Lara Nunes, Stefany Oliveira, Clara Pinto, Fernanda Maia e Kátia Letícia são mulheres extraordinárias de Camaçari que você não pode deixar de conhecer e admirar nesta matéria especial. Elas desafiam o preconceito, enfrentam um mercado independente, desafiador e quebram paradigmas. Este é o especial Julho das Pretas!

Segundo o Instituto Odara, idealizador do evento, em 2013, o Julho das Pretas é uma iniciativa de impacto político e uma agenda conjunta e propositiva com organizações e movimentos de mulheres negras no Brasil.

As entrevistas a seguir mergulharam nos sonhos, medos, felicidades, reivindicações e questões políticas de cada uma. A final, ser uma mulher preta também é um ato político!

Como bem configurou a filósofa socialista Angela Davis, “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela“.

A voz de Clara Pinto

Aos 25 anos, Clara Pinto desafia as estatísticas com determinação e talento. Cria de Camaçari, ela testemunha de perto o reconhecimento de seu trabalho na internet e a representatividade de sua voz nas ruas. Clara é slammer, influenciadora digital, estudante de Artes na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e uma das idealizadoras da Quadrilha Junina Foguete de Reis.

Clara Pinto

“Então, comecei a fazer teatro na Cidade do Saber aos 12 anos. Logo depois, aos 14 anos, comecei a escrever e me vi como uma escritora e poeta. Aos 17 anos, participei de uma quadrilha junina junto com um grupo de teatro, e continuei nesse grupo no ano seguinte. Dois anos após entrar para esse grupo de quadrilha, eu e mais cinco amigos fundamos nosso próprio grupo, o Quadrilha Foguete de Reis, que atuou na cidade nos anos de 2018-2019. Em 2020, com a chegada da pandemia, o grupo entrou em pausa devido aos desafios impostos pela situação. Com a faculdade parada, senti a necessidade de me movimentar de alguma forma. Já atuava na internet, compartilhando posicionamentos, mas intensifiquei isso, tornando-o parte do meu dia a dia. Compartilho não apenas minha intimidade, mas também abordo temas que me interessam, como questões sociais, raça, classe e gênero”.

 

Desde 2020, Clara atua oficialmente como comunicadora em sua cidade, gradualmente expandindo sua influência. Inicialmente com 3 mil seguidores no Instagram, hoje conta com mais de 70 mil, compartilhando temas que a interessam, como cultura, cotidiano e questões sociais.

O Slam na vida de Clara 

Em 2022, reconectou-se com sua paixão pela escrita e poesia, participando do Slam das Mulé e alcançando o segundo lugar no Campeonato de Poesia Falada de Camaçari.

Esta vitória a levou à Jornada Latinas em São Paulo, um campeonato internacional onde conheceu poetas de toda a América Latina. Atualmente, Clara está na final do campeonato de poesia falada, representando a Bahia no Acre Graffiti, Festival Internacional de Culturas Urbanas.

Clara Pinto

Clara celebra sua dualidade como artista e comunicadora, reconhecida não apenas localmente, mas também em nível estadual, mantendo viva sua paixão pela poesia enquanto desenvolve sua carreira na comunicação.

Acompanhe Clara Pinto no Instagram. 

Julho das Pretas: Stefany Oliveira antes e depois do Big Chop 

Stefany Oliveira, aos 26 anos, compartilha sua jornada única com o cabelo cacheado nas redes sociais. Em 2020, ela tomou uma decisão definitiva: ao invés de passar pela transição capilar tradicional, optou por um “BC” (Big Chop), cortando seu cabelo para iniciar sua jornada de redescoberta capilar.

Desde os 10 anos, Stefany alisava seus cabelos, influenciada pelo desejo de se encaixar nos padrões predominantes de beleza. Naquela época, o estigma associado aos cabelos crespos era frequente, sendo frequentemente chamados de “cabelo de Bombril”, o que a motivou a manter seus fios alisados.

Stefany Oliveira

Ao longo dos anos, seu desejo de recuperar seus cachos cresceu, embora enfrentasse críticas e desencorajamentos de amigos e familiares, que questionavam sua decisão de abandonar o alisamento. Em 2013, aos 15 anos, ela tentou a transição pela primeira vez, mas acabou desistindo devido à pressão social.

