Até ontem, ao menos em denúncias oficiais, o major Florisvaldo Ribeiro, comandante da 6ª Companhia Independente da PM, em Rio Real, era acusado de ser conivente com crimes de extermínio e invasões a domicílios realizadas por policiais, além de participação em agressões e espancamentos.
Mas, partes de inquéritos do caso, mostram depoimentos de testemunhas que, em suas falas, atestam a existência de grupos de extermínio na cidade. Uma delas chega a citar o próprio major como o homem que comanda as execuções.
Uma testemunha, cujo nome foi mantido em sigilo, declarou em depoimento ao ex-delegado titular de Rio Real Geuvan França Júnior, que o major Ribeiro chegou a oferecer os serviços do seu grupo de policiais para “derrubar” um homem conhecido como Morango, que havia ameaçado o depoente.
“QUE o major Ribeiro ligara para o depoente, a fim de conversar na 6ª CIPM numa noite; QUE o comandante perguntara ao depoente se tinha coragem de sair com os aludidos policiais a fim de derrubar Morango”, transcreve um dos trechos do documento, em depoimento colhido no dia 7 de outubro do ano passado.
A narrativa da testemunha segue contando detalhes da ação. Com o depoente no carro, um Corsa preto, os policiais saíram à caça de Morango. Um deles identificou-se como Marrom e estava prestes a arrombar a porta da casa do alvo quando percebeu a presença de uma criança. Resolveram abortar a missão, mas continuaram circulando na cidade.
Nesse momento, o depoente chama a atenção para a existência de um caderno contendo uma espécie de lista da morte. “QUE ficaram realizando rondas na cidade objetivando encontrar indivíduos que constavam numa lista de pessoas a serem executadas; QUE a citada lista está num caderninho de arame, sem capa; QUE os policiais afirmaram que aquela lista era de meliantes a serem derrubados”, revelam os documentos.
Em outro trecho, o depoente chega a dizer que foi agredido pelo próprio major em outra ocasião. “QUE sexta-feira passada o depoente fora agredido pelo Major e outro policial, pois estava promovendo um aniversário em sua residência, quando chegaram policiais militares abordando as pessoas na frente da casa; QUE o depoente estava no interior do imóvel, quando se recusara a sair, não atendendo à determinação de um dos policiais; QUE o comandante entrara com a pistola apontando para o depoente, agredindo-o dentro da casa, puxando-o para fora passando a dar socos; QUE o outro policial o agredira desferindo tapas e murros”.
No depoimento, a testemunha denuncia ainda que os policiais admitiram que há pessoas a serem mortas nas cidades de Crisópolis e Olindina. Além disso, Marrom chegou a dizer a ele que quando “derruba” traficantes, recolhe as drogas e fica com o dinheiro.
A testemunha fugiu da cidade, mas conseguiu ser localizada. “Quero distância disso aí. Não me ligue mais não”, restringiu-se a dizer.
Estagnados Os inquéritos dos quais os depoimentos fazem parte foram enviados ao Ministério Público pelo ex-delegado Geuvan, antes de ser transferido. “Diante de declarações tão explosivas contra o major, Geuvan decidiu mandar logo esses depoimentos ao MP para que não ficassem parados na delegacia”, diz o juiz de Rio Real, Josemar Cerqueira Dias.
Acontece que os inquéritos estão estagnados no MP desde março. Apesar de ter acesso a trechos deles, não há confirmação sobre a motivação do depoimento da testemunha que acusa o major, já que o MP não se pronuncia. Em nota, informou que “não pode fornecer quaisquer dados sobre investigações”.
Imagens
Como na cidade não tem Promotoria, o promotor de Alagoinhas, Pedro Costa, chega hoje a Rio Real, quando terá acesso aos inquéritos. Ontem, o juiz determinou a apreensão de imagens do circuito interno da 6ª CIPM, onde teriam ocorrido espancamentos. “Espero que as imagens ainda existam”, disse. Geuvan não foi localizado para comentar os depoimentos. O ex-delegado de Rio Real foi novamente transferido, dessa vez para Paripiranga, também na divisa com Sergipe.
Por coincidência ou não, seu remanejamento ocorreu após declarações feitas na última sexta-feira. O delegado relatou que ficou aliviado quando, em março deste ano, foi transferido para Euclides da Cunha. “Graças a Deus fui exonerado. Se eu ainda estivesse lá (em Riol Real), não sei se estaria falando com você”.
Já o atual delegado de Rio Real, Antônio Carlos Santana, disse não ter conhecimento da ação de grupos de extermínio na cidade desde que assumiu, há cerca de oito meses.
“Na delegacia pode até ter, mas não foi sob a minha gestão”, disse Santana, que, sexta-feira passada, revelou que um PM foi indiciado pela morte do advogado José Urbano do Nascimento Júnior, 28 anos, baleado em novembro de 2012. A vítima era conhecida na cidade por fazer denúncias de crimes cometidos pelos policiais militares da 6ª CIPM.
Major se cala e Corregedoria promete apurar
Procurado, o major Florisvaldo Ribeiro afirmou que não comentaria as novas acusações. “Não toco mais nesse assunto”, disse. Sobre o documento, em que um depoente cita o major Florisvaldo Ribeiro como o homem que oferece uma execução, o corregedor adjunto da PM, o tenente-coronel Manoel Amâncio Souza Neto, disse que todos os inquéritos instaurados na delegacia serão material de investigação.
“Já recebi alguns e outros serão analisados”, declarou. Com relação ao conteúdo da investigação, o corregedor adjunto disse mais uma vez que todos as informações serão repassadas à imprensa pelo Departamento de Comunicação da PM. Por sua vez, o departamento se manifestou através de nota. “A Polícia Militar só irá se pronunciar após a conclusão da sindicância que foi instaurada”.
As informações são do Correio.