Projeto tido como prioridade para Palácio Thomé de Souza, a Reforma Tributária foi aprovada pela Câmara na madrugada de ontem, deixando livre o caminho para que a prefeitura de Salvador inicie a série de mudanças com a qual espera aumentar a arrecadação do município em até R$ 500 milhões ao ano, através do cerco à sonegação e à inadimplência. Em contrapartida, o novo código cria medidas que beneficiam a população, tais como isenção de dívidas menores e bônus em notas fiscais.

Grande parte das medidas aprovadas, contudo, só começará a valer em 2014. É esse o prazo final estabelecido ontem pela Secretaria Municipal da Fazenda, para que a administração, empresas e a sociedade se adaptem às mudanças. “O impacto dela só vai acontecer no começo do ano que vem. Vamos começar agora um trabalho de implantação da reforma. A aprovação vai permitir que a cidade tenha as suas finanças mais robustecidas para fazer obras”, disse o prefeito ACM Neto, em entrevista à Rádio Sociedade.

Cidadão

No entanto, uma das medidas aprovadas está prevista para ser implantada ainda este ano: o programa Nota Salvador, que concederá bônus para o cidadão que exigir nota fiscal eletrônica na contratação de serviços. A previsão é que em outubro os cidadãos e empresas já possam ser restituídos de parte do Imposto Sobre Serviço (ISS) pago, através de créditos depositados em conta corrente ou usados para quitar até 100% do IPTU.

A reforma cria também o Cadastro Informativo Municipal (Cadin), tipo de SPC da prefeitura, que abre espaço para punições a quem estiver inadimplente com o município. Entre elas, a suspensão da de alvarás ou a proibição de firmar convênios e receber pagamentos da prefeitura.

“O principal é que não há aumento de imposto. A reforma vai dar eficiência e condições para a prefeitura arrecadar. Quem deve vai ter que ter medo. A reforma vai ser implacável com quem deve. As empresas que devem agora vão para o Cadin. Quem estiver lá não vai por exemplo participar de licitação com a prefeitura”, disse o prefeito.

O projeto institui ainda o Programa de Parcelamento Incentiva (PPI), que perdoa a dívida de quem deve até R$ 400, e cria condições de parcelamento em até 120 meses, com isenção de multas e descontos nos juros.

Emendas

Ao todo, foram aprovadas 45 emendas, entre as 75 apresentadas aos dois projetos que compõem a reforma (160 e 161/2013). Com acordo na base governista pela aprovação do texto principal das matérias sacramentado, a votação dessas emendas foi o ponto mais polêmico da sessão na Câmara. A maioria dos vereadores da base governista se negou a seguir o acordo firmado entre o prefeito e o setor imobiliário, e rejeitou a Emenda 23. Com isso, ficou mantida a cobrança de 5% de ISS para as incorporadoras.

Por outro lado, outras emendas apresentadas para atender setores da sociedade e servidores passaram pelo crivo dos vereadores. Entre elas, está a que mantém o regime de alíquota fixa do ISS das chamadas sociedades uniprofissionais. Pelo projeto original, escritórios de advocacia, médicos, dentistas e contadores, por exemplo, teriam de pagar 5% sobre o faturamento. Agora, continuam a pagar um valor sobre o número de profissionais em cada empresa.

Outra emenda aprovada manteve a compensação de tributos. É através desse mecanismo que faculdades privadas oferecem bolsas integrais para servidores municipais, através do programa Portal da Universidade. Em contrapartida, ganham descontos para pagar impostos.

Outra emenda aprovada aumenta o prazo de 15 para 60 dias para que o nome do cidadão ou empresa devedora seja incluído no Cadin, após notificação.

Foi instituído ainda o fim do limite máximo das parcelas de empréstimos consignados tomados pelos servidores. Antes, este valor era fixado em 30% dos rendimentos. Agora, caberá à prefeitura criar níveis de limite, que levarão em consideração a faixa salarial.

Arrecadação
Para aumentar a arrecadação, a reforma criou duas empresas de economia mista, que irão gerir o patrimônio imobiliário da prefeitura e realizar cobranças extrajudiciais dos devedores. São elas a Companhia de Desenvolvimento e Mobilização de Ativos de Salvador e a Sociedade de Propósito Específico. As duas receberão aporte financeiro inicial da prefeitura de R$ 5 milhões cada.