Em 2018, aos 20 anos, trabalhando em uma agência de modelos, Stefany expressou sua vontade de cortar o cabelo bem curto e deixá-lo cacheado. Após várias tentativas e conselhos de cabeleireiros que recomendavam o alisamento, ela decidiu pela transição novamente, enfrentando dúvidas sobre seu formato de rosto e a estética esperada pela sociedade.

A coragem de se reconectar com sua verdadeira essência cresceu na pandemia

Durante a pandemia, Stefany encontrou coragem para abraçar sua verdadeira identidade capilar. Inspirada por outras mulheres que também estavam passando pela transição, ela finalmente cortou seus cabelos e iniciou sua jornada de autoaceitação, reconhecendo sua beleza natural e se sentindo mais conectada consigo mesma.

Stefany Oliveira

A decisão de Stefany não apenas transformou sua aparência, mas também fortaleceu sua autoconfiança, demonstrando seu compromisso em seguir seus próprios desejos e valores pessoais, independentemente das expectativas externas.

“Fiquei um mês e 20 dias sem alisar o cabelo. Naquele confinamento, eu vi várias mulheres entrando na transição. Aquilo me deu mais coragem para fazer o que eu já queria há muito tempo. Me lembro como hoje, foi em uma noite: chorava ao ver meu cabelo daquele jeito.”, contou a influenciadora.

“Hoje, em meu perfil, compartilho meu dia a dia, mostrando como cuido do meu cabelo cacheado, os produtos que utilizo, dicas e práticas de autocuidado. Destaco o processo da minha transição capilar em meus stories fixados e também em vídeos mais antigos. Estou disponível para ajudar com minha experiência. Amo poder auxiliar outras meninas, pois me identifico com cada uma delas”.

Acompanhe a rotina de cuidados de Stefany aqui. 

Lara Nunes: uma voz no seu lugar de fala

A campeã estadual de poesia falada (Slam) em 2018, Lara Nunes é pluralidade. Cantora, compositora, poeta e slammer, a jovem é uma das produtoras do Slam das Mulé, projeto que mobiliza sonhos e é um ponto de resistência na cultura camaçariense.

Lara Nunes

Ela também é vocalista da KalunduH, uma banda formada por músicos locais dedicada à música preta brasileira. Desde 2019, o grupo vem solidificando seu lugar na cena musical, tendo lançado seu primeiro single nas plataformas digitais no ano passado e se preparando para novos lançamentos ainda este ano.

A KalunduH se destaca pelo seu compromisso com o enfrentamento às opressões, ao mesmo tempo que celebra a versatilidade e a beleza que são características fundamentais da comunidade negra e de diversas minorias sociais.

Lara Nunes

“Amor é provocar sensações adversas” e novo livro

Em sua carreira solo como escritora, ela publicou seu primeiro livro de poemas, “Amor é provocar sensações adversas”, em 2021, e está prestes a lançar um novo livro que passou pela fase de pré-venda há alguns meses e em breve estará disponível. Seus textos também foram incluídos em revistas e antologias literárias, como a coletânea “Ancestralitura: Poemas com Mel e Dendê”, publicada pelo Slam das Minas.

Protagonismo da mulher negra absoluto em Camaçari

“Sobre o protagonismo da mulher negra aqui na cidade, eu vejo como absoluto. Angela Davis fala que quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta junto com ela, e não seria diferente no município de Camaçari ou na área da cultura. Aqui eu posso citar Kátia Letícia, Mestra Arline de Parafuso, Isa Santos, Isabella Souza, Clara Pinto, Jéssica Menezes, mas a verdade é que são infinitas as referências culturais femininas negras que Camaçari abarca, mesmo que a sociedade (e a cidade) não proporcione ambientes seguros nem para a mulher negra, nem para o artista independente”, cravou Lara Nunes.

Projetos pioneiros como o Slam das Mulé e o Narrativas Subterrâneas foram idealizados por mulheres negras, assim como os bailes da cultura popular, o samba de roda, o samba de caboclo, o teatro, a dança e tantas outras manifestações ancestrais são lideradas e organizadas por essas mulheres que fazem da arte não só um meio de sobrevivência, como um bálsamo de vida e dignidade pra suas comunidades.

