Quase dois anos atrás, cerca de 290 famílias em situação de vulnerabilidade social se abrigaram em um antigo prédio abandonado do centro de Salvador para reivindicar um direito garantido em Constituição, o direito à moradia. É esta a história de luta da ocupação que leva o nome do revolucionário Carlos Marighella, na Avenida Sete de Setembro.

O passar dos meses não trouxe uma resposta do poder público para as demandas desses cidadãos, que buscam conquistar lares dignos para suas famílias e têm muito em comum. São trabalhadores, negros em sua grande maioria, que não tinham para onde ir quando conheceram o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), uma ação coletiva nacional que prega a reforma urbana e organiza a Ocupação Carlos Marighella.

Muitos dos que passam pela frente do local diariamente não se atentam ao fato de que, do subsolo ao quarto andar do antigo prédio da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. (Embasa), há tantas vivências e reivindicações precisando de atenção.

Enquanto prepara o almoço para o filho com o pouco que tem, a residente Sandra Barbosa de Freitas relembra como era sua realidade antes de morar no imóvel, inutilizado por mais de uma década até a chegada dos sem-teto. “Antes da ocupação eu vivia na rua com meu filho. Foi uma luta e ainda é, mas eu enfrento”, Sandra diz.

A constante ameaça de despejo por parte do governo estadual a faz temer voltar a passar as noites nas ruas do Centro Histórico, mas o sonho da casa própria é maior que o medo. “Tenho fé de que vou conseguir”, completa.

Este contexto de vulnerabilidade somado ao preconceito racial acaba separando Sandra e tantos outros de um trabalho formal. É o mesmo que acontece a Mailon de Jesus Santos, vizinho de Sandra no segundo andar da Carlos Marighella. O jovem enfrenta ainda a discriminação por ser um homem transgênero.

“Eu faço biscates, vendo roupas, descarrego caminhão…A gente tenta arranjar um emprego fixo, mas eles olham pra nossa cara e pensam que todo preto é ladrão. Muitas vezes não se interessam em saber quem somos de verdade“, ele afirma.

O rapaz vive com sua esposa e o enteado de sete anos, que brinca pelo corredor do andar enquanto Mailon faz seu relato. São muitas as crianças crescendo na ocupação. Tantas delas, infelizmente, já conheceram a realidade da vida em situação de rua com suas famílias.

Para ocupar o tempo ocioso dos pequenos e tentar preencher um vazio educacional deixado pela sucateada rede pública de ensino, a estudante de pedagogia Elys Costa decidiu criar na Carlos Marighella uma sala de educação popular, bem ao lado do seu barraco.

“Nossas crianças da ocupação são muito acolhedoras e estão abertas a aprender. São todas maravilhosas”, a aluna da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) elogia. Para manter a sala, Elys criou um projeto chamado “Grãos Gerando Educação”, que consiste na venda de amendoim torrado para arrecadação de recursos.

Passando seu café, ela conta que a chegada ao prédio se deu após a Defesa Civil de Salvador condenar sua casa, no bairro de Pirajá. Foram meses deprimida por ter precisado deixar a residência, até entender que poderia ser agente de transformação com o projeto educacional.

No entanto, Elys Costa ainda lamenta que as necessidades dos moradores da Ocupação Carlos Marighella não sejam enxergadas pelo poder público. “Essa falta de apoio do governo para com pessoas como nós é histórica e nos faz ver que precisamos lutar sós. Eu vejo um descaso e sinto a necessidade de fazermos com as nossas próprias mãos”, declara.

Para o coordenador e morador da ocupação, Willian Santos, o governo estadual não só deixa de contribuir para a resolução das questões dos sem-teto, como também age contra eles. Além das tentativas de reintegração de posse, o prédio teria sido alvo de três invasões da polícia, sem qualquer mandado.

A verdade é que é um incômodo para eles que os trabalhadores pretos e pobres morem no centro. A lógica deles é que a gente só vá pro centro para trabalhar e depois volte para as regiões mais afastadas”, reflete, informando também que o diálogo com o governo tem sido inexistente mesmo após a determinação judicial de que só pode haver despejo se tiver moradia para os que vivem na Carlos Marighella.

“O Governo do Estado precisa negociar com as famílias uma solução, pois já decidimos que não sairemos daqui pra voltar a morar no aluguel, de favor ou na rua”, Willian conclui.

 

O Bahia No Ar tentou contato com o governo da Bahia, responsável pelo prédio ocupado pelos sem-teto, e o governo federal, que retomou recentemente o programa de moradias populares “Minha Casa, Minha Vida”, mas não houve retorno acerca da situação até a publicação deste texto.

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