Pelo projeto, a companhia terá propriedade sobre os títulos da dívida pública e sobre imóveis do município, que servirão como garantia para parcerias público-privadas. A outra empresa vai se concentrar exclusivamente na cobrança de dívidas e ficará responsável pela inclusão de inadimplentes não apenas no Cadin, mas também no SPC e Serasa.

Imobiliárias reagem; profissionais liberais elogiam

Pelo texto aprovado ontem, as incorporadoras imobiliárias terão que pagar 5% de Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre o valor geral de vendas de cada empreendimento A medida foi contestada pelos setores empresariais do setor, que afirmam que o artigo é inconstitucional.

O vereador Edvaldo Brito (PTB) chegou a apresentar uma emenda cancelando a cobrança, mas 31 vereadores votaram contra, incluindo membros da base governista.

Segundo o presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Nilson Sarti, há uma fragilidade jurídica na cobrança que, segundo ele, foi apresentada ao prefeito ACM Neto e ao secretário municipal da Fazenda, Mauro Ricardo.

“Nós, junto com o Fórum Empresarial da Bahia, apresentamos a eles argumentos que demonstram a inconstitucionalidade dessa cobrança. Na incorporação imobiliária, não é vendido um serviço e sim um bem. Hoje, nós já pagamos o ITIV (Imposto Sobre a Transmissão Intervivos) que corresponde a 3% do valor dos imóveis”, alega Sarti.

O presidente da Ademi acredita que o prefeito deve vetar a cobrança. “Não se trata de sonegação dos impostos, e sim, da forma correta de cobranças. Não temos conhecimento de nenhuma cidade onde se cobra isso. Inclusive, há várias decisões da Justiça que derrubaram essas cobranças onde elas tentaram ser feitas. Cobrar esse imposto iria aumentar o preço dos imóveis”, explica Sarti. Caso não haja o veto, a Ademi pretende ingressar na Justiça.

O mesmo desejo é partilhado pelo presidente do Fórum Empresarial, Antoine Tawil. “Aguardamos o veto do prefeito. Acredito que essa cláusula não foi apreciada com calma pelos vereadores na votação”, afirma.

Sobre o assunto, o prefeito ACM Neto, através da sua assessoria de comunicação, informou que está analisando as emendas e que deve se pronunciar hoje sobre eventuais vetos.

Ao contrário dos incorporadores, os profissionais liberais tiveram ganhos com a nova reforma. Estava prevista a alteração da cobrança de impostos para profissionais liberais. Hoje, eles pagam 5% sobre o imposto de cada procedimento. Uma emenda pretendia estabelecer a cobrança desse percentual através de uma estimativa de orçamento. “Isso foi um ganho positivo. Teríamos um prejuízo até no fechamento de clínicas caso fosse aprovado”, explica o presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia, Francisco Magalhães.

Para especialista, reforma permite equilíbrio fiscal, mas deixa lacunas

Para o doutor em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Complutense de Madrid e professor da Universidade Federal da Bahia André Portella, a reforma é um importante instrumento para equilibrar as finanças, mas deixa a cargo da Secretaria da Fazenda do município o estabelecimento das regras de funcionamento.

“A reforma autoriza a criação de uma série de instrumentos, mas não aponta suas formas de funcionamento. É um risco jurídico deixar essas regras só com a Sefaz”, defende.

O especialista indica que o Cadastro Informativo Municipal (Cadin) é efetivo no combate à sonegação fiscal por grandes devedores, mas pode trazer prejuízos para os pequenos empresários. “Se estivéssemos falando apenas de sonegadores seria ótimo. O problema é que, às vezes, o empresário fica inadimplente por situações momentâneas e ficará com dificuldades de se recuperar, por não poder, por exemplo, fazer trabalhos com a prefeitura”, explica Portella.

O professor de Direito Tributário avalia também que o pleito da Associação de Empresas Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi) tem chances de ser derrubado na Justiça, caso não seja vetado pelo prefeito ACM Neto. “Esse tópico tem uma fragilidade inconstitucional. Se isso começar a ser cobrado, certamente haverá um prejuízo ainda maior para os cofres da prefeitura porque a Justiça pode mandar devolver o imposto cobrado. Não tem fundamento legal cobrar ISS de incorporador, porque não é um serviço”, destaca. *Correio