Conheça mais sobre Lara Nunes aqui. 

A influência de Kátia Letícia no Julho das Pretas

O Narrativas Subterrâneas, idealizado pela produtora Kátia Letícia no distrito de Parafuso, é um projeto que, entre palavras, cores e tons, desperta, resgata e fortalece o poder, as raízes e a ancestralidade das mulheres negras ao contar suas próprias histórias, livres do olhar opressor.

Iniciado em 7 de fevereiro de 2022, o Narrativas Subterrâneas permite que toda uma comunidade mantenha viva na memória histórias de mulheres como a mestra da cultura popular Dona Diana, Dona Maria “a Deda”, fundadora de uma escola comunitária há 21 anos, Sandra do acarajé, Mãe Neide de Oyá, que fortalece suas raízes há mais de duas décadas em Parafuso, Dona Lurdinha e Mestra Arline.

A idealizadora conta que “esse projeto visa registrar as histórias dos povos pretos a partir das experiências vividas pelas mulheres em um contexto comunitário. As mulheres pretas estão sempre à frente, liderando os movimentos educacionais, culturais, sociais e políticos das suas comunidades. São sustentação econômicas de suas famílias”.

Leia mais aqui! 

Especial Julho das Pretas
Foto: Arquivo

Fernanda Maia: fotografia e a pluralidade negra

A fotógrafa Fernanda Maia Mota, de 34 anos, é uma das principais referências quando o assunto é capturar a beleza dos corpos negros, destacando o lado que por muito tempo foi marginalizado. O projeto “30 de Nós” deixou sua marca na cena da fotografia em Camaçari. Seu trabalho alcançou figuras de destaque nacional, como Lázaro Ramos e Léo Santana.

“No projeto que durou cerca de três anos, foram três exposições online e uma exposição física chamado “30 de Nós”. O projeto era focado na questão do recorte racial, celebrado durante o Novembro Negro. A cada dia, durante o mês de novembro, publicava-se uma foto de uma pessoa negra que fosse uma referência de alguma forma para outras pessoas. A ideia era fotografar essas pessoas de maneira que não as retratasse como frequentemente vistas nos jornais — corpos ensanguentados, vítimas de violência racial. O objetivo principal era valorizar e mostrar a diversidade, tanto em termos de formatos físicos quanto de tons de pele, dentro da comunidade negra. Isso inclui pessoas negras de pele clara, negras retintas e uma variedade de texturas de cabelo, lábios e narizes”

Fernanda Maia

Fernanda sempre priorizou registrar pessoas negras. Quando há algum trabalho que envolve modelos, ela conversa bastante com os clientes sobre a importância de trazer representatividade, oferecendo espaço para que essas pessoas possam mostrar que são belas e capazes de ocupar todos os espaços possíveis. Atualmente, Fernanda toca o projeto Black Rec.

“E com relação a essa questão do trabalho, percebo que ele tem um impacto significativo e gera feedbacks diversos. Recentemente, tive a oportunidade de trabalhar com figuras de destaque nacional, como Lázaro Ramos e Léo Santana. Além disso, também realizei projetos com talentos de Camaçari, como Carol Amaral, modelo, focando na valorização da beleza negra. Essa resposta positiva das pessoas que me procuram é reflexo da minha identidade como pessoa negra e da minha capacidade de capturá-las de forma dinâmica, ressaltando sua beleza”, celebrou Fernanda.

“Para mim, é fundamental essa abordagem que vai além do simples registro, buscando trazer uma perspectiva de beleza e representatividade. Às vezes, ao trabalhar com essa visão de recorte racial, percebo que o mercado pode criar barreiras inconscientes. No entanto, tenho visto uma evolução positiva nesse sentido, onde sou reconhecida como uma referência nesse tipo de trabalho. É gratificante saber que sou escolhida para projetos que exigem esse olhar de militância e representatividade, mostrando que estou no caminho certo”, contou.

Conheça o trabalho de Fernanda Maia. 

Especial Julho das Pretas: Com contribuição de Yuri Fêsan 

5 2 votos
Article Rating