Comentário de Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi:

Às vezes, por trás de uma conjetura simples, se esconde algo complicado.

Isso pode acontecer em tudo que fazemos e, a toda hora, acontece no debate político.

Como agora, que estamos discutindo a sucessão de Lula.

Existe pergunta mais inofensiva que “O que o eleitor brasileiro quer da eleição de 2010?”.

Parece que não, que qualquer pessoa que acompanha o processo eleitoral seria capaz de solucioná-la.

Um pesquisador, então, teria obrigação de ter a resposta na ponta da língua.

Dá-se o caso que é uma pergunta que pode ser tudo, menos simples.

De um lado, ela talvez não tenha qualquer significado.

De outro, pode ser muito reveladora, permitindo que pensemos o país que somos e a sociedade que constituímos.

Faz algum sentido falar de “o eleitor brasileiro”? O que seria esse ente, indiviso e singular? Onde está esse eleitor? Qualquer um sabe que, no mundo real, não existe “o eleitor”, mas “os eleitores”, um conjunto formado por seres muito diferentes.

São do Sul e do Norte, pobres e ricos, que foram à escola e que não foram, mulheres e homens, jovens e velhos.

A pergunta sobre o que quer “o eleitor” só faz sentido se a reformularmos para “O que querem da eleição de 2010 os diferentes eleitores do país?”.

Basta refazê-la para perceber que só há uma forma de respondê-la: coisas diferentes, que decorrem das diferentes necessidades que diferentes tipos de pessoa têm no momento pelo qual o Brasil passa.

Estamos prontos a admitir nossas diferenças socioeconômicas.

Todos conhecemos as clivagens que nos separam e ninguém espera que um camponês miserável do Nordeste seja igual à modelo que desfila nos Jardins.

Nem que ambos queiram as mesmas coisas da eleição de 2010.

Mas nem sempre nos lembramos que os eleitores não diferem apenas naquilo que a sociologia chama diferenças objetivas.

Além delas (com sua evidente importância) existem outras, que pertencem a outros domínios da vida social.

À política, por exemplo.

Quando a imprensa, nos Estados Unidos, se refere aos eleitores, a primeira coisa que faz é dizer se está falando de eleitores democratas ou republicanos.

Muito raramente (se é que alguma vez) fala de eleitores abstratos, por isso mesmo indiferenciados.

Ninguém entenderia uma eleição naquele país se não tivesse em mente as diferentes visões e desejos que cada categoria de eleitor, pensando em termos partidários, possui.

Sem que tenhamos, no Brasil, uma história de vida partidária sequer parecida com a deles, algo de semelhante existe por aqui.

Engana-se quem analisa o comportamento de nossos eleitores subestimando as diferenças políticas que os distinguem.

É verdade que uma parcela grande do eleitorado brasileiro não se identifica com nenhum partido.

Mas é fato que quase 50% tem sua preferência.

Ou seja, considerando que o sufrágio é universal aqui, que talvez tenhamos, proporcionalmente, tantas pessoas “partidarizadas” no Brasil quanto nos Estados Unidos.

Não estamos indo para a eleição deste ano com um eleitorado formado por iguais, mas por diferentes.

Pessoas que viveram de maneiras diferentes os últimos 8 anos, que sentiram de maneiras diferentes o que foi o governo Lula em comparação com o de FHC.

Que chegam a esta eleição com identidades políticas diferentes, formadas ao longo da vida.

A velha história de que 30% vota com Lula, 30% contra ele e os restantes variam em função do contexto, tem nova aritmética.

As pesquisas mostram que os primeiros cresceram e encurtaram a proporção dos segundos.

O piso subiu de um lado e desceu do outro.

Em outras palavras: com os 30% que as atuais pesquisas lhe dão, Dilma ainda não chegou nem perto de seu “ patamar”.

(O que não quer dizer que vai ganhar as eleições, pois isso depende de muitas coisas).