De acordo com um estudo feito pela Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, o alto consumo de carne vermelha — especialmente a processada, como bacon, salsicha, linguiça ou presunto — aumenta a probabilidade de também desenvolver diabetes tipo 2. Como era de se esperar, a pesquisa apontou que a diminuição ou a substituição desse tipo de alimento por opções mais saudáveis, com baixo teor de gordura, por exemplo, reduz significativamente esse risco. A versão on-line do trabalho foi divulgada no site da revista American Journal of Clinical Nutrition e aparecerá na edição impressa da publicação em outubro.

Após analisar os hábitos alimentares dos participantes, levando em consideração a idade, o índice de massa corporal (IMC) e o estilo de vida, os estudiosos chegaram à conclusão de que pessoas que costumam consumir uma porção de 100g diárias de carne vermelha não processada têm 19% mais chances de ficarem diabéticas. A situação piora — e muito — para quem consome carnes processadas. Com apenas metade dessa porção — o equivalente a uma salsicha —, os riscos dos consumidores virarem portadores da doença sobem 51%. A melhor alternativa, segundo os pesquisadores, é reduzir ao máximo o consumo desses alimentos. Trocar a carne vermelha, embutidos e enlatados por nozes, grãos integrais, produtos com baixo teor de gordura, peixe ou feijão sempre que possível também ajuda a afastar o fantasma do diabetes.

An Pan, pesquisador do Departamento de Nutrição de Harvard e um dos autores do trabalho, explica que isso ocorre devido à grande quantidade de sódio e conservantes químicos presentes nesses alimentos, que acabam por danificar células do pâncreas envolvidas na produção de insulina. “A carne vermelha, em geral, também tem altos níveis de um tipo de ferro chamado heme, que, quando consumido em quantidades elevadas, pode aumentar o estresse oxidativo e levar à inflamação crônica. Isso também pode afetar a produção de insulina”, completa.

Pan frisa ainda que outros estudos, feitos em 2010 na mesma Harvard, provaram que o consumo excessivo de carne vermelha também aumenta os riscos de doenças cardíacas, outro fator que pode desencadear o diabetes tipo 2. Além disso, exagerar na carne vermelha também pode fazer com que haja ganho de peso em excesso — um forte fator de risco para a doença. “Em nossa análise, descobrimos que os riscos relativos foram atenuados pela metade após o controle do IMC”, completa. “Não dissemos na pesquisa que é preciso riscar totalmente a carne da dieta. Acredito que o consumo de, no máximo, três porções por semana de carne vermelha não processada é aceitável para a maioria das pessoas.”

Excessos
Jane Dullius, educadora física e coordenadora do programa de educação em diabetes Doce Desafio, da Universidade de Brasília (UnB), diz que, para quem já é diabético, o consumo de carne vermelha pode causar uma sobrecarga no organismo — que já precisa de um trabalho extra para manter-se saudável. “Embutidos não deveriam ser consumidos por niguém, diabéticos ou não”, defende. “A quantidade de sódio é muito grande, o que favorece hipertensão e também o diabetes”, resume. Dullius, diabética e vegetariana há 30 anos, ensina que, para substituir a carne sem sofrer, basta fazer adaptações com valores nutricionais equivalentes ou parecidos. “A grande questão é de onde você pode tirar a proteína, que pode ser encontrada em muitos outros alimentos, como no arroz e no feijão”, sugere. “Produtos industrializados trazem conforto em termos de acesso ao alimento, mas favorecem o ganho de peso e a intoxicação.”

Especialista em nutrição clínica, Guilherme Mendes diz que os efeitos da carne vermelha em diabéticos já são conhecidos. “O que é novo é essa relação, a porcentagem que os pesquisadores de Harvard encontraram”, comenta. Ele explica que a carne vermelha em excesso favorece o surgimento de fatores inflamatórios na corrente sanguínea — o que pode ocasionar doenças autoimunes, problemas gastrointestinais e câncer. “Esses fatores inflamatórios, associados à obesidade, desencadeiam resistência à insulina”, completa. “Com o tempo, em torno de 10 a 11 anos, os sintomas aparecem.” Para driblar a doença, o jeito, segundo Mendes, é mudar: trocar carne vermelha pela branca de vez em quando, ingerir frutas, legumes e hortaliças e, claro, praticar atividade física. “Quase 70% dos casos de doenças crônicas têm a ver com o estilo de vida e fatores ambientais”, diz.“

Mudar alguns hábitos foi o caminho escolhido por Tânia Martins, 61 anos. Mesmo antes de saber que era diabética, a pedagoga conta que trouxe o costume de comer verduras e legumes de casa. “Minha avó paterna tinha diabetes e morreu com a perna amputada. Por isso, lá em casa, minha mãe sempre incentivou que a gente comesse direito. Eu já sabia que tinha 50% de chance de ser diabética”, explica. Quando casou-se, Tânia acostumou-se a ter sempre enlatados e alimentos embutidos na dispensa — por conta do marido, ela garante. Depois que o companheiro faleceu, foi a hora de abolir de vez alimentos industrializados do cardápio. “Antes, eu fazia supermercado em uma hora, mas agora demoro três vezes mais, porque tenho que ler os rótulos e ver o que posso ou não comer”, completa.



Hoje, Tânia pratica exercícios físicos cinco vezes por semana e evita ao máximo alimentos gordurosos. Além de controlar o diabetes e a hipertensão, ela conta que o novo estilo de vida só tem vantagens. “Não sinto mais cansaço, mal-estar. Antes, estava sempre ofegante”, compara. Ainda que não seja sua preocupação principal, ela garante que o ganho estético também compensa o esforço de trocar grandes quantidades de carne por grãos, salada e frutas. “Perdi mais ou menos 12kg depois que comecei a fazer a dieta, há três anos”, gaba-se.

Sem saber
Muitas vezes assintomática, a doença pode passar desapercebida por muito tempo. Diferentemente do diabetes tipo 1, em que não há produção de insulina, o tipo 2 ocorre devido a uma resistência do organismo ao hormônio. Essa versão da doença é a única que pode ser evitada, com a ajuda de uma dieta balanceada e exercícios físicos regulares. O brasileiro, contudo, parece não estar muito preocupado em diminuir a quantidade de carne vermelha no prato. Segundo dados do Sistema de Monitoramento de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas Não Transmissíveis (Vigitel) de 2010, 45,5% dos homens comem carne com excesso de gordura. As mulheres são mais contidas: 24,5% admitem consumir o alimento.

As informações são do Correio Brazilienze.