertida para seu povo.
O povo agora faz a leitura com muita clareza de que a cidade dele é rica e pode ser feito muito por eles.
O povo percebe, valoriza e respeita.
Eu tiro o chapéu para o povo da minha cidade.
Quais foram as principais barreiras que a senhora encontrou?
Mulher, negra, frágil, que vai ser dominada por todos, “eu vou mandar no lugar dela”.
No início, todos achavam.
Hoje, tenho certeza que aqueles que acreditavam, que apostavam que alguém poderia mandar em meu lugar, falharam.
Essa mulher miudinha que parece ser frágil, quando precisa defender o que acredita.
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É uma questão de formação mesmo.
Eu me fortaleço nas dificuldades que eu preciso vencer.
Especificamente, qual foi o principal obstáculo?
As pessoas acharem que, por ser mulher, todos mandariam.
É cultura machista, entendeu? Acharem que a mulher nasceu para ser dominada pelos homens, que ela, na verdade, pode até se mostrar durona, mas vai ser dominada.
“FUI A ÚNICA NA BAHIA QUE RECEBI UM SELO PELA PRIMAZIA EM AÇÕES AFIRMATIVAS.
SÃO FRANCISCO DO CONDE É UM MUNICÍPIO COM MAIS DE 90% DA POPULAÇÃO NEGRA, SIGNIFICA DIZER QUE TODO GRANDE PROJETO QUE EU FAÇO É PARA BENEFICIAR A POPULAÇÃO, A POPULAÇÃO NEGRA OU A PRÓPRIA CIDADE”