O sistema desenvolvido pelo físico médico André Luiz Coelho Conceição foi construído com base nas informações de radiação espalhada pela mama quando exposta a exames de raio X. Anteriormente, esses dados eram tidos como indesejáveis por reduzir a qualidade da imagem em relação a mamografia.

Durante a pesquisa, Conceição desenvolveu a combinação das duas técnicas de tratamento: a observação dos tecidos a partir do espalhamento dos raios X e a mamografia tradicional.

Foram analisados tecidos normais, malignos e benignos, para que com os dados obtidos se pudesse desenvolver um modelo baseado nas diferenças das composições dos tecidos das mamas, de modo a conseguir diagnosticar o câncer por meio das informações estruturais obtidas a partir das amostras.

Comportamento inesperado

Com o passar da idade, as fibras da mama tendem a ser substituídas por células de gordura, tornando os seios mais flácidos. Desta maneira, quanto mais jovem for a mama mais fibroso será seu tecido.

O tecido fibroso é constituído principalmente por água. Já a gordura é basicamente formada por ácidos graxos. Foi essa diferenciação responsável pelos diferentes resultados no espalhamento dos raios X em médio ângulo. Entretanto, ela só ocorreu da maneira esperada nos tecidos normais. Os tecidos com tumores malignos e benignos apresentaram comportamentos diferentes.

As mamas com tumores passaram a ter um maior componente de água em sua estrutura, comportamento inverso ao considerado natural. Vale lembrar que a mama tende a perder água e ganhar ácidos graxos com o passar do tempo. “A hipótese é que o tumor precisa de um aumento da vascularização da mama para se desenvolver, isso implica também no aumento da porcentagem de moléculas de água”, aponta Conceição.

Outros grupos trabalham metodologias semelhantes para analisar a mama e têm alcançado resultados similares, contudo a conclusão que esta pesquisa traz é inovadora. “A diferença desse estudo foi na combinação de técnicas de espalhamento em baixo e médio ângulo e na interpretação dos dados, que foram utilizados para a criação de um modelo para diagnosticar as amostras de tecidos mamários em “normais”, “benignas” ou “malignas”. Nossa conclusão é mais propositiva nesse sentido”, garante o físico.

Na região de baixo ângulo, as diferenças se deram com relação às fibras de colágeno. Em amostras “malignas”, essas fibras apresentaram uma diferença quando comparadas com as amostras “normais”: elas estavam muito mais espaçadas, com maior variação na periodicidade de sua estrutura, “mais frouxas”, popularmente falando. Segundo Conceição, uma explicação possível é a de que a invasão do câncer naquele espaço causa a ruptura dessas fibras de colágeno.

Para reparar esses danos, o organismo tenta reconstruir essa ligação. “A reconstrução de uma ligação nunca fica tão perfeita quanto a original. Isso fica visível no espalhamento dos raios, que acontecem com um baixo ângulo”. É esta reconstrução imperfeita que pode ser identificada no espalhamento dos raios.

Construção de um modelo para o diagnóstico

Vários modelos para a determinação de um diagnóstico preciso do câncer de mama foram testados por Conceição. O que apresentou melhor resultado foi o que se baseou em um método estatístico chamado “análise multivariada”. A novidade deste modelo consiste na variável usada para o agrupamento de amostras: o momento transferido.

O espalhamento é avaliado como uma função de grandeza chamada “momento transferido”. Em um paralelo simples, seria como uma medida de força. A força é a relação entre massa e aceleração, o momento transferido é a relação entre o ângulo do espalhamento e a energia dos raios X. “Na prática, o espalhamento nada mais é que uma contagem da radiação espalhada, que contamos por fótons, em função do ângulo de espalhamento e da sua energia da radiação espalhada”.

“Esse método de estatística multivariada permite identificar os valores de momento transferido que fornecem as informações mais relevantes para a construção do modelo. Assim, posso separar as amostras normais, malignas e benignas com o menor número de variáveis e ainda ser muito preciso. É a combinação ideal: menor número de variáveis e melhor separação”, avalia.

Conceição explica como o modelo simplifica o diagnóstico: por meio de um software específico para análise estatística, é arquivado o número de fótons espalhados por cada amostra em cada um dos valores de momento transferido. O momento transferido é fixo, portanto, valores anormais são facilmente identificados quando comparados com a tabela com os valores-padrão construída pelo software.

“O nosso modelo conseguiu identificar corretamente 100% das amostras. Elas foram classificadas como normais, malignas ou benignas”, conclui.

Junção de métodos

Conceição sugere que, para maior eficácia na identificação do câncer de mama, o método atual e o novo modelo proposto em sua pesquisa se complementem.

A utilização da informação proveniente da radiação espalhada fornece meios complementares à informação da mamografia convencional, que é baseada simplesmente na radiação que é transmitida pela mama.

O modelo atual apresenta uma taxa de erro (falsos negativos e falsos positivos) em cerca de 10% a 20% dos pacientes. “Esse é um erro muito grave, que pode ser evitado com a combinação dos dois métodos”.

Conceição diz não defender a substituição de uma análise pela outra porque o novo modelo só foi aplicado em pequenas amostras, nunca na mama inteira. O processo de avaliação de toda a mama está em fase de estudo e aprimoramento, mas até lá é importante que a mamografia tradicional seja utilizada como uma das ferramentes para o diagnóstico.

Não é possível se fazer uma previsão de quando isso será aplicado em clinicas e hospitais públicos do Brasil. Tudo depende do desenvolvimento de novos detectores, mas já existem estudos nesse sentido em diversos grupos do mundo.

Em seu pós-doutorado, Conceição está trabalhando no desenvolvimento de novos mecanismos para fazer imagens do espalhamento da radiação por meio de mecanismos mais sensíveis e, portanto, mais precisos e abrangentes. Sua pesquisa está sendo feita no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas.