Como Designer de Moda tive a oportunidade de ter o meu primeiro contato com o tingimento natural ao cursar a matéria Design de Superfície na faculdade. Fiquei encantada com a técnica. Fiquei alguns finais de semana imerso nesse universo na companhia de Maria, minha filha de 8 e Adeli, minha mãe. Testamos alguns corantes naturais, como o pó de hibisco, a cúrcuma, a páprica e o espinafre e os resultados foram tão incríveis que ainda renderam novas peças de roupas. Foi uma ótima forma de passar o tempo em família e vendo como 3 gerações podem estreitar relações por meio de uma técnica artesanal tão milenar. Nesse artigo iremos conhecer um pouco mais sobre essa arte milenar.

ORIGEM DO TINGIMENTO NATURAL

    Já deu para perceber que eu adoro história, né? Acho muito interessante saber como as coisas surgiram e evoluíram ao logo do tempo. Então vamos lá!

    Mesmo que não seja possível afirmar a data precisa dos primeiros tecidos tingidos utilizando os corantes naturais, as pinturas encontradas nas cavernas de Lascaux na França e nas de Altamira na Espanha são provas de que os nossos ancestrais já usavam pigmentos naturais para pintar essas paredes há cerca de 15 mil anos. (GOMBRICH, E.H.).

Pintura nas paredes das famosas cavernas de Lascaux na França, que já utilizava corantes naturais do período pré-histórico da humanidade.

    O primeiro registro escrito que conhecemos sobre corantes naturais e a sua utilização nos remonta a China de 2600 a.C.. Já naquela época, as cores das roupas eram elementos simbólicos e indicavam status social. Apesar da origem do tingimento natural indicar os chineses como os pioneiros, a estamparia desenvolvida na Índia foi a responsável por impulsionar essa técnica mundo afora. Até o surgimento dos corantes sintéticos, esse método era o responsável por garantir as diversas cores seja por meio de corantes de origem vegetais, animais ou minerais. Os três corantes mais usados até a descoberta dos sintéticos foram o índigo, a corante púrpura e o corante vermelho alizarina.

A INDÚSTRIA TÊXTIL NUNCA MAIS FOI A MESMA

    Em 1856, o ainda estudante de química, William Perkin fez uma descoberta que mudaria para sempre a indústria do tingimento e a têxtil. Nessa época, Perkin pesquisava a sintetização da quinina, utilizada no tratamento da malária. No entanto, ao limpar o frasco com álcool, verificou que o sólido, proveniente da reação, se dissolveu e deixou o álcool roxo. E assim foi descoberto o primeiro corante sintético: púrpura de anilina ou também chamado mauveína. O químico não perdeu tempo e logo patenteou a nova descoberta que revolucionou a forma de tingimento da indústria têxtil.

Púrpura de anilina ou também chamado mauveína, foi o primeiro corante sintético descoberto em 1856 por William Perkin.

No ano da descoberta, malva foi a cor daquele ano e por isso a púrpura de anilina, grande descoberta de William Perkin foi um sucesso de vendas. A partir de então, essa indústria de corantes artificiais logo cresceu e acabou por dominar toda a indústria têxtil por ser mais eficiente, mais barata e que garante uma cor mais uniforme, principalmente em larga escala. Mas, infelizmente, os impactos negativos da utilização e os cuidados necessários não foram levados em consideração por essa indústria e hoje comunidades sofrem com a poluição dos seus rios, das suas plantações e até com problemas de saúde dos trabalhadores relacionados a toxicidade desses corantes. Pra quem tiver mais curiosidade de saber mais sobre o assunto, o documentário River Blue retrata como a indústria da moda tem poluindo nossos rios ao redor do mundo.

MERCADO DE MODA & O TINGIMENTO NATURAL

    Em contrapartida a essa onda industrial, podemos perceber que nos últimos anos uma tendência no mundo da moda está cada vez mais forte: o artesanal. Nunca se viu tantas coleções de designers valorizando o trabalho manual de bordadeiras, crocheteiras e tintureiras, por exemplo. Se de um lado temos o consumidor mais informado e querendo saber cada vez o que está comprando, do outro vemos o surgimento de muitos ateliês e marcas com foco no tingimento natural.

    Para essas marcas o propósito vai além do simples lucro. Oferecer uma roupa livre de substâncias tóxicas e com o uso de corantes extraídos de forma criteriosa exclusivamente da natureza é garantir um produto de excelência para seus clientes. Por isso, todo o cuidado com o meio ambiente e com as pessoas que trabalham nesse processo é altamente importante e levado muito a sério.

A SEGUIR ALGUNS BENEFÍCIOS DO TINGIMENTO NATURAL:

  1. É possível reutilizar a água em vários tingimentos, evitando o desperdício desse recurso tão precioso;
  2. Não gera impacto negativo no meio ambiente, principalmente nos rios e nos solos, por utilizar apenas substâncias naturais;
  3. Não oferece perigo a quem manipula e trabalha diretamente com os corantes. Diferentemente dos corantes sintéticos;
  4. Muitas pessoas nem sabem, mas muitas das alergias dermatológicas são provocadas por roupas que vestimos que foram produzidas com um alto teor de substâncias químicas e tóxicas. Usar roupas tingidas naturalmente reduz bastante o risco dessas alergias.

TÉCNICA ANCESTRAL & PROJETO SOCIAL

    Em 2020 tive a oportunidade de conhecer, a designer de moda e fundadora do Ateliê Pigmentar (localizado na Chapada Diamantina) Mônica Garrido. A designer e tintureira afirma que começou a sua jornada nesse universo explorando o processo de tingimento chamado de Shibori, uma técnica de estamparia japonesa. Foi então que resolveu pesquisar sobre o índigo e desde então, não parou mais de estudar. Mônica já viajou pelo Brasil se capacitando e aprimorando suas técnicas para oferecer um serviço de qualidade e coerente com a sua proposta. Perguntei para a designer por que ela escolheu trabalhar com o tingimento natural e ela respondeu:

“…, eu não escolhi, eu tenho certeza de que fui salva pelas cores.”

Em paralelo ao ateliê, Mônica está à frente do projeto  “Minha Avó Sabe das Coisas”, que está sustentado em 4 pilares: design e artesanato, sustentabilidade e agricultura familiar, educação e turismo. O projeto propõe a realização de rodas de conversa e oficinas de tingimento natural, entre outras ações como forma de fomentar o engajamento e participação da comunidade local.

Segundo Mônica,

“A ideia é que os jovens aprendam também sobre a história falada, aquela contada por nossos avós e que ficou esquecida e com isso que se resgate as tradições perdidas, como as músicas e danças, técnicas artesanais, os conhecimentos das plantas, que exista entre eles uma interação que traga mais respeito e zelo entre as partes e uma valorização pela nossa cultura, pelo nosso lugar de origem. Que nesse encontro de gerações possamos voltar a sensação de pertencimento que só o culto e respeito a nossa cultura nos traz.”

    Lindo de se ver, né? Acho importante divulgar iniciativas como essa que tem o foco na responsabilidade social e no resgate das nossas origens culturais. Só nos mostra que é possível sim fazer o bem!

TINTURARIA OU TERAPIA

    Como tenho falado aqui nos meus artigos, o fenômeno do isolamento social transformou de forma abrupta o nosso modo de viver. Para fugir da monotonia, muitas pessoas têm investido seu tempo e dinheiro em atividades artesanais com um propósito quase que terapêutico. E é nesse cenário que as oficinas e cursos de tingimento natural invadiram as plataformas on line e estão fazendo o maior sucesso.

    Recentemente, tive a oportunidade de participar de um curso on line de Introdução ao Tingimento Natural realizado pela Manui Brasil. Durante uma deliciosa tarde, pude conhecer mais de perto essa técnica que possui muitas etapas que devem ser rigorosamente respeitadas e que tem um ritmo totalmente diferente da produção industrial para grandes marcas.

    Por meio dos cursos, a Manuí Brasil tem a oportunidade de compartilhar esse conhecimento e fomentar a prática dessa técnica artesanal por qualquer pessoa. Já pensou em você mesma transformar aquela peça de roupa esquecida, usando as cascas de cebola que iriam para o lixo? Eu adorei a experiência e já estou me programando para fazer o próximo curso sobre Shibori!

Além de oferecer diversos curso sobre esse tema, a empresa é também uma marca slow fashion que produz peças versáteis, atemporais e únicas. Segundo Juiana,

“O tingimento natural e a estamparia manual fazem parte do DNA da marca, assim como a preocupação em criar uma moda mais humana e íntima. A proposta da marca é semear uma moda consciente, brasileira e sustentável.”

AS CORES DO BEM

    Viram como é possível repensar como fazemos as coisas e resgatar maneiras mais sustentáveis! A indústria da moda tem uma longa jornada pela frente rumo a um modelo mais sustentável, mas ver o retorno do tingimento natural, seja por meio de cursos oferecendo experiências reais, como também pela utilização da técnica em marcas é um forte sinal de que estamos no caminho certo.

Aliá, já disse aqui em dos meus artigos (https://bahianoar.com/otimismo-tendencia-nas-principais-semanas-de-moda-do-mundo/) como as cores são aliadas poderosas no nosso guarda-roupa e na nossa vida, né?

Imaginem o poder dessas CORES DO BEM!

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